domingo, 28 de agosto de 2011

POR QUE NÃO NOS INDIGNAMOS?

Quando eu era bem mais jovem havia uma atmosfera política e ideológica em torno da grande contraposição capitalismo/socialismo, de onde decorriam outras contraposições, tais como: burguesia/proletariado; ricos/pobres; direita/esquerda; conservadores/progressistas, entre outras. Tais contraposições nos faziam pensar, tomar posições, associar-se a grupos que nos davam identidade política e moral. Pensávamos, quer dizer, eu pensava, que devíamos lutar contra nossos opositores para garantir a hegemonia do Estado e, assim, instaurar a tão sonhada utopia socialista. Foi um tempo bom. Tínhamos alguns partidos que asseguravam forças e energias para se pensar um país diferente, melhor para todos, com distribuição de renda e um sistema de saúde, educação, cultura, infraestrutura, saneamento, transportes, lazer, esportes, que oferecessem condições básicas de acesso aos bens públicos, principalmente pelas classes populares.

Infelizmente, quando um desses partidos chegou ao poder do estado, percebemos que os homens e as mulheres que determinam os encaminhamentos desse partido não estavam interessados em corrigir as “maracutaias”, a concentração de renda, a escorcha dos impostos, principalmente para os mais pobres e para a classe média. Alguns trechos do texto de Malu Fontes, “Bang bang, cinismo e mortes”, publicado na página 09 da Revista da TV do jornal A Tarde de hoje, 28/08/2011, apresenta, mais uma vez, a face contemporânea desse estado lastimavelmente governado por corruptos de primeira grandeza. Vamos a alguns trechos:

(...) Um outro argumento sempre usado pelo ajuntamento desumano de gente doente em porta de hospital é o de que as pessoas, se doentes e sem possibilidades de atendimento, jamais devem vir para a capital em busca de atendimento. O discurso é belo e aparentemente funcional: devem procurar as prefeituras locais, cadastrar-se e esperar que estas providenciem o agendamento do atendimento em Salvador, via centrais de regulação. Quem acreditar na eficiência desse sistema ganha um doce e quiçá um vale funeral.  

A realidade da saúde pública no país é lastimável, enquanto isso o governo Wagner tenta economizar dinheiro público com a redução de direitos do PLANSERV. Ninguém pensa em reduzir o vale combustível dos carros utilizados pelos deputados da Assembleia Legislativa, por exemplo. As ambulâncias que vêm das cidades de toda a Bahia – salvo aquelas cidades fronteiriças que preferem utilizar os serviços públicos de saúde de outro estado – vão de hospital em hospital de Salvador em busca de atendimento e internação para os doentes e seus familiares que viajam horas em busca de uma esperança mesquinha, de um favorzinho do estado e de seus médicos, que pode custar a diferença entre a vida e a morte.

O impostômetro instalado em São Paulo corre voraz todos os dias anunciando quantos milhões, bilhões, os brasileiros estão deixando nos cofres públicos a cada bala que compram e a cada salário que recebem. O sistema que faz faltar dinheiro para maternidades ampliarem vagas, instalar leitos, contratar médicos ou para a construção de novos hospitais é o mesmo que sempre dá um jeito de reservar uma dinheirão para os mensalinhos e para o combustível dos helicópteros da polícia militar  do Maranhão que conduzem o mais prestigiado dono de capitania hereditária do Brasil, José Sarney, em sobrevoos para ver as belezas de sua ilha de estimação no estado.

Nunca faltará dinheiro para esse país, porque nós, escravos públicos do estado, pagadores de impostos em cascata, mantemos as mordomias dos corruptos, desde o paletó até a viagem com a família num jatinho de um empresário bem sucedido. Precisamos de uma primavera política, ideológica e moral, para tirar esse país das mãos desses malandros bem sucedidos e devolver à população o direito efetivo aos seus direitos constitucionais. Precisamos reinaugurar a República!!! E não é pelo voto que vamos conseguir isso. Não é votando no DEM ou no diabo que os carregue, pois quando eles estiveram no poder fizeram a mesma coisa e, quando voltarem, farão novamente, pois eu acredito até em recuperação de presidiário, mas não em recuperação de político corrupto. Quem acredita nisso, vá proteger Chapeuzinho Vermelho contra o Lobo Mau. E Malu Fontes continua...

