quarta-feira, 21 de julho de 2010

CAUSA DOS ASSASSINATOS: TRÁFICO DE DROGAS?

A maioria dos assassinatos de jovens entre 18 a 23 anos em Salvador e Região Metropolitana é atribuído pelas autoridades policiais ao tráfico de drogas, como se fosse uma causa já natural do processo social contemporâneo. Tal atribuição soa como uma explicação definitiva do fenômeno macabro e encerra o fim das investigações. Segundo o Jornal A Tarde da sexta-feira da semana passada, 16 de julho de 2010, somente 10% dos mais de 700 assassinatos na Bahia foram solucionados. A polícia baiana precisa admitir das duas uma: ou que é incapaz para garantir segurança pública razoável à sua população em função do contexto político, social e cultural baiano, ou que negligencia a violência quando esta atinge os jovens pobres das periferias do Estado, visto que a causa das mortes prematuras e violentas desses jovens tem causas mais amplas que o tráfico de drogas.
 
Ora, não é preciso ser sociólogo para perceber que o tráfico de drogas se apresenta como uma alternativa viável ao desemprego e à exclusão social que caracteriza a situação de uma parcela significativa dos jovens pobres baianos. A ausência de um governo atuante e eficiente, provido de um planejamento satisfatório, baseado em dados sociais concretos feitos em levantamentos estatísticos sérios, para assegurar a eficácia e a eficiência de políticas públicas voltadas à inclusão social desses jovens, com o apoio de uma legislação severa aos grandes traficantes, que nunca são acusados, muito menos presos, é a causa principal do assassinato em série dos jovens defuntos baianos. Ausência de escolas públicas de qualidade, de acesso ao sistema de saúde, de formação profissional voltada para a vocação local, como o turismo, entre outras iniciativas, quando conjugadas ao racismo, ou por causa dele, além do preconceito social contra os moradores de periferia, começam a matar antes mesmo das futuras balas que perfurarão o corpo de milhares de jovens baianos.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes do trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Os Melhores Poemas de João Cabral de Melo Neto / seleção de Antonio Carlos Secchin. São Paulo: Global, 1985.

As mortes que se morrem antes do trinta, como sintoma de uma sociedade e de um poder público que se alimentam delas.

Quem mata tantos jovens pobres e negros é o racismo que grassa no corpo social baiano!; Quem mata tantos jovens pobres é a negligência criminosa do poder público, entendido como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário; Quem mata tantos jovens é a falta de futuro que, segundo o saudoso cantor filósofo e sociólogo Renato Russo, “não é mais como era antigamente.”; O que mata tantos jovens da periferia e das periferias do centro é a banalização da morte alheia, como se cada mãe, por estar supostamente preparada para a perda prematura do filho, classificado socialmente como pivete ou marginal, não sentisse a dor da perda de seu amado rebento, sangue do seu sangue que escorre inutilmente pelas ruas; O que mata tantos jovens é a impunidade que caracteriza os crimes.

Algum tempo atrás, ao levar meu filho em casa e sair de uma rua na periferia de Salvador, que possui uma transversal que vende drogas faz muito tempo, fui obrigado a parar o carro sob a mira de um revólver. Revistaram-me e ao carro em busca, inutilmente, de drogas. Expliquei-lhes que sempre passo próximo àquela transversal pois quase todo domingo à noite tenho de deixar meu filho na casa da mãe. Mesmo arriscando levar uns tabefes, perguntei-lhes porque eles não iam à fonte do tráfico e não o combatiam no local, já que muita gente está cansada de saber onde vende e quem são os traficantes visíveis? Elaborei esta pergunta em função de uma desconfiança: eles estavam abordando-me, não para combater o tráfico de drogas, mas para, caso eu fosse um viciado, extorquir dinheiro através de ameaças. Claro, não deve ser verdade esse absurdo, foi apenas uma hipótese surreal.

A responsabilidade do assassinato de tantos jovens, portanto, não está no tráfico de drogas. Este se apresenta como uma oportunidade de emprego, com boa remuneração para quem é analfabeto funcional, com clientes de bom poder aquisitivo, que pagam a vista e são fiéis ao produto. Evidentemente que o problema está no processo de demissão. Mas isto não é problema do/para o Estado, nem da/para a sociedade. Segundo o Estado liberal baiano, é uma relação livre entre patrão e empregado, resolvida sem a necessidade de mediação do poder público, pois a solução trabalhista, nesse caso, é resolvida nas repartições fúnebres, sem burocracia.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.