segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pai, Filho e Corrupção: Amém

Ao fim da novela um filme sem graça permitiu a continuidade da conversa até a hora do sono.

- Mas meu filho, você não está exagerando? Não existem políticos honestos? Não existem religiosos, das diferentes religiões, comprometidos com sua fé e coerentes com suas convicções? 

- Claro que existe pai. Mas, do ponto de vista social e cultural estão ficando cada vez mais irrelevantes. A corrupção no Brasil não é um problema particular, faz parte de sua cultura, está entranhada em todas as instituições, sejam de caráter jurídico, sejam de natureza religiosa ou política, tanto faz. É reproduzida dentro da própria família na base do lema “farinha pouca meu pirão primeiro.” Nesse país as Leis são feitas para serem burladas, seja por recursos jurídicos, seja pelo jeitinho, seja pela propina. No trânsito as estatísticas em torno da relação entre bebidas alcóolicas e acidentes fatais não impede que as pessoas bebam e dirijam. Nem as blitz’s conseguem ter ação efetiva de punição, pois tem lei, habeas corpus, liminares, entre outros recursos jurídicos, contra a própria “lei seca”. Lei seca. Seca de justiça. E fica o seguinte: Todo cidadão é igual perante a Lei, desde que tenha dinheiro para pagar fiança e advogados. E, na prática do trânsito fica assim: para quem mata no trânsito, réu primário, crime sem intenção de matar, etc., não há grandes consequências. Para quem morre e para quem é parente de quem morre, fica a dor, o desamparo e a injustiça. A lei que impera em nosso país é a lei do mais forte, a lei da selva de pedra, asfalto, velocidade e aço mortal. 

E, provocado pela inspiradora realidade nacional o garoto continua. – Apesar da ineficiência dos cartórios na Bahia, por exemplo, a privatização dos mesmos é vista de forma negativa pelos desembargadores e juízes. Isso porque eles não perdem toda a manhã para apenas reconhecerem uma firma, ou autenticar um simples documento. Juiz pode matar, vender sentenças e roubar que não vai preso: é aposentado, ganhando a mesma quantia que ganhava, só que sem fazer nada e continuando com o direito inalienável de cometer crimes sem ser incomodado pelos seus pares. Pai, isso é surreal!!! Os juízes e desembargadores constituem uma classe especial acima do bem e do mal. Nem a justiça os atinge. Estão acima da justiça que deveriam preservar e defender. 

- É meu filho. É duro reconhecer, mas, infelizmente, é isso mesmo. Não existe instituição que escape. Nem a Igreja. 

- Pois é pai. Já tão vendendo as imagens de Irmã Dulce. É preciso capitalizar o momento sagrado da venda. Já detectaram apressadamente dois milagres para João Paulo Segundo, que vai ser tornado santo pouco em breve pelos poderes de Ratzinger. Aliás, ninguém mais comenta que este Papa, o Bento XVI, quando Cardeal, foi informado dos abusos sexuais contra crianças e não tomou providência alguma sobre isso. 

- Lá vai a corrupção e a negligência mundo afora. Diz, preocupado, o pai.

- Mas é claro meu pai! A Igreja Católica é a maior e mais antiga multinacional cultural no Brasil, desde que foi fundado. Fala-se muito da Coca Cola, mas a Igreja Católica é a multinacional mais bem sucedida da história brasileira! E não me venham com a velha ladainha que isso tudo faz parte das fraquezas humanas. É? Não é não! O humano também tem a possibilidade de transcender, de romper com vícios e mudar o rumo da história. Mas a Igreja, na verdade, pouco se interessou pela mudança desse rumo, já que esta mudança lhe era inconveniente. A Igreja, apesar de repetir a ladainha de que devemos nos apegar ao eterno e renunciar o histórico, tem a estranha tendência de se afinar aos poderes políticos históricos a fim de manter sua hegemonia a partir do campo do controle do espiritual.