Autoridades do sistema de saúde e jurídico diziam ter havido falta de solidariedade no caso da grávida. Todos têm razão sob seu ponto de vista, enquanto o mais elementar fica desfocado: os homens públicos, que deveriam empreender todos os esforços para reduzir o sofrimento humano no país, estão mesmo é exercendo o cinismo, as ameaças, as chantagens à companheirada e interessados tão somente na briga por poder, cargos e desvios de dinheiro. Pacientes em desespero e médicos incapazes de dar conta da demanda que se entendam e se acusem entre si por negligências e mortes. Esse é o recado que boa parte de ministros, deputados e senadores mandam de Brasília. Justo Veríssimo é a tendência no Planalto Central.

Caso você não queira se explodir, como o bem deseja o espírito público dos nossos representantes políticos, é melhor cuidar antes de sua saúde política, melhorar sua capacidade de organização e indignação, transformar essa indignação em clamor popular, indicar líderes confiáveis e supervisionar as atividades que se dão no âmbito do estado. Não sabemos mais como posicionar a nossa subjetividade e rebelá-la diante disso tudo. A "esquerda" tornou-se uma direita pragmática, pior que a direita. A "direita" perdeu identidade, nunca soubre fazer oposição, nem saberá, pois não poderá se opor ao que acredita piamente ser o correto. Os progressistas, por sua vez, tornaram-se "conservadores" e esqueceram os movimentos sociais, a organização da sociedade civil, as classes populares, adquirindo postura populista e minando a força desestabilizadora que renova o poder e direciona sua ação, inspirada nas utopias.

Está mais do que provado historicamente que, sem saúde civil e política, as classes populares irão sucumbir cada vez mais nas mãos da violência que o estado imprime ao povo, seja sob a forma de ação, violência dos policiais contra a população, seja em forma de inação, negligência dos nossos representantes políticos diante das necessidades imediatas de brasileiros tratados como estrangeiros, como ninguém, como um nada que merece desaparecer mortalmente para não incomodar aqueles que desejam apenas uma ilha, uma lancha, uma fazenda, um coleção de carros de luxo, ou “miudezas”, como diria nosso ancestral antigo. E os simplórios que “se explodam!”, porque não querem saber as causas de sua dor, porque não se movimentam politicamente, a não ser, claro, apadrinhados por um aspirante político que deseja ingressos (votos) para participar do espetáculo do crescimento, pessoal com dinheiro público, em Brasília.

 Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A CORRUPÇÃO COMO UMA POLÍTICA PÚBLICA

A corrupção no Brasil é uma política pública de estado e de governo, assentada por uma cultura patrimonialista com selo nacional, onde as elites retrógradas e ultraconservadoras, aliada aos modernos gestores, articulam-se aos interesses do capital internacional e se apropriam das riquezas produzidas coletivamente, usurpadas por uma pesadíssima carga de impostos que retira dos verdadeiros trabalhadores desse país o direito de usufruir dos frutos do seu trabalho. De fato, o estado não devolve para a sociedade os recursos que dela retira em serviços básicos de qualidade que a população precisa, pois tais serviços, em forma de políticas públicas sociais, são marcados pela ineficiência decorrente da corrupção que permeia seus processos de implementação. A merenda escolar, o amistoso da seleção brasileira, a compra de automóveis para uma secretaria, a farda dos militares, o transporte escolar, a recuperação de uma estrada ou a construção de uma ponte, entre tantos outros exemplos, são indicadores inegáveis dessa tragédia à moda Brasil que se abate sobre seus habitantes: o patrimonialismo selvagem (como afirmou um político da oposição atual, que também não merece confiança) que domina este o governo e este estado lamentável de coisas.

O patrimonialismo é, segundo Sandroni (1987), um “sistema de dominação política ou de autoridade tradicional em que a riqueza, os bens sociais, cargos e direitos, são distribuídos como patrimônios pessoais de um chefe ou de um governante” (p.317). De modo geral pode ser entendida como a não distinção entre a esfera pública e a particular, por parte dos governantes e administradores públicos, dos detentores do poder político administrativo. (http://jus.uol.com.br/revista/texto/18960/o-patrimonialismo-no-brasil-da-colonia-ao-fim-do-segundo-reinado), Acesso em 17 de agosto de 2011, às 17:07 h. 

