quarta-feira, 18 de abril de 2012

ONDE VIVEM OS NOSSOS MONSTROS


A 2ª Guerra Mundial teve como consequência o extermínio de mais de três milhões de judeus. Hitler e a sociedade alemã da época acreditavam piamente que os judeus, negros, portadores de deficiências e homossexuais eram inferiores, uma "peste" a ser extinta da humanidade até restar somente a “raça pura”. Quando assistimos aos filmes que tratam dos horrores cometidos pelos ditos cidadãos civilizados da Alemanha, sentimos ojeriza diante de tanta crueldade e insensatez para com a vida do outro, do que foi escolhido como diferente e construído como inferior e indesejável. “O Menino do Pijama Listrado”, “A Lista de Schindler”, entre tantos filmes já feitos sobre esse drama humano, retratam essa realidade dantesca e assustadora, diante dos monstros que residem em nosso âmago.

Eu até já assisti um filme sobre isso. Era um filme de ficção. Mais ou menos assim: Uma nave pousa num planeta superdesenvolvido, que havia sido povoado por seres muito mais inteligentes que nós, os humanos. Nesse planeta, um cientista e sua filha (humanos cuja nave quebrou) são assistidos pelo pessoal que vai resgatá-los. O pai da moça demonstra ter uma inteligência incomum, bem acima da média da inteligência mais avançada da terra. Os tripulantes da nave de resgate notam que as construções desse planeta são muito mais avançadas. Nesse planeta há prédios de 700 andares, por exemplo. No decorrer da estadia a moça apaixona-se pelo capitão da nave de resgate e um romance se instaura entre eles, mas começa a surgir um monstro de energia, mais ou menos invisível, que começa a matar os tripulantes. Nenhuma arma, por mais avançada que seja, consegue deter o monstro, que some de repente, para reaparecer em outra oportunidade noturna.

Aos poucos, os tripulantes vão sendo mortos pelo monstro, que vai avançando inexoravelmente em direção ao capitão e à moça. Restam poucos, quando um dos tripulantes descobre uma máquina que aumenta repentina e sobremaneira a capacidade intelectual do ser humano. Esse tripulante “não aguenta a pressão” desenvolvida no processo e morre, não sem antes avisar ao capitão e aos demais colegas sobre a consequência desastrosa daquele aumento surpreendente que a máquina provocava no desenvolvimento das capacidades intelectuais superiores do ser humano: o monstro do inconsciente. Então eles concluem que foram os monstros gerados pelo inconsciente dos habitantes daquele planeta que pôs fim à sua civilização, já que o que os intrigava era a falta de indícios outros que provocaram o desaparecimento repentino de uma civilização tão inteligente. Sendo tão inteligentes, porque não se prepararam para a possível ameaça de aniquilação total?

Logo, eles chegam à conclusão de que o monstro que os está eliminando é um desses monstros gerados pelo inconsciente de algum deles. E depressa descobrem que é o cientista, pai da moça o autor inconsciente do monstro. No fundo de sua alma ele não aceitava a relação amorosa da filha com o capitão da nave, embora no plano consciente não fizesse objeções. E essa não aceitação inconsciente vinha à tona em forma de monstro. Eles, juntos com o cientista, entraram num cubículo de proteção, como um bunker. Embora a porta de aço fosse muito reforçada, o monstro do doutor foi rompendo-a e penetrou na pequena fortaleza. O cientista, para não ver a filha morta, atira-se na frente do monstro e morre com ele, pondo um fim à ameaça.

Talvez o holocausto seja ainda mais dantesco e assustador porque, embora historicamente se refira ao nazismo e à sua ideologia, aponta para os monstros que engendramos em nós mesmos, e que vivem dentro de nós, como potência e como ato. Em outro texto falei de lobisomens, e frankestein’s e esses temas me perseguem, exigindo pronúncia, embora nunca fiquem satisfeitos com o jeito como eu me pronuncio e com o conteúdo que eu aprecio no plano consciente. Esses monstros criam guerras permanentes entre nós. No campo educacional, por exemplo, os professores da educação fundamental lutam contra os professores do ensino médio; os professores da educação básica guerream contra os professores da educação universitária; os professores das escolas públicas contra os professores das escolas particulares; os professores de uma mesma unidade de ensino lutam entre si, e os professores e professoras contra os funcionários, uns acusando os outros pelos monstros que uns percebem nos outros, mas nunca em si mesmos.