- Olha pai, continua o filho, aquele comentário sobre os adesivos em automóveis sobre Deus ser fiel, aponta para um deus que opta pelo carro como solução para as pessoas transitarem, e não pelo transporte coletivo de qualidade. O carro individual é o inferno do trânsito atual. Polui, atrasa, ocupa a passagem dos pedestres e estraga os passeios. E Deus colabora com isso? A fidelidade de Deus está numa vida decente para todos e todas ou na conquista pessoal de um bem individual? A ética protestante impera. Pensava que Deus poderia ser encontrado em homens e mulheres simples, pessoas mais preocupadas em cultivar os dons humanos mais sublimes e valores como honestidade, solidariedade, respeito às diferenças, ética, moralidade, compaixão, entre outros. E essa visão se espraia e contamina todo o tecido social. Aqui na Bahia mesmo, importa mais para o Governo construir uma ponte bilionária entre Salvador e Itaparica do que aplicar os escassos recursos na melhoria de questões básicas como saúde, educação. Aqui na Bahia os resultados do IDEB foram pífios, refletindo uma educação fingida, estampada na propaganda do “agora tem tem tem...” E no Brasil serão previstos, como Lula sonhou, 30 bilhões para a concretização do “Trem Bala”. “Agora trem trem trem”. E para a educação, a saúde e a infraestrutura públicas, “não tem não tem não tem”, nem agora, nem no próximo governo. Simplesmente porque queremos estádio novo de futebol, doravante denominado “arena”, pela FIFA. Mas a verdadeira arena é o campo social, político e econômico onde se confrontam ideias gladiadoras de mundo. Ideias de uns mundos divididos em bárbaros e civilizados e uns mundos onde as divisões sejam superadas pela solidariedade criativa e trabalhosa dos seres humanos em busca de reconciliação consigo, com os outros e com a natureza.

- É meu filho. São apostas. E o que faremos nesse tempo em que vivemos? Podemos ser coerentes com esse discurso? Podemos atirar a primeira pedra? Nós, das gerações mais velhas, percebemos nossas contradições e isso nos paralisa. Percebemos nossa implicação nesse tecido cultural que nos enreda a todos. Ficamos com as pedras na mãos sem saber bem em quem atirar e se a devemos atirar. Talvez temamos nos tornar terroristas hipócritas, que acreditam em sua pureza contra a sujeira dos outros que não seguem cegamente nossos princípios, ideias e ideais. Às vezes penso se não devia atirar tais pedras contra mim mesmo.

- Hum. Mas meu pai, alguma coisa deve ser feita! Não somos santos, nem queremos, afinal, não somos Papa. Não podemos pensar mais como classe social? O capitalismo deixou de existir? Não seria ainda o capitalismo selvagem que coordena os podres poderes que nos colocam nessa situação? Agora o senhor me traz uma preocupação: por onde começar? Eu terminei de assistir “Cidades e Soluções”, e um dos entrevistados, um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendeu que o grande problema da desigualdade no mundo é a distribuição dos ativos. Mas não ativos materiais. Ele até dá um exemplo cômico de um país que fez uma revolução distributiva e deu uma vaca para cada habitante. Bem, comeram todas as vacas e este animal nunca mais foi visto por aquelas paragens. Bem, ele defendia que um dos principais ativos do mundo contemporâneo é a educação. E a educação é um ativo básico para a construção de uma sociedade baseada na cultura da igualdade, do desenvolvimento zero, da limitação do consumo, da qualidade de vida ao invés da quantidade de bens. Pai, eu quero ser educador. Acredito que o educador é o sacerdote do novo mundo. É por ele que vai passar o caminho de um admirado mundo novo. Um mundo admirado pelas suas belezas naturais, pela educação dos seus ocupantes, pela simbiose cuidadosa entre ambos, viajando pelos “mistérios do sem-fim” (Cecília Meireles) do universo nessa Mãe Gaia, de acordo com a vida pulsante que ela traz em sua fecundidade entranhada de mulheres e homens grávidos de mundo.

O pai, sentindo-se estranhamente tocado pela sensibilidade e pelo idealismo do garoto, o abraça como nunca antes havia feito e um poderoso sentimento de paz e amor lhe enchem de uma alegria também nunca tida antes. O admirado mundo novo começava ali mesmo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.    

domingo, 23 de outubro de 2011

Pai, Filho e Corrupção no Brasil

Um dia qualquer, numa manhã chuvosa, pai e filho estão em casa, em frente à televisão, sentado no sofá da sala. Durante o comercial, esse tempo indefinido onde ficamos sem saber o que fazer com a nossa vida, um diálogo entre pai e filho começa a preencher o longo vazio...

- Meu filho, o que você vai ser quando crescer?

- Ah, meu pai, isso eu sei...

- E o que é? Pergunta curioso o pai.

- Político. 

- Político? Pergunta o pai surpreso, pois essa é uma atuação humana que criança geralmente nem tem interesse.

