sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Super Homem e Super Humanidades

O mito do super homem sempre fascinou-me. É composto por um arquétipo antiqüíssimo. O primeiro é o sonho do ser humano em voar. Voar, alcançar o espaço amplo, sem fronteiras nem topografias irregulares e perigos mediatos que ameacem a transição do humano nos diferentes espaços sociais e geopolíticos. Mais do que dar saltos, o vôo é a liberdade suprema do homem, que se atira no azul sem porto e navega, superando espaços e reduzindo tempos. Superar a gravidade significa muito mais que superar a lei de Newton, é assombrar a própria humanidade, transcendendo-a, através do abandono do ser humano com seu encontro outrora inevitável com a queda. “A possibilidade de arriscar é que nos faz homens, vôo perfeito no espaço que criamos...” Damário da Cruz, nosso poeta recentemente falecido, voou sempre que pode em seus espaços criados através dos riscos que assumiu deliberadamente na busca incessante de sua humanidade plena. É assim, na verdade, que voamos: poeticamente criando espaços novos a partir de nossa iniciativa heróica e produzindo, como enxerga Hanna Arendt, o milagre humano.

O outro grande sonho da humanidade é o de ter poder suficiente para enfrentar perigos, ameaças, problemas, e resolvê-los todos com eficiência e desenvoltura. Gostaríamos de ser um “super” e superar nossas limitações, criando um mundo novo de forma mais rápida e surpreendente, reduzindo assim a nossa ansiedade. Esquecemos que, se a idade da Terra fosse proporcionalmente apresentada em 24 horas, a passagem do ser humano por Ela até agora só duraria 02 minutos. E nesses “dois minutos” já criamos todas as condições para destruir este planeta várias vezes, tanto por uma hecatombe nuclear, tanto pela destruição ecológica. Nenhum animal conseguiu tal feito, o que nos faz super’s enquanto espécie. E depois da Ciência esse poder foi enormemente ampliado. Com a ciência e a tecnologia criamos espaços novos de forma revolucionária. Só no assombroso século XX, em menos de 100 anos, superamos a barreira do som com aviões supersônicos; fomos ao espaço, pisamos na lua, mandamos satélites por toda a Via Láctea, investigamos o longínquo universo e suas inúmeras galáxias. Construímos submarinos e fomos às funduras do oceano; investigamos e descobrimos o micro universo que nos compõe até chegar ao mapa da vida: o DNA; construímos edifícios gigantescos que furam o céu e máquinas de matar poderosíssimas, aliás, ficamos viciados em matar, em explodir.

Tornamo-nos super’s em matar a natureza e ao próprio ser humano. Mas não conseguimos, com a nossa “espada científica”, resolver problemas aparentemente mais simples: o de reduzir o trabalho e o de distribuir a renda. É como afirma Cristovam Buarque, não necessariamente com as mesmas palavras: nunca fomos tão integrados culturalmente mas, ao mesmo tempo, nunca fomos tão desintegrados socialmente. A ciência, como previu Rosseau, não construiu um mundo melhor. Seu poder foi utilizado para a morte, para a destruição. Tornou-se instrumento do Capital e, servindo à busca do lucro, tornou-se uma ciência inconseqüente e perversa. A ciência, desde sua origem, abandonou a poesia e encontrou o seu próprio limite. Tornou-se um mito, tanto quanto todos os mitos que ela mesma execrou. Sem poesia a ciência naufraga em seu próprio oceano de descobertas, pois a poesia revigora, questiona, assombra e encanta a ciência e dá sentido à construção de novos espaços, desde que tais espaços sirvam verdadeiramente à humanidade. É o que pergunta o genial Gilberto Gil em sua música “Queremos saber”.

Queremos saber
o que vão fazer
com as novas invenções
queremos notícia mais séria
sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
na emancipação do homem
das grandes populações
homens pobres das cidades
das estepes, dos sertões

queremos saber
quando vamos ter
raio laser mais barato
queremos de fato um relato
retrato mais sério
do mistério da luz
luz do disco-voador
pra iluminação do homem
tão carente e sofredor
tão perdido na distância
da morada do Senhor

Nossa suposta capacidade de ser super’s, com a utilização da ciência como instrumento de poder, revelou que nossa razão é também insanidade, loucura, pois aumentou nossa distância de um mundo utópico, deixando o ser humano “tão carente e sofredor, tão perdido na distância da morada do Senhor.” E ainda criamos o Super Homem e a Mulher Maravilha como metáfora dessa humanidade poderosa, que almeja o controle de tudo, mas que não consegue controlar a própria vontade auto destruidora. “Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero”, afirmava o angustiado apóstolo Paulo em uma de suas cartas.