A República pouco tem de res publica. Nenhum dos três poderes parece interessado em combater a corrupção que grassa nas ações do Estado. A Polícia Federal está atada pelo Judiciário que, por sua vez, está atada ao Legislativo que, por sua vez, ata o Executivo e, num ciclo vicioso, por este é atado. Nesses nós, nesses atos e atas, os filhos dessa “mãe gentil” permanecem atados nas consequências nefastas desse modelo não declarado de ação estatal. O Ministério é de fulano que é o dono do PM Não Sei de Quê; o outro Ministério é do PC não Sei Mais de Onde; A Secretaria Disso é da Fulana, apadrinhada do Dono do P da "Ré Pú". E os donos, evidentemente, não prestam contas nem satisfações a ninguém, a não ser a eles mesmos. "(...) Em caso de prisão, os empoderados não serão ofendidos em sua dignidade pelo uso de algemas, desde que a prática também seja condenada pelos queixosos de agora quando magotes de acusados pobres e pretos forem enfiados algemados nos camburões policiais das grandes metrópoles brasileiras para a TV vespertina e seus urubus filmarem, como acontece todos os dias." (FONTES, Malu, A TARDE, Revista da TV, Salvador,  2011, p. 09).

A lei em nosso país, quer dizer, no país só deles e delas, é um mero detalhe. O que impera é a arbitrariedade do chefe, do dono, do senhor. E esta cultura é contagiosa e impregna nossas ações de alto a baixo. 
(...) Tentou-se esclarecer que o corrupto subiu na vida, sim, pelo menos em matéria de dinheiro, mas subiu roubando dinheiro público. Toninho, que tem esse apelido de leso, mas de vez em quando surpreende pela agilidade de raciocínio, retrucou que, se o dinheiro era público, não tinha dono e, assim, nada mais justo que o primeiro que pudesse metesse a mão nesse dinheiro - e era assim desde que inventaram dinheiro, o resto é conversa. "Eu acho bonito quando vejo esses corruptos passeando aqui de lancha americana, cheios de mulheres, tomando o uísque deles e desfrutando a vida", disse ele. "Meus filhos, Deus ajudando, vão ser todos corruptos, vou querer pelo menos um, minha família vai melhorar. Quero ver meu filhão lá nos salões, um corrupto respeitado por todos, bem-sucedido, bonitão, cheio das mulheres, esse vidão de corrupto mesmo...  O sujeito que não tem esse grande ideal não é bom pai de família. (RIBEIRO, João Ubaldo. Isso não vai dar muito certo. Jornal A TARDE, Caderno 2, p.2, Salvador, domingo, 21/08/2011)
Ribeiro expressa sua indignação através da ironia feroz e bem humorada, pois assim ajuda-me também a expressar a minha indignação diante dessa descaração oficial que se  institucionaliza. E não se surpreenda se a corrupção for proposta como direito constitucional por algum desses deputados esdrúxulos que compõe a corja de assassinos, ladrões, torturadores, estelionatários e cafetões que usam gravatas e bravatas para enganar os tolos eleitores, tais como certo deputado. É preciso recorrer a outra categoria teórica para compreender esse furdunço: a microfísica do poder de Foucault. O senhor e o dono pode bem ser o motorista de ônibus, a diretora da escola, o policial ou o presidente. É a arbitrariedade que dita a norma e normatiza o absurdo. Ninguém se engane: um taxeiro tem muito poder. Algumas vezes perverso. É só ele constatar que você não é da cidade, que a conhece pouco que ele vai fazer o percurso mais longo possível contra você, sem importar-se com as circunstâncias que o (a) cercam naquele momento. Assim também é com professores (as), médicos, vendedores ambulantes, gerentes de bancos, vendedores de automóveis, garçons, enfim, todos aquelas pessoas que, do seu lugar, disparam sua perversão contra os outros e contra o mundo. 


Tem uma cantora, Wanessa Camargo, que, em uma de suas músicas, afirma que o mundo dela caiu assim que "lá ele" a deixou. Sinto quase a mesma coisa. Meu mundo caiu. Sou da década de 70 do século XX e sinto uma certa vertigem diante do mundo contemporâneo. A degradação moral que percebo e sinto corrói e estala as estruturas institucionais e tudo parece certo, quando está errado. A juventude quer ser "dona de sua vida" sem fazer esforço para adquirir sua autonomia financeira, intelectual e moral. O suor não constitui mais uma alegoria importante de produção da existência. Nesse mundo em ruínas, minha subjetividade procura escombros onde amparar-se das intempéries. Mas não tem abrigo seguro, pois é o mundo que está assim, e não apenas um canto dele. Até nas instituições religiosas a corrupção encontra estadia segura, indicando que a fuga é impossível. E eu rezo para que esteja desantenado. Rezo para que esteja redondamente equivocado. Rezo para que a indignação esteja sendo gestada nas entranhas dos grupos sociais que não aceitam a ruína sem um projeto de reconstrução sob outras bases, fundada na ética, na distribuição de renda, na destruição do luxo privado para o sossego da maioria.  