- É pai. Pois como político, eu vou poder fazer o que quiser nesse país que não vou nunca pra cadeia.

 O pai, preocupado, retruca: - Mas meu filho, o que é isso?

- É pai. Não é errado cometer crimes quando se é político em nosso país. Aqui no Brasil isso é normal e a Lei está do nosso lado. Falava o filho já se sentindo um verdadeiro parlamentar. E continuou. Aqui todo mundo que tem prestígio político é sempre inocente. Aqui rouba-se merenda de criança, produtos higiênicos, donativos humanitários, verbas de emergência para socorrer famílias atingidas por calamidades. Aqui desvia-se dinheiro público destinado aos esportes, ao lazer, à educação, à formação profissional de crianças. Aqui também as obras se tornam ruínas antes de serem concluídas e o que seria destinado para irrigação de lavradores pobres produzirem com dignidade sua existência, é invadido pelos ricos e poderosos que constroem mansões imensas.

- Mas meu filho, o que é isso? E o que você aprendeu na catequese? Atônico o pai tenta, atabalhoadamente, demover o filho de sua argumentação, recorrendo ao campo do sagrado. Mas o garoto, refletindo as convicções da nova geração a partir de sua observação pertinente do mundo, continua. 

- Olha pai, eu descobri que a religião e a fé aqui em nosso país, assim como a maioria das coisas, entre elas a educação, é só figuração. O político não vai à igreja porque tem fé. Ele vai em tempos que antecedem eleições para angariar o máximo possível de votos dos fiéis. Ou ele aparece de vez em quando para tratar com os líderes dessas religiões para explicar algo que esteja em votação e que contraria os interesses dessas religiões, como foi o caso da lei do aborto. O senhor não se lembra que os políticos lá em Brasília, ao receberem a propina do esquema montado por Arruda deram-se as mãos e ainda rezaram agradecendo a Deus pela sagrada propina que o “pai” os concedeu? Os corruptos também têm o deus lá deles, que abençoa a corrupção bem sucedida. Na verdade, meu pai, eu tô descobrindo que cada grupo inventa um deus pra si. Eu vejo escrito em adesivos em alguns carros: “Deus é fiel”. Aí eu fico pensando. Deus é fiel por causa do carro? O carro é o símbolo do Deus Vivo que abençoa um ser humano dando-lhe como sinal um carro e prestações durante cinco anos para pagar? Por que a fidelidade de Deus está ligada a um bem simbólico de sucesso como um carro ou uma casa? Por que precisamos repetir repetidamente que Deus é fiel? Ou porque Deus seria fiel apenas para quem conquistou um bem material como um carro? E as outras pessoas que andam de ônibus? Deus não seria tão fiel assim para elas? Pense bem meu pai. Deus é só uma invenção particular e conveniente, principalmente para os políticos. Quer um exemplo: como a maioria dos habitantes desse país são cristãos, por causa do processo histórico de  colonização, dividindo-se em evangélicos e católicos, os políticos comportam-se de acordo com isso. Vão, comungam, oram, cantam músicas evangélicas, e até pregam. Mas se fôssemos um país onde imperasse o candomblé, eles, os políticos, estariam nos Terreiros, recebendo até as Entidades e os Orixás, trazendo nas mãos as oferendas à Iemanjá e os presentinhos de Exú para que o Orixá brincalhão e irreverente não atrapalhasse a sessão. Ô pai, político não se preocupa com Deus ou com outras Entidades Divinas. Ele se preocupa consigo, apenas. Sarney se preocupa com Sarney, Calheiros com Calheiros, Da Silva com Da Silva, Nascimento com Nascimento, o diabo com o diabo. Só Deus, o Deus verdadeiro, é que se preocupa com coisas como justiça, verdade, amor, solidariedade.  


- Hum. Graças a Deus, meu filho acredita em Deus. Exulta o pai. E continua. - Nunca havia pensando por esse ângulo. Responde o pai, pensando em como aquele filho de 15 anos era tão perspicaz. Seria a escola? Não. A escola parecia tão formal e destituída de vida. Ele aprendera nas interações com o mundo, apesar da escola, e com sua personalidade. A escola não trata de corrupção e do mundo atual. Trata de conteúdos que não se articulam ao mundo.