Talvez se olhássemos no espelho, além da imagem que vemos todos os dias, veríamos também, no fundo das imagens que nos compõem, passando sorrateiramente e zombeteiramente entre elas, o monstro, a deformação de nosso ser, perambulando e manipulando as máscaras que usamos para aceitar o mundo, as pessoas, as escolhas, as maneiras de ser e de viver dos outros. Temos todos os nossos monstros e muitas vezes deixamos eles escaparem sem ao menos tentar um diálogo com os mesmos. E, quando eles escapam, geralmente alguém é ferido ou morre. Crianças, homossexuais, nordestinos, curdos, judeus, mulheres, nortistas, negros, árabes, israelenses, islâmicos, feios, pobres, baixinhos, gordos, carecas, cabeludos, sertanejos, cristãos, favelados, mexicanos, latinos, indígenas, sem-terra, encarcerados, entre tantas outras vítimas dos nossos monstros. A única forma de nos proteger desses seres homicidas, dessas nossas feras que vêm à nossa superfície exigir sua cobrança diante do nosso processo civilizatório, é dialogar com esses monstros, porque não se pode destruí-los. É apaziguá-los, criar o espaço propício para que eles manifestem a sua ira, e possam uivar, mugir, berrar, relinchar, sibilar, rugir, roncar e, entre outros, bramir, sem ferir os indefesos. Vigie e ore. Tantos pelos seus monstros, quando pelos monstros dos outros. Quando a "bela" conversa com a "fera", pode ser que haja um grande encontro de sensibilidade entre eles e, quem sabe, podemos descobrir “onde vivem os monstros”, conforme propõe Maurice Sendak, para poder compreender de onde vem a nossa raiva e, sem a pretensão de eliminá-la, apaziguá-la, e poder conviver sem provocar sofrimentos e mortes por causa de nossa arrogância ególatra. Ainda bem que não somos muito inteligentes.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes, dos seus monstros e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 10 de abril de 2012

EU QUERO UM OVO DE CODORNA PRA COMER

Ovo de Codorna
Eu quero um ovo de codorna pra comer
O meu problema ele tem que resolver

O nome de Luíz Gonzaga produz em mim um sentimento muito grande, um sentido inexplicável e transcendental, sentimento bom que emana do reconhecimento da inteligência e da sensibilidade daquele pernambucano maravilhoso. Nesta música, “Ovo de Codorna”, interpretada por Gonzagão, não sei se a letra é dele, o que sinto – que é uma forma de saber com sabor – é que o autor, ou os autores, trabalha (m) de forma magnífica o dizer, utilizando, para isso, o não-dito. Há muitos não-ditos significando por e através do que é dito nessa música, nos ensinando que todo dizer diz com os não-dizeres que apresentam sentidos outros e que somente o contexto, a situação, a memória, a ideologia e os sujeitos, afetados por isso tudo, é que vão dar uma certa precisão na negociação de sentidos que é feita. “De todo modo, sabe-se por aí que, ao longo do dizer, há toda uma margem de não-ditos que também significam” (ORLANDI, 2005, p.82).

A gente logo começa a perceber que o discurso é muito mais complexo do que pensávamos. Os significados e suas desconstruções nascem de relações de poderes. Em todo dizer há sempre o não-dizer presente, há sempre a vontade de que o meu discurso seja sempre “a palavra certa pra doutor não reclamar” (Zé Ramalho, Avôhai).


Quanto ao discurso definido por Pêcheux (1997, p. 77), “[...] é sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas [...]”; é prática política, lugar de debate, conflito e confronto de sentido; surge de outros discursos, ao mesmo tempo em que aponta para outros. Não provém de uma fonte única, mas de várias. (SILVA, 2008, p.40)

E, nessa vontade de poder, a gente termina lutando pelo nosso dizer nesse lugar de debate, esquecendo que, só dizemos porque já disseram, e que, só é possível ser entendido, ou seja, só é possível que nosso discurso faça sentido, quando o sentido já está dado na cultura que nos engendra, que nos pari, que nos corta, nos censura, nos estimula, nos cozinha, nos devora e nos pede decifração permanente, para que a gente continue produzindo discursos, e sendo por eles enredados, tecidos. 

