domingo, 4 de março de 2018

CAPITALISMO CANIBAL

O capitalismo é um sistema econômico que sobrevive do canibalismo. Nele, um ser humano sobrevive de outros seres humanos, produzindo a desumanização, destruindo a natureza e concentrando a riqueza, muito embora diga o contrário. A mais-valia, tão bem identificada por Marx, é a expressão da negação da liberdade do trabalhador, da exploração de suas forças para atividades criativas e de lazer, e do consumo do seu tempo para a família e para outras atividades livres, nas quais possa investir seu tempo da maneira que bem quiser.
Segundo Flávio Rocha (2018), empresário, CEO do grupo Guarapapes que compreende, entre outras, a rede de lojas Riachuelo,
Os países que enriquecem, que são prósperos, são aqueles de economia livre. É inquestionável que existe relação entre as duas coisas: quanto mais livre o país, mais próspero porque não existe outra forma de gerar riqueza se não do talento individual que vem dentro de nós. Estado só destrói riqueza. O indivíduo que cria. O talento individual não é a forma de gerar riqueza, é a única. (ROCHA, 2018, p.B2)
É bastante questionável esta associação estreita e paupérrima, feita pelo empresário, entre as duas coisas. Ele caminha no raciocínio baseado nos princípios liberais e neoliberais, que, entre outras coisas, exige o estado mínimo e defende a iniciativa individual como ele mesmo afirma, como a única forma de gerar a riqueza. Contudo, não admite um dado essencial: a geração de riqueza acontece mais pela organização coletiva e sistemática dos seres humanos em seu conjunto, porque os talentos individuais produzem muito mais juntos, num trabalho conjunto e coletivo, que sozinhos, pois, como canta Beto Guedes, “um mais um é sempre mais que dois”. Outra coisa que Rocha não admite, é que essa riqueza gerada não é distribuída com a igualdade dos esforços individuais dos/as trabalhadores no trabalho conjunto de transformação da natureza. No Capitalismo a injustiça é regulamentada por lei, como se fosse natural, e então ocorre o canibalismo, no qual o empresário, como este senhor que cito acima, se alimenta das forças dos “seus”/“suas” empregados/as, roubando-lhes tempo de vida, de lazer, de estudo e de ócio para viver sua verdadeira liberdade, tomada de assalto por um sistema montado para que poucos seres humanos enriqueçam com a pobreza dos demais.  
A liberdade à qual este “empresário” se refere é a de explorar o trabalho alheio pagando míseros salários que mal sustentam, com a nutrição adequada, seus/suas empregados/as. Outra omissão grave é a histórica. Ele se refere aos “países que enriquecem” como se o enriquecimento dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, da Alemanha e de alguns outros, fosse fruto da conquista do trabalho engenhoso, criativo e árduo dos capitalistas que determinam essa suposta riqueza. Pois eu digo de onde ela vem: vem da exploração dos continentes africano, asiático e americano (da América do Sul) da produção de guerras e milhões de mortes ao longo dos séculos de dominação numa barbárie talvez mais perversa do que a dos antigos bárbaros. Vem da exploração do ouro e de riquezas diversas desses continentes, com a utilização da mão de obra escrava dos seus povos. Foi assim que a Europa Ocidental e os Estados Unidos enriqueceram.