- Pai, deixe de ruminar e vamos ao que interessa, que é ser político no Brasil. Fosse para fazer justiça todos os ladrões, estelionatários e assassinos deveriam estar soltos. O Congresso Nacional é um presídio a céu aberto, com raras exceções, pois isso ainda sempre tem. Um presídio que funciona terça, quarta e quinta e, depois, solta seus inúmeros “inocentes até se provar o contrário” na sociedade. Os Ministérios então. Cada um é uma capitania hereditária, digo, partidária (vi isso em algum jornal). O PC do B - cheio de comunistas de araque, doidos pelos bens da burguesia - que sempre foi fiel ao PT, por exemplo, já levou, num esquema montado a partir de ONG's, o seu bocado de milhões, pagos regiamente pelos cidadãos de nossa “pátria mãe gentil” através dos impostos, incluindo o de Renda, senão irão presos, sem direito à fiança, é claro. Aliás, essa pátria é gentilíssima para os políticos que compõem a base do des-governo. Eu pensei que foi FHC que deixou uma “herança maldita” para Lula. Mas, a herança que Lula deixou para Dilma administrar, é mais que maldita. É um câncer maligno!!!

- Mas filho...
E essa conversa continua. A novela recomeçou depois do comercial.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A pano e vento


Devo fluir o meu sentir
para além-mar
o oceano, não por engano,
vai navegar.

As minhas velas
a todo pano
vão encontrar
o caminho que o céu aponta.

E o meu destino
assim tão belo já de partida
chegará num tempo áureo
que em meu tempo já se desponta.

O meu sentir vai conduzir
por entre enganos
o meu olhar além do plano.

Eu vou seguir por entre os danos
a percepção imediata
a seta que acerta o alvo,
a mira mais concentrada
para chegar ao impossível
no caminho oceânico
com pano, vento, ideia e mapa.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Deixo

Deixo. 
Deixo que o tempo avance para nós,
deixo que passe pra lá e pra cá
pendular o que nunca deixou de ser da mulher e do homem.

Deixo o silêncio, deixo registrar o momento sem nome,
o quanto nós fomos um para a outra.
E, depois, deixo o tempo seguir seu caminho,
pra ficar eternamente contigo,
só curtindo o tempo passar.

Deixo, não dá pra assegurar
seguro na esperança
de, nessa deixa,
você voltar.

Deixo pra lá as intrigas
deixo as brigas em paz.
Deixo o futuro chegar
deixo o passado passar.
Fico presente.

Deixo porque não quero deixar
de te ter
ter você
por inteira
te entreter,
me meter
em você
e deixar...
Deixo, pra ficar.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sábado, 15 de outubro de 2011

Gospel: produto para massas convertidas

O mundo atual cada vez mais de massa. Um mundo onde as pessoas vão tornando-se massas amorfas, envolvidas no frisson imitativo que descaracteriza a criatividade e nos imerge em uma superfície ausente de reflexão. “Erguei as mãos e dai glória a Deus...” E a multidão acompanha os gestos do cantor, padre, pastor, fiel, geralmente branco, que fica em cima de um palco esforçando-se para continuar mantendo a plateia envolvida. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de música geralmente é entoado pelos negros e negras, que, juntando o rhythm and blues ao gospel deram origem ao soul. Cantam do fundo da alma as dores e as superações de sua história naquele país. É uma verdadeira oração cantante e dançante. Eles e elas não imitam ninguém. Construíram o seu próprio estilo de cantar rezando e dançando. Mas no mundo gospel do Brasil, só de observar as imagens fugazes que são passadas nas propagandas dos discos e show’s dessa natureza, além dos sites visitados sobre esse fenômeno, eu fico preocupado com o conjunto do que a minha percepção capta.

Mulheres e homens, predominantemente brancos, cantam com uma suposta autoridade facial, principalmente no olhar e nos gestuais, como se fossem mais próximos de Deus que os que estão abaixo e fora do palco. O show é uma imitação dos show’s de pagode, sertanejo e axé music, pouco ou nada distinguindo-se, a não ser pelo estilo da música. Um cantor ou uma cantora, “Perto da cruz”, “Aos pés do Senhor”, “Nos braços do Protetor”, “Curvada pelo milagre”, “Prostrada diante do trono”, “Alheluya”, “Glória In Rio”. E alguns grupos têm os nomes mais curiosos: “Caçadores de Deus”, “Delirious”, “Diante do Trono”, “antidemon”, “Christafari”, “Day of Fire”, “Os arrebatados”, “Os nazarenos”, “Provérbio X”, “Ministério Trazendo a Arca”, “Rebanhão”, “Tribo do Funk”, “Denisdeith”, “SuperTones”, “Tempero do Mundo”, “Unção Ágape”, entre outros. 