O ser humano provém de dois grandes fios que se entrecruzam: o primeiro é o fio da vida. Um fiapo que precisa da materialidade natural para continuar vivo. O segundo grande fio é a rede discursiva que tece o humano em sua complexidade. E o ovo de codorna acompanha esse trajeto, esse entrecruzamento de fios. Transita da materialidade "natural" de um ovo de uma ave, e torna-se construção cultural e simbólica que medeia a relação do agora ser humano com suas necessidades e condições. O ser humano e o ovo são humanizados num processo discursivo interminável - embora o ovo não pronuncie a si mesmo - donde Gonzagão se inclui nesse processo enunciando de forma sensível e muito inteligente o seu discurso sobre este objeto cultural: "ovo de codorna".

O não-dito começa a dizer logo no refrão: “Eu quero um ovo de codorna pra comer, o meu problema ele tem que resolver.” Qual problema Gonzagão tem que resolver mesmo? Em nenhum momento do texto ele explicita isso. Mas a maioria de nós sabe. De forma muito discreta o autor trabalha com o já sabido, tecido culturalmente no seio da sociedade brasileira e que tem sua historicidade peculiar, construída de boca a boca, de bar em bar, de casa em casa, de encontro em encontro, de evento em evento social, até alcançar uma estabilidade de significação que começa a fazer sentido assim que a expressão “ovo de codorna” é desencadeada pelo dizer. E ele joga muito bem com isso. Não é possível entender o sentido do discurso sem a história. Nas estrofes seguintes o autor oferece outras pistas, que vão fortalecendo o sentido do seu dizer

Eu tô madurão
Passei da flor da idade
Mas ainda tenho
alguma mocidade,
Vou cuidar de mim
pra não acontecer
Vou comprar ovo de codorna
pra comer

Mestre Lua já havia passado da “flor da idade”, o que significa [...] Entretanto, ele ainda tem alguma mocidade, significando [...] De qualquer forma ele vai cuidar de si para que não aconteça. Aconteça o quê? O cuidado de si remete e é remetido pelo sentido que o fenômeno cultural "ovo de codorna" dá ao acontecimento. Não é cuidar da pressão, do colesterol, da glicemia, das condições cardiovasculares e respiratórias, mas de uma certa necessidade humana, dada biologicamente e construída social e culturalmente.

Na letra da música o autor ainda procura "aproximar" o conhecimento do senso comum do conhecimento científico, trazendo a figura significativa do “doutor” para legitimar os “poderes afrodisíacos” do ovo de codorna.

Eu já procurei
Um doutor meu amigo
Ele me falou
"Pode contar comigo”
Ele me ensinou
e eu passo pra você
Vou lhe dar ovo de codorna pra comer

Quem ensinou ao Mestre Lua não foi alguém destituído de autoridade no assunto. Não, foi o “doutor”! E não foi um doutor, entidade generalizada e uniforme que cabe em nossa memória em seu jaleco, seu estetoscópio e seus sapatos brancos. Foi um "doutor meu amigo". Esse doutor além da autoridade científica, reconhecida e legitimada socialmente, tem uma proximidade familiar, o que permite inferir que um conselho dado por ele, um "conselho de amigo", que é outra entidade discursiva sedimentada na sociedade brasileira, visa melhorar a situação do amigo em apuros, apontando uma solução infalível: o "ovo de codorna". Há aí também um velho truque retórico utilizado por todos nós: a tomada de empréstimo da autoridade do outro a fim de potencializar o nosso argumento pessoal. Aqui o argumento de autoridade supera a autoridade do argumento. Fica claro que não importa a verdade das premissas, mas o efeito de sentidos que provém dos enunciados que a música apresenta. E “doutor”, principalmente naquele tempo e naquele contexto, tinha,e ainda tem hoje, a palavra certa para ninguém reclamar. A origem desse saber dá ao ovo de codorna a credibilidade que, porventura, possa ser questionada. Ao vir do doutor, amigo pessoal de Gonzaga, a “receita”, torna-se um documento institucionalizado que qualquer feirante, digo, farmacêutico, não pode retrucar. O ovo de codorna começa a ganhar o status do mesmo ovo de outra entidade discursiva: a "galinha dos ovos de ouro". Isso me lembra duma piada antiga que me contaram quando ainda era criança. Ativo minha memória agora para fortalecer o sentido do meu dizer. A mulher acompanhava o esposo morimbundo, prestando-lhe os últimos cuidados e ouvindo-lhe as últimas orientações e conselhos. Em determinado momento o médico passa e avisa: “- Infelizmente o seu marido acaba de falecer”. O marido, ainda vivo, levanta forçosamente a cabeça e retruca para a mulher: “- eu ainda estou vivo!” Ao que a mulher sentencia: “ – Você morreu fulano! Quer saber mais que o doutor?” 