Eu tenho um sonho, assim como Mister King. O sonho onde os espaços públicos do meu país não sejam privados, nem por cancelas nas rodovias, nem por ocupações irregulares dos mais espertinhos. Eu tenho um sonho onde as pessoas sejam educadas para deixar o que não lhes pertence no lugar onde achou e que preservem tanto o meio ambiente, quanto os bens públicos, cuidando do que é de todos, não como se fosse seu, mas como se fosse de todos mesmo! Dos filhos da terra, mãe gentil, que une filhos e filhas ao redor de si para erigir uma nação baseada em valores que não podem ser negociados. Eu sonho com um país onde as lideranças trabalhem a favor da sua gente e simbolizem a virtude que a nação precisa para romper com um processo civilizatório que desdenha de sua população, que maltrata seus servidores e assassina aqueles e aquelas que não negociam a sua alma por trinta moedas de ouro, nem mesmo pela própria vida, como foi o caso da juíza Patrícia Acioli. Precisamos de uma revolução em nosso país! A maior contribuição do PT foi a de nos alertar que as mudanças profundas que desejamos não vem pela via partidária e eleitoral. Esse caminho está inviabilizado pelos vícios assegurados pela tradição patrimonialista. Há uma verdadeira política pública que atua a serviço privado e não realiza o fim a que se destina seu discurso oco. Outros caminhos possíveis devem ser abertos pela força indestrutível das mulheres e dos homens que rejeitam o cinismo daqueles que se locupletam com os bens que pertencem a todos e a todas. Quando teremos a nossa primavera?


Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

domingo, 14 de agosto de 2011

BANDIDAGEM CULTURAL NACIONAL

Meu país está morrendo, meu Brasil está sendo roubado, invadido, degradado por um punhado de ideias, comportamentos e atitudes nocivas de ladrões, estelionatários e formadores de quadrilha com um grau de cinismo, crueldade e perversão tão agudo que o absurdo está se tornando norma e a honestidade está se tornando cada vez mais rara e surpreendente, de forma deprimente. O nosso mundo está sucumbindo. Exemplos não faltam: padres pedófilos, policiais assassinos, políticos corruptos, guardadores de carro, merendeiras de escolas públicas, gestores desonestos de hospitais públicos, enfim, parece não haver área humana que escape da grande degradação cultural a que estamos imersos. Estamos numa espécie de corrida mortal para a destruição do estado e o pior: a destruição da confiança e da esperança do povo em suas lideranças políticas, pois suas políticas são gestadas nos antros de corrupção que o estado brasileiro abriga e alimenta com sua aberrante impunidade.

O ex-partido da moralidade e da ética foi engolido pelo pragmatismo da “governabilidade”. Oxalá fosse apenas uma questão partidária. Ainda poderíamos ter esperança de que a próxima eleição poderia nos dar a chance de rever nossos erros. Mas o voto não tem mais significação democrática. O voto é uma mercadoria, como qualquer outra. Não há partido que escape do “canto da sereia” do assalto ao cofres públicos e da impunidade que se segue. A degradação está em toda parte. Hoje, na Corrida da Esperança, vimos uma pessoa, que participou da mesma, pegar uma quantidade de copos d’água que não precisava para aliviar sua sede. Colocou tudo dentro de uma sacola e saiu. Essa mentalidade que está presente em muitas pessoas corrói a confiança, destrói a solidariedade e mina a esperança num Brasil eleito pela lei da justiça, do amor e da solidariedade. O próprio processo civilizatório brasileiro está em xeque, podendo ir à mate de uma hora para outra. A instabilidade do sistema é muito grande, podendo desencadear renovações muito positivas do ponto de vista de uma reconstrução dos valores éticos ou, pode também aprofundar e acelerar os processos de degradação que vão nos mergulhar numa barbárie de consequências desastrosas. Aliás, creio que já estamos nessa "corrida maluca".