Distinguem-se do demais grupos e cantores, entre outras coisas, através da linguagem, o qual denominam de “cantores seculares”. Os cantores do estilo gospel não mais se contentam com os estilos rítmicos, harmônicos e melódicos que lhes eram próprios. Vão da axé music, passando pelo reggae, sertanejo, pagode, funk, forró, samba, MPB, a música clássica enfim, talvez não haja ritmo onde o gospel não tenha penetrado. Este estilo deu um salto na última década e serve de abrigo, inclusive, para cantores e cantoras “seculares” em decadência que, prevendo seus últimos suspiros no “século”, convertem-se ao Senhor e reiniciam suas carreiras com um público, digamos, “mais fiel”, que tem quase a obrigação religiosa de adquirir alguns cd’s, até mesmo para ficarem bem na fita em termos de decoração do novo lar daquele que “renasceu em Cristo”. É preciso que a casa mostre a conversão. É preciso que o externo mostre o que, teoricamente, se passa no coração daquele “novo irmão”. Portanto, a Bíblia deve ser grande e adornada em tons de ouro, aberta no centro da sala, bem visível, e, ao mesmo tempo, deve haver um CD ou outro tocando ininterruptamente uma “canção de salvação”, além do "novo irmão" se tornar um saco para os demais familiares, com sua ladainha de salvação. O sujeito não se contenta em salvar ele mesmo. Fica tentando salvar os outros numa chateação sem fim. - Vá em paz pro seu céu e me deixe em paz no meu inferno que você assim designou para mim e para os que não ceguem, digo, seguem seus pastores e suas lições de salvação!!!

O interessante é a mudança mais que repentina, quase súbita, do vocabulário. Homem torna-se “varão”; mulher, ou “patroa”, torna-se “varoa”; a vida cotidiana torna-se “o mundo”; Os desejos tornam-se “tentações”; o corpo torna-se “a carne”; e o “espírito” torna-se, inexplicavelmente, “puro”. E então começa a longa e interminável batalha, interminável porque baseada numa falsa dialética, entre corpo e espírito (ou alma), entre “o mundo” lá fora e o nosso mundinho reto, puro, honesto e desprovidos de desejos, entre a história humana, secular, e a história de Deus, eterna. Só que esquecem ou fingem esquecer, que corpo e espírito é uma coisa só. A gente demonstra o que é. Não existe uma essência em contraposição a uma aparência. Nós aparentamos o que somos. E todo esse “admirável mundo novo” vai se erguendo em torno de líderes diversos, inclusive que lançam suas candidaturas para deputados, vereadores, senadores, presidentes, formando uma bancada nada desprezível no Congresso Nacional, muito embora eu não tenha ouvido de nenhum deles um grito ou ao menos uma palavra de indignação contra a corrupção que por lá galopeia sem rédeas. Deve ser porque isso também “estava previsto” no Apocalipse ou Revelação e não cabe combater o diabo por lá, afinal, o diabo no Congresso Nacional pode vetar muitas emendas desses representantes evangélicos.

E o fenômeno Gospel parece-me ir no mesmo caminho. Os antidemons preocupam-se mais com os demon’s da vida pessoal dos outros que os demon’s que estão institucionalizados no Congresso Nacional, nas Câmaras de Vereadores e nas Prefeituras. Eu nunca vi um movimento evangélico contra a corrupção das prefeituras locais! Nunca vi. O que sempre vejo são pregações rasteiras, que me parecem precisar mais do diabo do que de Deus como estratégia para arrebatar novos “irmãos” para suas fileiras, irmãos geralmente das classes sociais mais baixas, porque, como se sabe, “é mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.” Não é mesmo?

