O capitalismo é um sistema econômico que sobrevive do canibalismo. Nele,
um ser humano sobrevive de outros seres humanos, produzindo a desumanização, destruindo
a natureza e concentrando a riqueza, muito embora diga o contrário. A mais-valia,
tão bem identificada por Marx, é a expressão da negação da liberdade do
trabalhador, da exploração de suas forças para atividades criativas e de lazer,
e do consumo do seu tempo para a família e para outras atividades livres, nas
quais possa investir seu tempo da maneira que bem quiser.
Segundo Flávio Rocha (2018), empresário, CEO do grupo Guarapapes que
compreende, entre outras, a rede de lojas Riachuelo,
Os países que
enriquecem, que são prósperos, são aqueles de economia livre. É inquestionável
que existe relação entre as duas coisas: quanto mais livre o país, mais
próspero porque não existe outra forma de gerar riqueza se não do talento
individual que vem dentro de nós. Estado só destrói riqueza. O indivíduo que
cria. O talento individual não é a forma de gerar riqueza, é a única. (ROCHA,
2018, p.B2)
É bastante questionável esta associação estreita e paupérrima, feita pelo empresário, entre as duas coisas. Ele caminha no raciocínio baseado nos princípios liberais e neoliberais,
que, entre outras coisas, exige o estado mínimo e defende a iniciativa
individual como ele mesmo afirma, como a única forma de gerar a riqueza. Contudo, não admite um dado essencial: a geração de riqueza acontece mais pela
organização coletiva e sistemática dos seres humanos em seu conjunto, porque os
talentos individuais produzem muito mais juntos, num trabalho conjunto e coletivo, que sozinhos, pois, como canta Beto Guedes, “um mais um é sempre mais que
dois”. Outra coisa que Rocha não admite, é que essa riqueza gerada não é
distribuída com a igualdade dos esforços individuais dos/as trabalhadores no
trabalho conjunto de transformação da natureza. No Capitalismo a injustiça é
regulamentada por lei, como se fosse natural, e então ocorre o canibalismo, no
qual o empresário, como este senhor que cito acima, se alimenta das forças dos
“seus”/“suas” empregados/as, roubando-lhes tempo de vida, de lazer, de estudo e de ócio para viver sua verdadeira liberdade, tomada de assalto por um sistema
montado para que poucos seres humanos enriqueçam com a pobreza dos demais.
A liberdade à qual este “empresário” se refere é a de explorar o trabalho
alheio pagando míseros salários que mal sustentam, com a nutrição adequada,
seus/suas empregados/as. Outra omissão grave é a histórica. Ele se refere aos
“países que enriquecem” como se o enriquecimento dos Estados Unidos, da
Inglaterra, da França, da Alemanha e de alguns outros, fosse fruto da conquista
do trabalho engenhoso, criativo e árduo dos capitalistas que determinam essa
suposta riqueza. Pois eu digo de onde ela vem: vem da exploração dos continentes
africano, asiático e americano (da América do Sul) da produção de guerras e
milhões de mortes ao longo dos séculos de dominação numa barbárie talvez mais
perversa do que a dos antigos bárbaros. Vem da exploração do ouro e de riquezas
diversas desses continentes, com a utilização da mão de obra escrava dos seus
povos. Foi assim que a Europa Ocidental e os Estados Unidos enriqueceram.
O grande intelectual, Leandro
Konder, afirmava com propriedade que
O trabalho não é só
liberdade, desenvolvimento econômico e social. Ele também é, sobretudo numa sociedade
capitalista, exploração, sofrimento, impotência, castração, por causa da divisão
social do trabalho. (KONDER,
Desse modo, o/a
trabalhador/a, sempre uma subjetividade gestada em uma coletividade reunida por
desafios e interesses comuns, é reduzido/a a “indivíduo”, cujos talentos e
esforços são utilizados por um/a empresário/a, não para potencializar as forças
e melhorar a qualidade de vida desse “indivíduo”, mas como modo de produzir
riqueza para si, tratando este tal “indivíduo” como um mecanismo da grande
máquina de moer gente, que pode ser trocado quando estiver doente, quando
estiver velho, quando reduzir suas capacidades de gerar riqueza no ritmo
determinado por essa engrenagem sistêmica que devora seres humanos. O dono, ou
os donos, da Riachuelo estão cada vez mais ricos, mas seus funcionários
passageiros, peças descartáveis dessa maquinaria empresarial perversa, cada vez
mais explorados, lutando pela sobrevivência, enquanto suas vidas vão sendo
consumidas pela engrenagem que o estado sanciona e legitima.
A imagem possível que me vem à cabeça é a de poucos seres humanos se
alimentando das energias dos demais, numa espécie de vampirismo universal que
atinge todo o planeta. É assim que vejo a produção da riqueza sob as bases do
capitalismo: um vampirismo legitimado pelo Estado, que eles/as mesmos criticam.
Segundo o empresário
O Brasil está
em queda livre em matéria de competitividade. Isso é decorrente do engessamento
da economia. As economias prósperas são economias livres com pouca regulação e
com estados pequenos”. (ROCHA, 2018, p.B2)
Esses “Estados
pequenos” a que se refere o entrevistado do jornal A Tarde, não significa, como
afirma Azevedo(2004), “Estado fraco”. Apesar de dizer que o estado atrapalha,
na verdade, Rocha (2018) omite que o Estado é o regulador principal das relações
entre capital e trabalho, a favor do capital, e, em última instância, a
instituição fundamental que legitima o uso da violência contra a organização e
luta dos trabalhadores quando revoltados com a exploração desumanizante que
constitui o modo de produção do sistema capitalista, através de seu aparato
repressor: polícias e exército. Já que a produção e distribuição da riqueza é
uma injustiça, é preciso um Estado forte para legitimar o domínio dos
capitalistas, para proteger o patrimônio privado e para reprimir toda e
qualquer manifestação dos/as trabalhadores/as contra essa injustiça que é a
apropriação da riqueza produzida coletivamente nas mãos de poucos. É esse
“Estado Mínimo” que garante e oficializa o canibalismo capitalista nacional e
internacional na forma de decretos e leis, tais como a recente reforma
trabalhista imposta sobre o/a trabalhador/a brasileiro.
Outra importante
questão omitida para produzir um efeito ideológico a favor do capitalismo é a
de que o Brasil está em “queda livre” por conta da competitividade baixa do/a
sistema produtivo nacional. Para entender isso é preciso examinar a posição do
Brasil no comércio internacional, colocado como aquele que oferece
matéria-prima e alimentos neste âmbito de relações internacionais. O caso recente
das tarifas de importação de aço e alumínio, vendido para os Estados Unidos, feitas
por Trump, é exemplar. Vendemos um alumínio com pouco valor agregado a este
produto, ou seja: vendemos matéria-prima que, por sua vez, será transformada em
lâminas de alumínio que são revendidas aqui por um preço muito mais elevado. Ou
seja: nossa produtividade não está associada simplesmente a uma iniciativa
individual do/a trabalhador/a brasileiro/a ou de liberdade no mercado nacional para
o empresário fazer o que quer e o que lhe “dá na telha” em relação ao que
produzir, ao quanto produzir e ao como produzir, mas principalmente, a determinações
internacionais que definem os contornos principais das relações comerciais
internacionais entre os países.
Portanto, a
prosperidade de uns, a minoria do seres humanos, é consequência da exploração
de outros, a maioria dos seres humanos, não fruto do exercício individual das
potencialidades humanas tornadas ato. A produção é fruto de um trabalho
coletivo, e não individual, e a riqueza daí produzida, e apropriada por uns
poucos, não é resultado de uma competição justa, mas de uma injustiça social
legitimada por um estado mínimo para a população brasileira e máximo para a
defesa dos interesses dos capitalistas. O resto é falácia de burguês,
empresário vampiro e controlador do capital financeiro.
Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lucia, de Tantas
Gentes e de Jesus, O Emanuel.
Com o apoio de:
AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A
educação como política pública. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados,
2004
KONDER, Leandro. O que é
dialética. 1. reimpr. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1995.
ROCHA, FLÁVIO. A liberdade é o caminho para destravar a
economia. Salvador: 4/3/2018, A Tarde, p.B2). Entrevista concedida à repórter Ainá Soledá.
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