sábado, 9 de julho de 2016

A COMPETÊNCIA PRIVADA DO EMPRESARIADO SERÁ ASSIM TÃO COMPETENTE MESMO?

No jornal A Tarde de hoje o Editorial da página A3 intitulado "Olhar para o passado", apresenta a seguinte informação: "Cerca de 40% das maiores empresas brasileiras listadas na Bolsa de Valores de São Paulo estão muito endividadas, e mais da metade delas em estado 'crítico', com dificuldade de pagar dívidas que somam R$ 420 bilhões. Mesmo levando-se em conta a relativa alta carga tributária que temos - lembrando que proporcionalmente quem mais paga são os mais pobres - a informação acima remete à velha cantilena dos privatistas sobre a alegada incompetência do estado diante da eficiência da iniciativa privada. Assim, penso que os empresários paulistas não são tão eficientes quanto eles propagandeiam, nem a privatização é a saída para a melhoria da qualidade dos serviços públicos oferecidos pelo estado.

Ao produzir uma dívida de 420 bilhões de reais, 40% das maiores, repito, das maiores, empresas desse país, listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, não devem ser assim tão competentes quanto afirmam. Que moral esses empresários têm para falar das dívidas do estado? Quando a dívida refere-se ao estado esses mesmos empresários de plantão, de modo arrogante e paulista, acusam o estado de sua incompetência e ineficiência, apontando para a privatização como única saída para a "salvação da nação tupiniquim".

Diferentes sentidos são produzidos por práticas discursivas que remetem ao estado como "pesado", "ineficiente" e "improdutivo", configurando um conjunto ideológico que pode levar milhares de pessoas a acreditar na balela de que os empresários são indivíduos e grupos que, apesar desse estado burocrático e tributador, trabalham com seriedade para produzir, sacrificando seu tempo para a família e os/as amigos/as a fim de aumentar a oferta de emprego e promover o bem-estar geral. É MENTIRA!!! O que identifico é um monte de sanguessugas do estado, que vive reclamando e pedindo benesses, que remete seus lucros para outras plagas e culpam o estado pela ineficiência que é do setor privado.

Ressalto aqui que me refiro aos “grandes” empresários/as. Há, de fato, pequenos empresários que seguram o setor produtivo, gerando emprego, renda e desenvolvimento. A maioria desses, acredito eu, estão de fora da minha crítica, requerendo reconhecimento pelo trabalho e dedicação.

Travamos a luta pela publicização do privado, cada vez mais ampla, enfrentando o processo político-econômico contrário: a privatização do público, conforme nos ensina Norberto Bobbio (1992). Um exemplo aqui na cidade soteropolitana da Bahia foi a aprovação da Lei do Uso e Ordenamento da Ocupação do Solo de Salvador, a LOUOS. Nesta, há uma luta permanente tanto pela privatização do público, quanto pela publicização do privado. Na aprovação do Plano Diretor para a cidade – a Lei 9069/2016, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) – o que eu ouvia e lia muito era o discurso de que a cidade precisava aprovar o seu marco regulatório legal para destravar o investimento. Ora, “destravar o investimento” significa concretamente abrir o caminho para a exploração da cidade pelo capital imobiliário. Os/As pedreiros/as, carpinteiros/as, serventes, ladrilheiros/as, pintores/as, eletricistas, entre outros/as, preparem-se para enriquecer com o seu trabalho. Veremos o espetáculo do crescimento da altura dos novos edifícios à borda da Orla Marítima de Salvador. A competência do setor privado passa pelo tráfico de influência nos gabinetes de decisão do estado, das câmaras de vereadores, assembleias legislativas e pelo Congresso Nacional.

Joselito M. de Jesus, professor do estado. Com o auxílio explícito de:

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. Para uma teoria geral da política. 4. ed. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e T
erra, 1992.

sábado, 2 de julho de 2016

FORÇAS OCULTAS

Os estudiosos do espaço sideral descobriram que a gravidade não explica o aumento da velocidade em que o universo continua se expandindo. Então eles criaram uma outra força para explicar essa expansão crescente: a "massa escura". Isso é teoria: cria conceitos articulados sistematicamente que procuram dar uma explicação convincente para os fenômenos visíveis e não compreendidos pela percepção imediata.

Na sociologia também nos deparamos com fenômenos que escapam à nossa percepção e ao nosso entendimento imediato. A maioria de nós, que lemos muito pouco ou quase nada, não consegue compreender as linhas de força que determinam o nosso modo coletivo de conviver em sociedade. Alguns pensam como um caos. Mas não é um caos. É um sistema articulado que gera muitos epifenômenos que parecem produzidos pelo acaso, mas não são. Alguns e algumas afirmam que o ponto de fuga dos epifenômenos é associado ao conceito de capitalismo. E muitos, de fato, o são. A exploração dos seres humanos tendo como critério principal a busca do lucro gera a pobreza em sua maioria e a riqueza, em sua minoria quantitativa. A realidade global não deixou de ser capitalista.