E vai se formando uma multidão de “consumidores” de produtos e serviços específicos, perdão: fiéis. E vai se formando uma demanda que precisa ser atendida por pastores, cantores e cantoras, vestuário, lazer, esportes, entre outros e outras. É preciso não se misturar ao mundo, mas também “ninguém é de ferro”. É preciso a criação de um mundo próprio. Um mundo em que a vaidade seja uma vaidade evangélica; onde o esporte seja um esporte de e para Cristo, em que a música secular dê espaço para outro estilo em que Deus, Cristo, “a salvação”, “o trono”, sejam os temas exclusivos daqueles que abandonaram o mundo e começaram “nova vida em Cristo”. Inclusive daqueles que abandonaram o mundo quando esse mundo do show bussines já tinha dado uma bonita banana para eles e elas. Adentram num novo mundo: o mundo das massas que consomem cristo e deus em forma de cd’s, de livros sacramentados dos pastores escribas e de ideais que se materializam em forma de diversos produtos e serviços. A propósito: quando criarão a cerveja de Cristo ou a Cristo'sBeer?

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Das Comunidades Eclesiais de Base para o Tráfico de Drogas: a transição da juventude brasileira

Quando eu era mais jovem minha subjetividade encontrou amparo para além da família. É que quando a gente é mais jovem fica um pouco mais solto que de costume e o mundo oferece muitas de suas caixas para que a mão insatisfeita, imprudente e apressada abra a caixa de pandora, de onde sonhos maravilhosos e pesadelos horrendos podem emergir. O mundo da juventude, povoado de sonhos e esperanças cheias de vigor, alimenta o mundo do viço fortalecedor das ações, das atitudes, dos valores, das utopias que impedem o mundo de sucumbir definitivamente na barbárie. Um dos meus amparos na juventude mais viçosa foi a Igreja Católica, através das comunidades eclesiais de base, que nos ensinavam valores e crenças para transformar o mundo da desesperança no mundo da esperança perene no ser humano renovado pela fé num Deus comprometido com os injustiçados, com os mais pobres, com os desesperados, com os mais humildes humanos que compartilham as datas da história.

Na Comunidade formávamos grupos jovens, orientados por freiras, padres e pessoas mais experientes da comunidade, onde construíamos nossas subjetividades compartilhadas por valores cristãos dirigidos por uma perspectiva teológica da libertação. Não rezávamos para Deus e contra o mundo. Rezávamos no mundo, pelo mundo e com Deus, que nos ensinou que o pão e a oração andam juntos, que fé e vida constituem o mesmo processo de existir em nome de princípios, valores, utopias de transformar as velhas estruturas desse mundo em estruturas a serviço da vida, da verdade e do amor. Isso fazia um efeito poderoso em nossa formação de jovens da periferia. Não era uma formação qualquer. Era um processo vivo de aprender fazendo algo que dava resultados benéficos e deixava pessoas que mais necessitavam bem mais felizes. Os mutirões provocavam esses efeitos. Vinham homens e mulheres e consertavam pingueiras, derrubavam e reerguiam paredes, trocavam telhados, consertavam camas, sanavam infiltrações e vazamentos. Depois tomávamos cerveja, suco, pinga e comíamos feijoada, bolinhos, pãezinhos feitos pela bondade de todos e todas. Olhávamos uns para os outros e descobríamos as potencialidades de cada um através das ações solidárias que empreendíamos. 

Foi um tempo tão bonito da minha vida! Não tínhamos tempo para as drogas nem para as lamentações. Pensávamos sempre a esperança e a utopia. Ninguém era menos entre nós. Cada um fazia a sua parte no todo e cada um era todo nas partes. A nossa totalidade orgânica traçava a rede onde cada um era tecido enquanto tecia, não propriamente a si mesmo, mas a todos em si mesmo e o si mesmo, inevitavelmente, era tecido em todos. Uma rede de gente pescando gentilezas, humanidades reconciliadas com o cosmos e com Deus no mar da história humana. Os encontros da juventude promovidos pela comunidade eram fundamentais para a celebração e partilha disso tudo. Vinham grupos da Capelinha, do Bom Juá, da Baixa do Cacau, da Fazenda Grande do Retiro, do Calafate, da Fonte do Capim, do Alto do Peru, da Jaqueira do Carneiro, da Boa Vista do São Caetano e da Sussunga. Nomes de lugares estranhos para quem pensa numa Salvador a partir da Geografia das elites soteropolitanas. Nomes de lugares que minha memória guarda com carinho precioso de um tempo inesquecível. Nesses encontros nos conhecíamos e, o melhor: nos reconhecíamos! E isso era o mais importante. Reconhecer aqueles e aquelas que veem traçando uma história diferente consigo e com os outros. A gente talvez sabia sem saber o quanto era importante agir diferente e viver outro rumo nesse mundo que está á espreita do tolo e do insensato. Esse mundo que vai devorando a nossa alma e nos transformando em consumidores também vorazes; esse mundo que retira nosso tempo de pensar e nos faz trabalhar cada vez mais, não mais em nome de algo aparentemente digno e valoroso, como o suposto progresso que a ideologia dominante nos afetava, mas em nome do consumo mesquinho que descaracteriza nossas identidades e nos uniformiza como “clientes”, seres que compram, engrenagens que fazem o novo deus mercado funcionar, “para o bem da economia”. 