O super homem é uma farsa ideológica e infantil. Ele precisa de uma carapaça de aço, em virtude de sua origem extraterrena para enfrentar balas, canhões, foguetes e trovões sabendo que sua intervenção aparentemente heróica será bem sucedida. Até bala no olho o “cabra” já levou na ficção científica e não teve nem um arranhão. O super homem pode ser um mito, mas está muito longe de ser um herói, pois o verdadeiro herói não pode deixar de ser humano, pois, a condição de seu heroísmo é a ameaça real da morte que o herói desafia em nome de suas crenças, valores e convicções. O herói leva sobretudo sua coragem e suas convicções baseadas em seus valores e enfrenta, em primeiro lugar, seus próprios medos, em nome, quem sabe, de uma humanidade reconciliada consigo mesma.

Em oposição ao mito do super homem proponho o mito da super humanidade que o herói encarna. A super humanidade é possível a qualquer humano, com suas fraquezas e “desgracenças”. A super humanidade é o milagre humano da revolução que nossas crenças, valores e sentimentos produzem em nós e ensejam a ação inesperada que constitui a essência do milagre. Aquele filme de Kevin Costner, “Dança com Lobos”, tem uma cena, logo no início do filme, onde o milagre humano acontece, mesmo que de forma controversa. A passagem de cavalo e cavaleiro pelo corredor de balas inimigas enviando a morte como mensagem, cujo cavaleiro busca a morte como solução para o destino perneta que se avizinhava, a partir da constatação seca de um médico negligente, disparou o orgulho dos demais soldados e produziu o milagre humano que desencadeou o inesperado e suscitou forças insuspeitas que deram um fim àquela batalha. Nesse sentido, muitas pessoas cheias de super humanidades podem ser citadas nesse breve espaço de linhas: Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela, Irmã Dulce, Santo Dias, Joana Angélica, os Revoltosos Malês, Paulo Freire, entre tantas outras pessoas cheias de super humanidade, que buscam a vida em plenitude, mesmo que arrisquem as suas em vôos inesperados e surpreendentes, que nos admiram e nos espantam de alegrias, pois há sempre, mesmo que aparentemente frágil, a possibilidade de enfrentar os perigos, ameaças e hecatombes, armados apenas de convicções, de valores e de atitudes inesperadas que revelam a coragem desafiante da super humanidade que reside em nós. A nossa condição humana pode transcender em vôo e construir o espaço não previsto pela fatalidade e pelo determinismo que o poder e a insanidade científica, política e religiosa nos impõe como desgraças inevitáveis.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

CRIANÇA SEM ESPERANÇA

A Campanha Criança-Esperança, promovida pela Rede Globo de Televisão, apesar de basear-se no que considera uma boa intenção, termina funcionando como mais uma ideologia que legitima a condição humana precária de milhares de crianças brasileiras. A esperança das crianças não está na doação voluntária de alguns milhares de brasileiros, numa discagem de alguns números dos seus telefones, mas na transformação da estrutura econômica e social perversa que provoca a situação de abandono das milhares de crianças deste país. Portanto, a precariedade da infância não é uma questão de falta de solidariedade, mas de falta de justiça social e de distribuição de renda que permita condições infra estruturais adequadas, para que o número de crianças afetadas pelos fatores que as levam ao abandono seja insignificante e não precise de campanhas que subtraem da população brasileira, mesmo que de forma voluntária, mais uma parte de sua renda, além dos impostos, taxas e outras contribuições obrigatórias que não servem para construir uma sociedade mais justa e equilibrada a partir da infância de seus cidadãos.

A criança brasileira, de um modo geral, já nasce sem esperança. Não há um sistema de saúde público adequado ao atendimento da criança e de seus familiares. Do mesmo modo, praticamente inexiste uma educação infantil de qualidade que atenda às necessidades das crianças, com professores bem preparados e devidamente remunerados, com equipamentos apropriados para esta faixa etária. A inexistência de parques infantis na maioria das cidades é outro indício que corrobora a tese de que a criança é um ser invisível nas políticas públicas do Estado, apesar dos Referenciais Curriculares Nacionais e toda sorte de discursos ocos de lideranças políticas, agentes administrativos e técnicos do Estado. A sociedade vive um “faz de conta” em relação às suas responsabilidades no desenvolvimento de uma infância saudável, equilibrada e plena de potencialidades, omitindo-se na construção de uma verdadeira esperança pautada no atendimento às necessidades infantis através de investimentos econômicos, culturais, sociais, pedagógicos e tecnológicos que assegurem o desenvolvimento das potencialidades humanas a partir do cuidado com a criança.

A esperança não pode ser somente um slogan de uma campanha periódica que atende apenas a alguns poucos incluídos de um imenso contingente de excluídos que perecem todos os dias nas ruas das cidades, nos becos das favelas, aliciados pelo tráfico de drogas, pela prostituição e atirados às feras humanas que espreitam a inocência desprotegida. A verdadeira esperança não espera resignadamente, ou mesmo displicentemente. Ela antecipa-se ao abandono infantil e projeta um futuro acolhedor no presente que já acolhe e protege, não apenas a uns poucos, mas, senão a todos, pelo menos a maioria. A esperança não cruza os braços e faz discursos, nem apelos simplórios, ela age e combate a negligência social, a inoperância e também a negligência criminosa do Estado. A esperança pesquisa e constata, denuncia e propõe, cria, constrói e acolhe a criança que chora suas faltas que depois cobrará no adulto cuja crueldade tem raízes na criança cruelmente abandonada por todos nós, pois os filhos da rua são também os nossos filhos. Isso tudo pode ser sintetizado no que afirmou certa vez, num de seus artigos, o excelente intelectual Cristovam Buarque: O Brasil era o país do futuro, agora o Brasil é o país que tem medo do futuro. Antes acreditávamos que o futuro traria o Brasil que desejávamos em nossas utopias, agora tememos os desdobramentos que o presente nos dará, tal qual um cavalo de tróia, de cujo ventre devem sair os cruéis seres humanos que foram abortados já em vida pela sociedade brasileira negligente.