No passo seguinte Luíz Gonzaga revela certa situação pessoal

Eu andava triste
quase apavorado
estavam me fazendo
de um pobre coitado
Minha companheira
Tá feliz porque
eu comprei ovo de codorna pra comer

Ele andava triste por um motivo bem específico. “Quase apavorado”, o que significa o comportamento do homem em nossa sociedade em relação ao que não preciso dizer, porque já está dito. Lembro-me de um professor amigo meu. Quando conseguiu sair com a tão desejada mulher, falhou na “hora H”. Tomado pelo pavor – palavra que o mesmo também usou – pegou um avião, foi à São Paulo, e voltou todo feliz, com seu problema resolvido. Com Gonzagão estavam fazendo-o de um pobre coitado. Então, concluímos um não-dito no dito: a notícia vazou. Ou a mulher comentou com alguém que comentou com outro alguém, apesar da “certa mocidade” alegada do Luíz, ou ele mesmo o fez, com algum mui amigo que comentou com outro amigo. E foi assim que “eles” souberam e estavam fazendo-o de um “pobre coitado”. 

Mas a mulher estava feliz. Decerto ele conseguiu algum efeito positivo e elegeu o elemento cultural que, sabia, teria farta aceitação no meio popular, como um enunciador persuasivo que deseja ser ouvido por seu público. Observem que outros motivos, inclusive de ordem psicológica, para que o problema tenha acontecido, nem são cogitados. De qualquer forma, o autor refere-se à felicidade da companheira nesse processo. Não é algo que diz respeito somente ao homem, mas à mulher também. Ao casal. O marido estando mal, a mulher também sofre, porque a diversão é sempre a dois, ou a mais, depende do casal, de seus valores e do tipo de relação que estabelecem. A fidelidade feminina está implícita nessa estrofe, o falo masculino como fonte única de gozo também é outro não-dito que está significando aí. E todo o contexto de uma época significa nessa música em relação ao matrimônio, ao amor, ao sexo, à relação marido/mulher e à felicidade humana, tendo o ovo de codorna como expressão-chave dessa formação discursiva. Termino com João Cabral de Melo Neto, citado por Obdália Silva, quando afirma belamente que: 

O curso de um rio, seu discurso-rio, chega
raramente a se reatar de vez; um rio precisa de
muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez.
(MELO NETO, [1975])

Ao saudoso Luiz Gonzaga, o reconhecimento de sua arte, de seu discurso vivo que penetro interdicursivamente para continuar pronunciando o mundo, sendo por ele penetrado e pronunciado. Ao mestre que nos ensina a, sabiamente, dizer com o não-dito, pronunciando pelo já dito e já sabido pelo e com o outro sobre o admirável ovo de codorna novo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Luíz Gonzaga, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. Com o apoio de: 

Zé Ramalho. Avôhai.

MELO NETO, João Cabral de. Rios sem discurso [1975]. Disponível em: . Acesso feito por Obdália S. F. Silva (2008) em: 14 jun. 2007.

ORLANDI, Eni. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 5. ed., Campinas, SP: Pontes, 2005.