Mas no Brasil, apenas o capitalismo não explica a concentração de renda brutal e outros fenômenos sociológicos a ela associados. Assim, alguns sociólogos brasileiros, entre eles Bernardo Sörj, José de Souza Martins e Josué de Castro, perceberam o que está na raiz do preconceito, da discriminação e da intolerância no Brasil. O primeiro identifica o patrimonialismo no Brasil como uma dessas manifestações amplas que influenciam o nosso modo de buscar o lucro: retirando dinheiro do estado, tratando os trabalhadores como escravos e criando uma realidade de favelas – senzalas modernas – e de apartheid’s gerais que se desdobram no tráfico de drogas, nos inumeráveis roubos, furtos, assaltos, assassinatos e crimes diversos. José de Souza Martins percebe a força de uma modernidade às avessas no Brasil, que associou o arcaico com o avançado, no sentido mais negativo possível para as populações pobres de nosso país.

Essas forças invisíveis, dê o nome que se dê a elas, produzem efeitos nefastos que se percebem na corrupção desenfreada, nos buracos nas estradas, na morte prematura de milhares de pessoas que se despedem da vida na saúde pública abandonada, nos semianalfabetos que chegam à universidade, nos desempregados que entopem as vias de carros e camelôs. Os prédios erguidos na Avenida Paralela, destruindo o que resta da mata atlântica, antes de terem uma base sólida na engenharia civil, têm seus fundamentos no tráfico de influência na prefeitura de Salvador, neste caso no governo João Henrique (por favor, me processe maluquinho!). Aqueles prédios que “floresceram” na famosa avenida foram projetados e adubados pela corrupção engendrada em nossa sociedade patrimonialista. Suas janelas de vidro são limpas com a força de trabalho das diaristas negras que moram no subúrbio e nas periferias centrais, concedidas pelo esquema geral da exploração preconceituosa da mais-valia da população negra.

O capitalismo aproveita dessas culturas locais de exploração e discriminação, tais como o patrimonialismo, e aprofunda sua presença global nas sociedades locais, produzindo efeitos visíveis que servem de elementos interpretativos para a geração de uma consciência coletiva submersa na aceitação passiva da exploração brutal.
A extensa disseminação da peonagem, a escravidão por dívida, nas novas fazendas da fronteira, abertas com a onda de ocupação da Amazônia nas últimas décadas, mas não só nelas, nos fala de uma dificuldade estrutural na expansão do modo capitalista de reprodução do capital. E, portanto, naquilo que é o âmago do moderno. Aí as coisas combinam de modo estranho. [...] As fazendas em que tem sido encontrado maior número de trabalhadores escravizados pertencem justamente a grandes conglomerados econômicos, não raro multinacionais. Na Fazenda Vale do Rio Cristalino, quando ainda pertencia ao grupo alemão Wolkswagen, uma fazenda de criação de gado de corte para exportação à Alemanha, a tecnologia empregada era da maior sofisticação. [...] Porém, todas essas notáveis expressões da modernidade funcionavam com base no trabalho de 500 escravos empregados no desmatamento e na formação de pastagens. (MARTINS, 2010, p. 30-31)
Pois é: a tecnologia mais avançada não abre mão da escravidão no Brasil. Podem dividir o Brasil em dois lados: norte-nordeste e sul-sudeste; podem ainda dividi-lo em inúmeras ilhas, mas as forças que geram os maléficos fenômenos sociais que vivemos atualmente continuarão firmes, produzindo “brasis” dentro das ilhas nas quais seriam divididos os mais de 8 milhões de metros quadrados de nosso território. Nas ilhas teríamos novos senhores, novos feitores, novos capitães-do-mato. Nas ilhas teríamos oceanos de pobreza em meio a atóis de riqueza. Nas ilhas teríamos novos brancos, novos negros e novos indígenas, por que a energia sistemática que impulsiona as divisões não cessaria de exercer sua ação. Essas ilhas já existem: são as prefeituras. As cidades são pobres, tais como São Francisco do Conde, Camaçari, etc. E seus prefeitos e suas prefeitas são ricos/as. Toda cidadezinha baiana e brasileira tem seus brancos – não necessariamente brancos – os seus negros e indígenas, os seus pouquíssimos ricos e sua multidão de pobres. Os brancos têm nome. São da família ou quadrilha, seja lá o nome que se dê, tal e tal. Que se opõe, de fingimento ou de verdade, à família/quadrilha tal e tal, que assaltam a cidade e oferecem as migalhas para seus pobres ditos “cidadãos”. Vivemos uma sociabilidade falida, mas que ainda aduba fortemente a nossa mentalidade tupiniquim.

Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com o auxílio de

MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo: Contexto, 2010.

SÖRJ, Bernardo. A democracia inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.