O grande intelectual, Leandro Konder, afirmava com propriedade que
O trabalho não é só liberdade, desenvolvimento econômico e social. Ele também é, sobretudo numa sociedade capitalista, exploração, sofrimento, impotência, castração, por causa da divisão social do trabalho. (KONDER,
Desse modo, o/a trabalhador/a, sempre uma subjetividade gestada em uma coletividade reunida por desafios e interesses comuns, é reduzido/a a “indivíduo”, cujos talentos e esforços são utilizados por um/a empresário/a, não para potencializar as forças e melhorar a qualidade de vida desse “indivíduo”, mas como modo de produzir riqueza para si, tratando este tal “indivíduo” como um mecanismo da grande máquina de moer gente, que pode ser trocado quando estiver doente, quando estiver velho, quando reduzir suas capacidades de gerar riqueza no ritmo determinado por essa engrenagem sistêmica que devora seres humanos. O dono, ou os donos, da Riachuelo estão cada vez mais ricos, mas seus funcionários passageiros, peças descartáveis dessa maquinaria empresarial perversa, cada vez mais explorados, lutando pela sobrevivência, enquanto suas vidas vão sendo consumidas pela engrenagem que o estado sanciona e legitima.
A imagem possível que me vem à cabeça é a de poucos seres humanos se alimentando das energias dos demais, numa espécie de vampirismo universal que atinge todo o planeta. É assim que vejo a produção da riqueza sob as bases do capitalismo: um vampirismo legitimado pelo Estado, que eles/as mesmos criticam. Segundo o empresário
O Brasil está em queda livre em matéria de competitividade. Isso é decorrente do engessamento da economia. As economias prósperas são economias livres com pouca regulação e com estados pequenos”. (ROCHA, 2018, p.B2)
Esses “Estados pequenos” a que se refere o entrevistado do jornal A Tarde, não significa, como afirma Azevedo(2004), “Estado fraco”. Apesar de dizer que o estado atrapalha, na verdade, Rocha (2018) omite que o Estado é o regulador principal das relações entre capital e trabalho, a favor do capital, e, em última instância, a instituição fundamental que legitima o uso da violência contra a organização e luta dos trabalhadores quando revoltados com a exploração desumanizante que constitui o modo de produção do sistema capitalista, através de seu aparato repressor: polícias e exército. Já que a produção e distribuição da riqueza é uma injustiça, é preciso um Estado forte para legitimar o domínio dos capitalistas, para proteger o patrimônio privado e para reprimir toda e qualquer manifestação dos/as trabalhadores/as contra essa injustiça que é a apropriação da riqueza produzida coletivamente nas mãos de poucos. É esse “Estado Mínimo” que garante e oficializa o canibalismo capitalista nacional e internacional na forma de decretos e leis, tais como a recente reforma trabalhista imposta sobre o/a trabalhador/a brasileiro.   
Outra importante questão omitida para produzir um efeito ideológico a favor do capitalismo é a de que o Brasil está em “queda livre” por conta da competitividade baixa do/a sistema produtivo nacional. Para entender isso é preciso examinar a posição do Brasil no comércio internacional, colocado como aquele que oferece matéria-prima e alimentos neste âmbito de relações internacionais. O caso recente das tarifas de importação de aço e alumínio, vendido para os Estados Unidos, feitas por Trump, é exemplar. Vendemos um alumínio com pouco valor agregado a este produto, ou seja: vendemos matéria-prima que, por sua vez, será transformada em lâminas de alumínio que são revendidas aqui por um preço muito mais elevado. Ou seja: nossa produtividade não está associada simplesmente a uma iniciativa individual do/a trabalhador/a brasileiro/a ou de liberdade no mercado nacional para o empresário fazer o que quer e o que lhe “dá na telha” em relação ao que produzir, ao quanto produzir e ao como produzir, mas principalmente, a determinações internacionais que definem os contornos principais das relações comerciais internacionais entre os países.  
Portanto, a prosperidade de uns, a minoria do seres humanos, é consequência da exploração de outros, a maioria dos seres humanos, não fruto do exercício individual das potencialidades humanas tornadas ato. A produção é fruto de um trabalho coletivo, e não individual, e a riqueza daí produzida, e apropriada por uns poucos, não é resultado de uma competição justa, mas de uma injustiça social legitimada por um estado mínimo para a população brasileira e máximo para a defesa dos interesses dos capitalistas. O resto é falácia de burguês, empresário vampiro e controlador do capital financeiro.   

Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lucia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
Com o apoio de:

AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A educação como política pública. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004
KONDER, Leandro. O que é dialética. 1. reimpr. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1995.
ROCHA, FLÁVIO. A liberdade é o caminho para destravar a economia. Salvador: 4/3/2018, A Tarde, p.B2). Entrevista concedida à repórter Ainá Soledá.

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