SILVA, Obdália Santana Ferraz. Os ditos e os não-ditos do discurso: movimentos de sentidos por entre os implícitos da linguagem. R. Faced, Salvador, n.14, p.39-53, jul./dez. 2008.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

PELO ACOSTAMENTO


Numa época muito próxima, quase um ontem, nós, da juventude, admirávamos a rebeldia e todo gesto que se desviasse da normalidade imposta pelo que denominávamos sociedade conservadora. Representava renovação, sementes da revolução necessária que a sociedade tinha de viver para se tornar justa, solidária e misericordiosa. Na verdade, de forma assistemática sonhávamos com revoluções. Revoluções culturais, sociais, econômicas, religiosas, e, para garantir esse rumo, a revolução política, a tomada do poder de decisão geral pelo povo trabalhador, pelas classes populares, pelos trabalhadores unidos num partido. E assim vivíamos tecendo a nossa rede diária de pequenas ações que, de modo singular e pequeno, simbolizava o caminho da emancipação humana. A significação era engendrada todos os dias pelos jovens sonhadores que desejavam mudar o rumo do trilho, o vagão e o próprio trem da história. E ficávamos nos debatendo entre nossa pobreza econômica e nossa riqueza simbólica e política, fazendo o que entendíamos como pequenas, mas significativas revoluções, que iriam, como uma pequena luz num breu gigantesco, chamar a atenção da humanidade para o caminho da emancipação humana.

Hoje o mundo está muito diferente. Uma pequena frase de Renato Russo, que repito bastante, esclarece suficientemente a mudança com a qual me deparo e me assusto. Ele afirma em sua música, “Índios”, que “o futuro não é mais como era antigamente.” O tempo, nossa forma de senti-lo e percebê-lo mudou muito, muito mesmo. É cada vez mais raro perceber ou conseguir identificar as tais “pequenas revoluções” em gestos que rompem com a imposição social, política e cultural do mundo contemporâneo. A imposição agora é velada, porque naturalizada no consumo, na padronização de hábitos e atitudes que matam subjetividades rebeldes desde muito cedo, não permitindo o surgimento de possíveis humanos causadores de rupturas com o  que está posto. Os heróis do saudoso Cazuza morreram de overdose, enquanto os meus morreram de ganância, venderam-se e renderam-se por “trinta moedas de ouro”, recolhidas todos os dias do povo que produz a riqueza desse país. Iscariostes sem culpa, com crime e sem castigo, que nem a dignidade da forca tem em torno de seus pescoços. A traição, o crime, a incompetência e o cinismo estão plenamente justificados nesta republiqueta de bananas.

Antes, como disse, o desvio da norma era bem vindo, porque representava a ruptura com o que estava posto, com a ordem da exclusão, do silenciamento, do empobrecimento e da marginalização. Indicava utopias redentoras dos sofrimento humano da maioria do povo brasileiro. Mas agora, infelizmente, as rupturas representam o contrário. A lei, o respeito às convenções coletivas, à urbanidade e ao convívio respeitoso e salutar com o outro, com a outra, são incômodos ao apetite e à ganância avassaladora do indivíduo. E essa ideia, como um vírus, contagiou a todos nós. Antes, a criança não tinha direito algum na família, a não ser o de obedecer. Obediência cega era a palavra. E esta, não estava com a criança, mas com seu pai, o macho, adulto. Mas agora a criança tem todos os direitos e todas as vontades. Fomos de um extremo a outro. Agora a criança chega, pega o controle remoto da televisão e muda o canal sem pedir licença, exercendo sua pequena tirania individualista, realizando assim, seu desejo mesquinho em detrimento das demais pessoas. Ontem, voltando de Jacobina, encontrei um baita de um engarrafamento no entroncamento que fica entre a saída de Tanquinho e a continuação para Serrinha e outras cidades da Região. Foi então que, muitos indivíduos, exercendo livremente as suas potencialidades, começaram a, criativamente, criar uma nova via: o acostamento. Entre a primeira, a segunda e a terceira marcha, fui até a entrada da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), observando aquele desrespeito. Antes mesmo de chegar à entrada da UEFS, um Fiat Uno Mille, trafegando pelo acostamento, tinha se envolvido numa acidente. Não sei se houve atropelo, mas vi muitas frutas jogadas no acostamento, indicando que, no mínimo, o carro derrubou a banca de frutas que as pessoas que moram nos povoados que margeiam a estrada, colocam na tentativa de produzir suas existências.O acostamento é um convite sedutor. Quem passou por mim chegou mais cedo - saimos de Jacobina às 15:00 h e chegamos em casa às 23:00 h - descansou antes, realizou seu desejo. Adiantou alguns quilômetros à frente, enquanto o "otário", esperava pacientemente o tráfego congestionado dar uma trégua. Chegamos a um ponto que talvez esses motoristas nem se dêem conta do mal que fizeram. Foram mais espertos no darwinismo social que nos caracteriza e devoraram tudo que os impediam de passar à frente, sem consequências pessoais.