A esperteza está em todos os lugares e instituições, alimentada e retroalimentada pela díade "otário/esperto". Nos anúncios de jornais e televisos, os automóveis, só para citar mais um exemplo, aparecem em meia página, com ilustrações bem grandes, com seus preços e prestações bem visíveis. Mas as condições vêm com letras tão reduzidas que somente com uma lupa é que dá para ler as armadilhas que os anúncios escondem. As concessionárias pegam o cliente com redes bem feitas de propagandas enganosas, sugando o seu desejo num bem mesquinho como o automóvel. As pessoas não compram um carro, compram uma dívida dividida em prestações longas, pagam dois carros e, quando terminam de pagar, seu carro não vale nem metade do preço original. A propaganda é um exemplo claro, portanto, de nossa cultura da enganação, da falta intencional de clareza, para que o cliente sucumba nos juros altos e nas promoções fajutas. Além disto, os próprios vendedores são orientados a enganar para vender, a levarem o consumidor a acreditar que serão mais felizes com a compra daquele bem, seja uma televisão de lcd, seja uma calcinha comestível, seja um carro novo ou usado, seja um velho político corrupto. 

Mas a felicidade não vem. Vêm as preocupações com o endividamento crescente, com as necessidades cada vez maiores que surgem em função das compras, afinal, ao adquirir um automóvel estamos adquirindo custos fixos como IPVA, abastecimento, lavagem, estacionamento, manutenção. O final de cada mês traz apreensões, tensões que se acumulam, vai nos retirando o tempo e a tranquilidade para nos dedicar à família, aos amigos, ao lazer. O dinheiro que nos sobra vai ficando cada vez menor e o orçamento cada vez mais apertado e a felicidade cada vez mais distante e rara. Os sonhos vão se tornando pesadelo e todo o cenário que foi desenhado artificialmente ao adquirir os bens vai desaparecendo até tornar-se uma lembrança esquecida permanentemente pelo turbilhão de consequências negativas desencadeadas após o evento da compra. Toda propaganda traz, assim, uma felicidade nociva, com um alto grau de corrosão de nosso bem-estar pessoal e coletivo, pois, convenhamos, o que é bom não precisa de propaganda. O que é bom é simples e é assim mesmo. Sempre vai ser assim. "Felicidade é uma cidade pequenina, uma casinha, uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar". A verdadeira felicidade nos habita desde sempre e quando raramente acontece, nos surpreende no momento sublime de nossa suprema realização humana. Eu sei que tem uma sombra de uma árvore num dia quente, e nela uma fruta doce e suculenta. Eu sei que tem uma água cristalina correndo perto dessa árvore e aguardando minha sede. E eu sei que tem uma boa nova me aguardando em tempo oportuno. Tem felicidades me aguardando a qualquer tempo para que eu prove um pouco do segredo de Deus que habita o cosmos imenso e talvez infinito onde estou inserido. Eu não preciso comprar coisas repetidas para sentir alegria. Raul Seixas estava certíssimo em seu "Ouro de tolo".

A bandidagem está em nossas entranhas sociais e culturais, alimentada e retroalimentada em cada pequeno gesto, em cada intenção de se dar bem frente ao outro. De levar pra casa pequenas coisas, de levar pra dentro de si pequenas corrupções que nos escravizam nesse modus operandi de viver em sociedade à custa do otário, que deve ser esperto diante de outro otário que bem pode ser a gente em outro momento. E o ciclo vicioso vai seguindo seu destino de degredo, forjando personalidades cada vez mais mesquinhas e interesseiras, baseadas na troca, na mercadoria que realize o desejo doentio de ter sempre mais para, quem sabe, tentar ser o que nunca será, pois preciso voltar a Parmênides para lembrar que "o que é, é" e, articulando a Paulo Freire, acrescento que o que é, mesmo quando deixa de ser, é para ser mais, mais com outro, que é o único jeito da gente ser mais sem ser menos, apenas diferente. Cancão de Fogo e Pedro Malazartes são nossos exemplos inconfessáveis de cidadania e de ética. Nossos heróis, caro Cazuza, não morreram de overdose. Estão bem vivos. Engordaram, compraram mansões, aumentaram seu patrimônio centenas de vezes e ocupam cargos estratégicos nas entranhas do estado, fazendo da República um antro de marginais à custa dos otários/espertos que aguardam as obras e as políticas que, se chegam, não interessam mais a quem não espera mais por nada.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Tanto


Te esperei tanto

no anseio do “por enquanto”

e de tanto esperar

vejo quanto des-espero

e no quanto que restar

meu sinal tão fugaz

foi de verde pra amarelo.



Quero tanto.

No entanto

Nem sei mais quanto quero

Nesse tanto

o encanto foi ficando

lá num canto

por enquanto

foi-se dando de fininho



E tão tênue o seu fio

Que de tanto

Se partiu.

O que mais quero?

Não espero.

Vou ao tanto e de tanto

mando às favas o por enquanto,

e de modo muito sério

e selvagem tanto quanto

dou ao tempo a sua pausa

e conquisto o que mais quero.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Eu te odeio Platão!

Este texto foi escrito quando eu era estudante do 6° semestre de Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade Católica de Salvador, lá pelo passado de 1996-1997. O manuscrito foi reencontrado por Conceição Aquino, amiga de muitos anos, de décadas, quando remexia seu passado de papel em alguma espécie de baú.  As três folhas de caderno estão amarelecidas e o escrito a lápis parece adoentado em sua aparência física, embora a saúde do texto continue intacta. Apesar das expressões de ontem, acima utilizadas, pareceu-me que o texto continua de hoje, ainda falando para o meu tempo e surpreendendo-me, pois os temas nele tratados são bem parecidos com o que hoje ainda me angustia, como a permanência de certas lideranças à frente do sindicato. Algumas afirmações polêmicas e generalizantes, embora  eu não mais concorde, prefiro deixa-las errando e errantes no texto, para que eu sempre seja lembrado de meu processo lento de humanização e, claro, me divirta comigo mesmo, afinal, eu também mereço.
Obrigado à gentileza de Conceição por não descartar o escrito e me avisar de sua existência em algum lugar do passado e do presente. O manuscrito ficará comigo para ser lido e divertido algumas décadas à frente.

EU TE ODEIO PLATÃO!

“Para aqueles homens, habitantes eternos da caverna, os sons vinham das sombras que o fundo mostrava. Não sabiam que eram prisioneiros. Consideravam natural aquelas correntes.” (BENTANCUR, 1994). Assim Platão vai descrevendo a situação dos homens que habitavam a caverna. Inicio assim minha reflexão sobre a Faculdade de Educação da Universidade Católica do Salvador. É reflexão crítica. Crítica movida por profundo amor. Amo o saber, mas o concebo como serviço, contrariando a visão mercadológica do conhecimento. Crítico as lideranças institucionais, não as pessoas. Ficaria contente se este humilde comentário fosse elemento de reflexão e ação.

Ultimamente ando tendo a impressão, cada vez mais forte, que a Faculdade de Educação da UCSAL é uma caverna escura, onde estudantes, professores, funcionários e administradores vivem resignados, por não terem a capacidade de imaginar possibilidades, fora da caverna, de organização melhor e diferente para a construção do conhecimento.

Todo o cenário se prepara para viver a aventura, mas a universidade, acomodada, reage contra. Limita sua luta à repetição, à defesa dos currículos, ao monopólio do diploma, à reinvindicação de direitos e não raro privilégios, ao cumprimento de normas e planos de carreira. (BUARQUE, 1994)

Ouço alguns professores reclamarem da apatia dos estudantes quanto às disciplinas do Curso de Pedagogia. A reclamação tem procedência. De fato, aparentemente poucos são aqueles que vibram com o saber pedagógico; poucos também os que têm ideias novas sobre nossa faculdade. A maioria anda absorta, sem se dar conta da crise a que estamos submetidos e da responsabilidade da instituição universitária no processo transitório deste final de milênio. “Talvez seja a prova de não desejarem instintivamente coisas que já não respondem aos propósitos sociais nem às razões existenciais de fazer avançar o conhecimento.” (BUARQUE, 1994). Os professores esquecem de pensar o aspecto político filosófico do Curso, muitas vezes reduzindo-o aos aspectos técnicos-pedagógicos. O saber está submetido ao poder. Aqui na Bahia, coronelística, um poder sem parâmetros éticos, onde a corrupção alimenta o poder em si mesmo, em detrimento da coletividade, carente e excluída. Aí já reside boa pista de que estamos encavernados.

Do movimento estudantil não tenho visão alentadora, no momento. Parodiando grande compositor nacional diria que “(...) nossos líderes ainda são os mesmos e as aparências não enganam mais.” Quando entrei nesta faculdade em 1993, alguns DA’s (Diretórios Acadêmicos) já eram liderados pelas mesmas pessoas que agora estão carreiristas, atrelados às diretrizes de um ou outro partido político. Alguns diretórios tornaram-se verdadeiros comitês partidários, em detrimento do que nos é prioritário: a política pedagógica. A reação dos estudantes vem em forma de apatia às manifestações e articulações político-culturais. Caso o diretório acadêmico fosse uma tela eu preferiria um mosaico. Tenho a impressão que vou sair da faculdade e os atuais “líderes estudantis” vão continuar aí. Mais um indício de que somos habitantes da caverna. 

Os professores estão acorrentados num regime horista de aulas e, restritos à graduação, imaginam o que poderia  haver lá fora da caverna. A realidade da periferia é tão distante dos textos filosóficos, psicológicos, didáticos, epistemológicos, metodológicos e estatísticos. Creio que muitos já se esqueceram das quatro perguntas kantianas: “Que posso saber?”; “Que devo fazer?”; “Que me cabe esperar?”; “Que é o homem?”. Na Bahia não há um espaço coletivo de encontro e reflexão para os acadêmicos. Os professores de cada faculdade e de cada universidade parecem restritos a feudos, cada um com a sua lei e o seu Senhor Feudal. Ainda não pude ver alguns professores divergirem, com sinceridade e argumentos claros. Todo ano o reitor vem, dá a sua mensagem “natalina” e nenhum docente se contrapõe corajosamente, com respeito, mas com firmeza. Muitas discordâncias se restringem às salas de aulas e corredores da Faculdade de Educação da Universidade Católica do Salvador.

No campo da criação do saber é raro quando algum docente lança um livro, faz uma palestra, propõe uma mudança relevante. Muitos de nós, discentes, sairemos dessa faculdade de educação para sermos encaixados como “servos” nos feudos de escolas particulares, refletindo a mercadologização do pensamento, atendendo aos apelos neoliberais do lucro famigerado e do individualismo exacerbado.

Reclama-se de infraestrutura da faculdade e, com razão. Porém há espaços! Espaços-de-fazer que jamais existirão se não forem criados. Há um pátio subutilizado, onde poderíamos tratar das nossas questões mais prioritárias, como: avaliação, currículos, didática, escola pública, escola privada educação sexual nas séries do primeiro grau, que o bispo primaz foi contrário, entre outras questões que poderiam ser debatidas entre os estudantes dos vários semestres dos dois turnos, junto aos professores. Poderíamos criar grupos de trabalho para aprofundarmos a reflexão sobre a Nova LDB (recém criada na época deste escrito), sobre a alfabetização, sobre os transtornos exigidos pela educação baseada nos novos paradigmas do nosso tempo. Poderíamos. Mas estamos na caverna.

Seus companheiros estavam na mesma situação que ele quando nem sonhava livrar-se das correntes. Nada queriam, nada pediam, nada temiam. Temeriam talvez uma transformação, uma transformação tão profunda quanto a que ele pretendia propor. (BENTANCUR, 1994).

Estamos na caverna. Platão nunca foi tão hodierno e tão odioso. Seu mito denuncia nossa escravidão contemporânea. Diante de uma realidade emergente que se configura e nos desfigura –globalização, robótica, realidade virtual, desenvolvimento espantoso da biogenética, microeletrônica, incremento da violência, aumento inexorável do desemprego estrutural, da marginalização, crise de várias instituições, etc. – nós estamos “a ver navios”, ou melhor:  sombras projetadas nas paredes da caverna, sombra dos eventos que acontecem “lá fora” e que nós, por estarmos acorrentados, não podemos participar deles, resignando-nos na imaginação do que sejam aquelas sombras na parede.

Joselito Manoel de Jesus, 6.° semestre de Pedagogia noturno da Faculdade de Educação da Universidade Católica do Salvador e atualmente Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
Com o auxílio de
BENTANCUR, Paulo. Os homens da caverna. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994.
BUARQUE, Cristovam. A aventura da universidade. São Paulo: UNESP/Paz e Terra, 1994.
BUBER, Martin. ¿Que es el hombre?  México, D.F. Fondo de Cultura Económica, 1994.