terça-feira, 11 de junho de 2019

MINHA ESCRAVA PARTICULAR E O REINO DE ALGUNS

A pouco me dei conta de estar a contemplar os tênis e as meias de corrida que lavei. Na verdade não contemplava os tênis e as meias, mas o resultado do meu trabalho. Parece coisa de besta, eu ali, olhando algo aparentemente banal. Mas não é! Transformei sujeira e fedor em limpeza e cheiro bom. Coisa simples, e, profunda. As lavadeiras de roupa também são assim: transformam a sujeira e o mau cheiro das roupas em limpeza, cheiro bom, organização. Quantas pessoas passam por nós cheirando, roupas impecavelmente limpas, atraindo nossa atenção, mesmo que fugaz. Há alguém que lavou, que passou, que organizou no guarda-roupa. Esse alguém, que a gente muitas vezes invisibiliza, é uma lavadeira de roupas, que está na base da limpeza vestida que cruza nosso caminho.
Os garis, as lavadeiras de roupa, as varredeiras de ruas, todas essas pessoas são agentes de limpeza e sem elas a sociedade desmoronaria. O filme Ensaio sobre a Cegueira, adaptado do livro de Saramago de mesmo título, mostra que se perdêssemos a visão coletivamente a sujeira tomaria conta das ruas, das residências, de todos os espaços enfim. Se perdêssemos nossos garis, nossas empregadas domésticas e nossas lavadeiras teríamos que aprender a limpar nossa sujeira, e isso mudaria toda uma cultura escravagista que está na base da negação e invisibilização de pessoas que fazem esse trabalho. Assisto filmes europeus e americanos e percebo que, ao final de um jantar, quando todos e todas já foram, as pessoas que residem na casa é que vão para cozinha lavar os pratos, depois de terem limpado a mesa e varrido a casa. Aqui percebo que a sujeira fica acumulada, não por preguiça, mas por uma cultura Lady Kate: do "tô pagando" e se "tô pagando", deixa a sujeira para a nossa "escrava particular" limpar no dia seguinte, sob minha atenta e atentada supervisão. O problema de uma sociedade capitalista, racista e hedonista é que essas pessoas são invisíveis, tidas como inferiores na hierarquia de valores que a sociedade tece todos os dias, reproduzindo um status quo falido de um escravagismo muito presente nas corriqueiras atitudes que nos definem.
Percebo que muita gente quer o tal Reino de Deus. Mas esse desejo me parece contaminado pelo egoísmo e pelo racismo. Um reino só pra mim e no máximo minha família nuclear, idealizadamente branca e cristã. Desse modo, jamais alcançaremos esse Reino Universal, ou, atualizando, essa comunidade solidária de mulheres e homens, sem modificarmos nossos valores que se dizem cristãos, mas que são baseados no darwinismo social excludente aliado ao escravagismo cotidiano dos nosso lares, que tem como resultado a pobreza, a exclusão e a morte prematura dos que são considerados inferiores na hierarquia do reino do cão. É bom lembrar que Jesus Cristo não era cristão. Ele foi apropriado por uma instituição denominada Igreja Católica, que limitou a ação de Deus, Deus universal, num cristo particular, que se tornou símbolo poderoso a serviço dos interesses dessa instituição de poder autoritário e, como todo símbolo, deslocou-se agora a servir às igrejas neopentecostais de pastores de mau caráter como Edir Macedo, Silas Malafaia, R. R. Soares e Valdemiro Santiago. Quem tornou Jesus particular, aprisionando-o nos estreitos limites de uma instituição humana, que se intitulava "a religião verdadeira" em detrimento das outras formas de manifestação religiosa, afastando-o e afastando-as de Deus, não foi Jesus, foi a Igreja Católica.
Sou professor e, sem o trabalho das pessoas que limpam o espaço no qual trabalho, não há possibilidade da aula acontecer. Sou lavadeira, sou gari, sou varredeira e sou assim. Eu acredito no Reino no qual eu também sou gari, lavadeira, varredeira, empregada doméstica. Com eles e com elas eu limpo a minha própria alma, cheia de sujeira acumulada por essa história maldita que insiste em ser recontada, dentro do meu próprio lar.
Joselito Manoel de Jesus, Filho da Nair, que já lavou muita roupa para que eu chegasse até aqui.

sábado, 8 de junho de 2019

RUI COSTA DO PT DA BAHIA: O BOLSONARO DO NOSSO ESTADO

A Greve dos/as professores/as das Universidades Estaduais Baianas teve como êxito o desmascaramento da posição política do governador da Bahia, Rui Costa, e de seu partido, o que se diz "dos trabalhadores". A máscara de governante de um partido democrático caiu, mostrando a verdadeira face autoritária deste governo que, por isso mesmo, foi comparado ao déspota do Bolsonaro. Nem Rui Costa é um democrata, nem o PT é um partido de esquerda. Isso ficou claro para nós, professoras e professores das universidades públicas estaduais, que tivemos nossos salários cortados e vemos nossas instituições de ensino superior públicas, que atende milhares de jovens pobres do interior da Bahia e de suas periferias, serem desmanteladas por este governo e seu partido.
O PT deixou de ser, faz tempo, um partido de esquerda. Ele embarcou na onda neoliberalizante que corta conquistas dos trabalhadores, que asfixia as universidades públicas estaduais, que abandona bibliotecas públicas ao deus-dará, que corta salários de grevistas, que faz conchavos com deus e o diabo para continuar no domínio do Estado. Nenhum deputado ou senador - com exceção de Hilton Coelho e de Marcos Mendes - veio a nosso favor para mediar um diálogo com o autoritário governa a dor, Rui Costa. A "negona da Bahia", deputada estadual Olívia Santana, mostrou que só é "negona de Salvador", pois esqueceu dos negros e das negras da Bahia que frequentam as universidades estaduais na condição de estudantes e na de professores/as. Vocês deputados, não podem esquecer de um detalhe: o da diversidade. Antes de sermos estudantes e professores/as somos negros/as, somos mulheres, somos ciganos, somos indígenas, somos homossexuais, somos Uneb. Só nos recusaremos a ser votos e palmas de discursos fáceis que desejam se manter nos privilégios dos cargos de deputados e deputadas, com seus ternos e seus tailleur's. Acreditar que o PT é um partido de esquerda é se deixar enganar por uma esperança que venceu o medo, quando o medo ameaça todas as esperanças conquistadas pelos trabalhadores e pelas classes populares. Medo e insegurança que Rui Costa fez questão de ampliar entre nós, inclusive em relação à nossa aposentadoria.
Rui Costa, seu governador, adota uma postura autoritária contra o legítimo direito de greve dos trabalhadores, base na qual seu líder maior, Lula, foi proclamado como grande líder brasileiro. Rui opta por uma gestão dirigida por princípios neoliberais que atingem em cheio os trabalhadores do Estado, enquanto silencia em relação aos gastos da instituição mais improdutiva e mais cheia de privilégios e regalias do Estado: a Assembleia Legislativa, que agora vai pagar quase R$1,2 milhão pelo aluguel de aparelhos de ar condicionado para equipara a casa. "aluguel", é bom frisar. Sua concepção política não contempla o contraditório como elemento essencial para a manutenção e o fortalecimento da democracia. A transparência é outro item que inexiste neste governo da "Correria".
Sairemos da greve por inanição causada pelo corte de nossos salários, Rui Costa. Mas sairemos com a indignação a nos lembrar quem você se mostrou nesse processo: um autoritário, um governante déspota, que recusa o diálogo e a negociação com as nossas representações sindicais reunidas no FAD (Fórum das Associações Sindicais Docentes das Universidades Estaduais Baianas) e, além de cortar nossos direitos, ferindo nosso Estatuto do Magistério, nos negou o diálogo, nada nos apresentando como proposta, oferendo uma mesa de negociação sem direito a absolutamente nada!
Mas não nos renderemos Rui Costa! Manteremos nossa vigilância na dignidade daqueles e daquelas que contribuem para a educação pública e gratuita, que você ameaça acabar, neste Estado baiano de coisas. Dizem que você pode ser o candidato a presidente deste país. Deus livre os outros Estados desta Federação de ter uma continuidade de Bolsonaro a nos desgovernar. Eles e elas vão aprender o que acontece com uma democracia conveniente, sustentada por princípios neoliberais, que você e seu partido de centro direita imprimem à dinâmica da gestão do Estado.
Deus nos livre de você Rui Costa! "Nunca antes na história" deste estado, a lembrar de como Wagner tratou os professores e as professoras da Rede Estadual de Ensino Público, os servidores públicos e as servidoras públicas foram tratados assim com tanto desdém. Meus sinceros votos nas próximas eleições serão destinadas à esquerda, não a um partido falido que atropela servidores/as públicos/as tratando-os como inimigos e criminosos. Corte seu helicóptero e os privilégios da Assembleia Legislativa que vai sobrar muito dinheiro para fazer sua ponte de aço e cimento, por onde transitará, sobre as águas da Bahia de Todos os Santos, o progresso excludente do capitalismo que multiplica seus ganhos enquanto nós, trabalhadores que produzem a verdadeira riqueza deste Estado e deste país, somos atirados ao mar para nos afogarmos em suas miragens ambiciosas. Você venceu! Demonstrou como se trata trabalhadores/as em greve, enquanto seu partido ficou calado, observando nossa luta, esquecido do São Bernardo do Campo de onde ele saiu.

Atenciosamente, Joselito Manoel de Jesus, Professor da Universidade do Estado da Bahia, Uneb