A paciência reflexiva não encontra eco no mundo de hoje, em sua corrente incessante. O que importa é utilizar, não as vias marginais, mas a marginalidade tornada natural pela sanha do individualismo que não consegue mais esperar o tempo propício pro avanço, mas invade como um bárbaro, o pouco de civilizatório que ainda pensamos ter. Não há nada de revolucionário nisso. Ao contrário, a burguesia conseguiu realizar a maior de suas ideologias: tornar a maioria das pessoas, independente da classe, movimento, associação ou religião a que pertença, um indivíduo liberal nato. Aquele que busca seu prazer imediato, utilizando suas potencialidades compradas em prestações infinitas, como o motor do seu carro de passeio, independente das consequências de seus atos. Sua moral católica, evangélica ou espírita vai pro beleléu quando o que está em jogo é, não a sua sobrevivência, mas a possibilidade de passar à frente do outro, da outra, seja pelo acostamento, seja por todas as brechas que a lei tem para não punir quem comete crimes.

Não dá para saber mais quem é o tirano, quem é a vítima. Essa rede viciosa é tecida todos os dias por cada um de nós que avançamos o sinal vermelho, que tiranizamos nossas relações em nossos lares, em todos os lugares. Não há possibilidade de sonhar utopias nesse contexto, de tecer novos textos em nossos atos, porque, algo nos diz que, se não mergulharmos crítica e profundamente em nosso próprio âmago, a fim de nos emanciparmos da tirania que nos habita em busca do prazer imediato e mesquinho, chegaremos atrasados à padaria e ouviremos solenemente do padeiro: -“o sonho acabou”.   

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Canto da Loba

Meu corpo pulsa de desejo
de Você.
Minhas comportas internas se abrem e um líquido precioso escorre
em mim
O quadril quer se fazer ondulante
E um calor intenso, pouco a pouco, começa a queimar
delicadamente
Meu sexo

sinto sua língua nos meus seios
E sua mão com movimentos precisos acariciando
minhas costas, minha nuca e minhas nádegas.
Meu ventre se delicia com a umidade de seu hálito perfumado
Alecrim.
Suas pernas se entrelaçam às minhas

E o fogo do seu sexo: macho, potente, intenso
Penetra-me sem pudores rasgando-me impiedosamente
enquanto palavras de puro amor e delírio são ditas ao meu ouvido
Que feminino, se deleita.
O ritmo acelerado do seu corpo denuncia o gozo
iminente.
E meu corpo sedento de sêmen se contorce
retorce.

Perco-me em ti, me mesclo e te amo.
Partícula divina...
Percebo Deus me possuindo
Sinto sua potência me alimentando.
Minha boca pronuncia sons ininteligíveis
Já não sou eu, mas tu em mim

E gozo, recebendo seu gozo
sem reservas.
O sêmen me fertiliza enquanto gritamos em delírio
nosso amor...

Mulher Quatro Ventos.


Este poema eu li numa revista de conhecimentos místicos. Adorei e a publico novamente aqui.

Ela Rio, Eu Raiz

Ela passou como a água do rio.
E se foi para mar. Adiante, radiante, cristalina,
escorrendo eternamente feminina.
E eu fiquei nessa beira, de bobeira, por aqui.
Não passei, para mim.
Não passei porque sei que a seguro na memória de amor;
na lembrança do sabor corrente de mulher,
que escorre toda vez que a penetro
e não para, nem repara, em meu olhar apaixonado.
Não deve. Ela segue seu destino de ser ela,
ser aquela que será o que já é:
mulher, mulher, mulher.

Ela estava certa ao seguir seu caminho.
Eu não era, nem vou ser, tão corrente.
Minha raiz fica aqui no lugar que eu amo,
mais que céu, mais que a terra, mais que o mar.
Meu lugar é meu lar, onde espero o vento e o sol,
onde olho para o céu e contemplo o azul,
onde à noite eu a recordo e acordo nas manhãs de acordo
com o que foi e que sempre ficará.
Minha memória triste é uma mina
onde garimpo minha história preciosa
construída em meu lugar.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel