sexta-feira, 25 de outubro de 2013

AS PESSOAS NA SALA DE JANTAR DO MUNDO CONTEMPORÂNEO



Estou passando por um momento de silêncio. Por isso estou refreando a escrita por uns momentos. Tudo está me parecendo borrado, mal explicado, confuso. Não ouço, nem enxergo direito tantas palavras, tantos sons, imagens, cores, sentidos. Não estou conseguindo pensar direito. Por isso custo a escrever, por esse motivo que comecei a escrever desse ponto de partida: o do nó desta percepção enferma. Eu nem posso dizer que não conseguindo pensar direito, pois tenho a sensação de que nunca consegui pensar assim. Mas agora estou achando meu pensamento “xifrin”. Nem um fio de meada se oferece à minha mesa. O que está acontecendo? Será que já escrevi tudo o que tinha a dizer, embora saiba que meu dizer diz muito pouco. Nunca mais tive uma conversa da qual pudesse retirar alguma coisa de interesse para mim. É nessa hora que me lembro de Josso e de Mia Couto. Provavelmente ela e ele, nessa contemporaneidade inapreensível dissessem alguma coisa que fizesse sentido. Lá se vão os ponteiros nesta tarde morna. Tem um sono convidando-me a calar completamente. Minha subjetividade, por não poder se apartar desta trama sem graça, cai em desuso, de igual modo sem graça. Mas, como diria Renato Russo...

É só hoje e isso passa
só me deixe aqui quieto
isso passa
amanhã é um outro dia.
Não é?
Eu nem sei porque
me sinto assim
vem de repente um anjo
triste perto de mim

Isso passa. É só hoje. É só hoje que tudo parece parado. Todo esse movimento, toda essa pressa, todas essas violências, todos esses gritos e sons ensurdecedores, estão escondendo o que é precioso. Hoje o mundo está tão depressa que não dá mais tempo da memória cultivar uma lembrança calma e profunda. O que está acontecendo, o que vai acontecer, o que já passou, tudo isso está ficando tão sem graça. Nada disso está ficando interessante. As mesmas piadas, os mesmos sonhos toscos e pequenos, a decepção diante da política, o mesmo ser humano pensando num futuro sem aquela utopia de provocar nossa saída do sofá, as mesmas novelas, as mesmas propagandas, o mesmo engarrafamento, as mesmas campanhas eleitorais, as mesmas impunidades, o mesmo cinismo e, sobretudo, as mesmas celebrações do ano passado.

Será que a minha juventude se esgotou completamente hoje? Tô sentindo que a engrenagem terminou de mastigar o meu miolo. E meu amigo aqui do lado terminou de dizer que vai dar um carro ao filho quando este passar no vestibular. Putz!. Acho que já ouvi isso tantas vezes. Acho que já pensei isso algumas vezes. Mas agora, o carro – que está parado a esta hora em algum engarrafamento – o vestibular – que está acabando – e o filho, que parece tão igual ao meu filho, porque deixou de ser singular e se tornou uma categoria brasileira universal de classe média, por causa do vestibular associado ao carro não fazem muito sentido pra mim a esta hora. O filho e sua felicidade, o carro e o vestibular, e a alegria do pai, da mãe ou de ambos, de ter essas coisas, para juntar ao seu esperado curriculum vitae parece-me tão tosco agora. Ah, memória !!! Que venha Gilberto Gil e Caetano Veloso...

Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
para matar o meu amor e matei
às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas da sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer

Mandei plantar folhas de sonhos no jardim do solar
as folhas sabem procurar pelo sol
e as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer


Ocupadas em nascer e morrer. Ocupadas, preocupadas em curtir o final de semana. Um final, oferecido todas as semanas, como capim para o gado e sua vida dessa coisa, como diria Zé Ramalho. Uma repetição, claro, necessária, mas sem graça, por seguir um receituário previsto, um ritual sem graça, sem gosto, insípido, que cria o mito da segunda-feira chata e sem graça. Mas chato e sem graça está ficando todo o percurso. A segunda-feira está ficando até interessante, como uma ruptura sem graça da desgraça do final de semana, final, prova final, nota, ansiedade de aluno (a), monografia, monotonia. Só Renato, e isso passa.

Quando tudo está perdido
Eu me sinto tão sozinho
Quando tudo está perdido
Não quero mais ser
Quem eu sou
Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado
Por pensar em mim

Obrigado por pensar por mim. 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.