E essa transição foi nos tomando e os ventos da nossa história peculiar foram tomando outros rumos. A Igreja Católica foi esquecendo os Encontros Episcopais de Puebla e Medellin e foi desarticulando as Comunidades Eclesiais de Base, as pastorais comprometidas com uma perspectiva cristã revolucionária, entre elas, a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), e foi nos impondo uma Pastoral da Juventude de orientação carismática, que só rezava, rezava, rezava, cantava, cantava, cantava, e nos afastava de Deus. Ficou o impasse: ou a juventude da periferia se adequava aos ditames de Dom Lucas Moreira Neves, de Ratzinger e do Papa João Paulo II, ou seria melhor que saíssemos. A segunda opção nos pareceu melhor. E a Igreja levou a comunidade consigo para o céu. De lá, a comunidade só pôde ficar observando a história sem mais poder formar subjetividades rebeldes, comprometidas com um novo mundo que Jesus Cristo propôs. Sem poder trazer o céu pro mundo, por orientações históricas dos poderosos da Igreja Católica que impediram as comunidades de participarem ativamente da história, tais comunidades perderam seu élan vital e sucumbiram. A juventude desapareceu, pois suas lideranças foram começando a serem indesejadas, pois suas palavras queimavam pensamentos arcaicos, gestados em segredo no alto comando da Igreja. Os jovens abandonados foram se tornando presas fáceis para os novos arautos das periferias: os traficantes. Quem sabe um pensamento articulado com os altos comandos da política brasileira? Quem sabe sarney’s e os “dons” (bispos e cardeais), não estejam estrategicamente nesse jogo de xadrez impedindo que os peões deem um xeque-mate definitivo nessa história mal contada de poderes podres que se articulam contra os filhos dessa mãe nada gentil?

Os lugares onde morávamos e moramos foram sendo tomados pelos traficantes. Não mais a comunidade andante procurando servir a quem precisa e atraindo jovens esperançosos para atuar nesse processo. Isso acabou. A Igreja deu uma contribuição inestimável para essa mudança trágica. As esquinas foram sendo ocupadas por jovens com armas na cintura, tomados por expressões de ameaça à vida dos moradores. Foram tornando-se feras a serviço de outros poderes, poderes desumanizantes, a serviço do consumo de drogas por jovens das classes médias e altas. Uma juventude servindo a outra e as duas a serviço dos grandes traficantes que foram tomando corpo no estado da Bahia. O Governo sonolento foi deixando tudo ocorrer sem combater a ameaça que se articulava contra a vida e a paz dos humildes. Deslocados do Rio e São Paulo os grandes traficantes montaram novas bases aqui e a violência começou a matar milhares de jovens todos os anos. As bases são outras agora e a Igreja Católica tem uma responsabilidade muito grande nisso. Assim como a rede da vida se estendia em ações solidárias e atraiam os jovens para sua luz, assim também a rede da morte se estende pelos confins de nossa cidade, de nosso estado e de nosso país, e mata milhares de jovens todos os anos, pois a última luz que eles e elas veem na vida, é a dos disparos impiedosos das armas, que assinam com sangue seu relatório funesto da participação da juventude em suas hostes. 

E o Bispo Primaz do Brasil jamais terá a capacidade de escrever um relatório contrário, pois sabe dos meandros do poder que silencia aqueles que têm coragem de pronunciar a tessitura da morte em função da ânsia de poder e controle que a Igreja exerce desde que foi assumida pelo estado Romano, pois sua poderosa mão também abriu a caixa de pandora, de onde a fumaça das drogas emergiu para o nosso mundo. A juventude abandonada precisa de espaços para reconstruir o seu destino vital de transformar esse mundo sujo, podre, doente, viciado em vitrines, cocaínas e crack. 

Joselito Manoel de Jesus, um jovem professor da UNEB e um jovem que saiu da comunidade por não mais crer naquele deus inventado pela igreja, que não se compromete com o ser humano na mudança das estruturas nocivas do nosso mundo.