Portanto, a Campanha Criança-Esperança, não traz mais esperança porque não toca nas raízes das tantas desesperanças e desesperos que a infância brasileira criminosamente é submetida dia após dia, todos os anos, através de uma contra campanha criança-desesperança permanente em nome do abandono, pautada pela negligência dos poderes públicos e pelo esquecimento social que tornam a criança um ser invisibilizado nas ausências de infra estrutura, saúde, educação, serviço social e acolhimento profissional adequado à infância brasileira que ainda geme as dores do pós-parto.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Horário Eleitoral Gratuito: Diversão para toda a família

Que bom, que bom que vai começar o horário eleitoral gratuito!!! Tô numa ansiedade só.

Diante dos programas televisivos de terror que a mídia televisiva baiana do meio dia em diante insiste em explorar, como se a realidade fosse apenas isto, a propaganda eleitoral será uma diversão para toda a família. Haverá programas infantis, tais como: Histórias da “carochinha” e histórias “pra boi dormir”; o metrô suspenso da “Bahiabilônia”; as estradas esburacadas/pavimentadas de tijolinhos amarelos; os hospitais da “mil e uma noites”; a ferrovia norte-sul (que leva ao Palácio de Merlin); a selva de pedras da Avenida Paralela; o destino do Velho Chico; o exército de “Terracota” (as mil e uma viaturas e motocicletas); além é claro, dos soldadinhos de chumbo grosso; o canteiro de sonhos do Bonocô e o fantástico asfalto de chocolate.

Haverá também programação para adultos, todos proibidos para menores de 18 anos, tais como: Os assaltos à 13.ª Bahia; o esquema de negociações clandestinas de Transcon; a ponte sobre a Itaparica que cai; o governador e os carlistas, parte I: o caso César; o governador e os carlistas, parte II: o caso Oton (proibido para menores de 18 anos e militantes de coração fraco); “Pura Política”: o caso barata, ratazanas e demais vermes; Muito além do Jardim de Alá Babá; Um corpo negro que cai”, muitos corpos negros que caem, centenas de corpos negros que caem todo ano; A “segunda dama” (muita sacanagem, tirem as crianças da sala); As obras (com tradução para o português fica: “As merdas”); O poderoso Chefinho partes I, II, III, até criarem outro poderoso...; entre tantas outras películas que irão fazer a diversão de toda a família baiana, isso sem falar na propaganda presidencial.

Divirtam-se, afinal essa “promoção” é só até outubro e, se a gente der sorte, novembro.

Um abraço: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

UMA BOA AULA?

Nós professores estamos sempre aprendendo com os nossos educandos-educadores. Quer dizer: estamos sempre aprendendo quando estamos querendo aprender, pois algumas vezes não escutamos devidamente o que as pessoas ao nosso redor nos ensina sem ensinar, porque só aprendemos quando a gente muito deseja, quando a gente esforçar-se para compreender profundamente o que foi dito e, nesse dito, os não-ditos, os implícitos, os significados e sentidos que ficaram nas entrelinhas a espera de entendimento, de decifração, de interpretação, afinal, como disse Nietszche, “Contra o positivismo, que pára perante os fenômenos e diz: ‘Há apenas fatos’, eu digo: ‘Ao contrário, fatos é que não há; há apenas interpretações.” (NIETZSCHE apud Alves, 2006, p. 133). Então, não aprendemos simplesmente porque o outro nos ensina, aprendemos porque transformamos o conteúdo do diálogo estabelecido com o outro, em objeto de aprendizagem, que, por isso mesmo, transforma-se em conteúdo de ensino. Aliás, Piaget nos ensina desse modo, demonstrando que o processo de ensino-aprendizagem parte da ação do sujeito aprendente, ou, utilizando sua categoria teórica, sujeito epistemológico.

A constatação acima não dispensa o papel do ensino no processo de aprendizagem. Há educadores e educadoras que potencializam a aprendizagem, não necessariamente facilitam, aliás eu sou contra essas categorias fácil/difícil para tratar o processo educativo. Penso com minha experiência, que não é tão grande quanto pareço ensejar, que quando um educador, uma educadora, “facilita” a aprendizagem ele(a) mata a aula, impedindo o educando de pensar, de refletir, de buscar informações, de errar, de reavaliar o caminho de seu pensamento lógico, de inferir, de se perder e se achar. Talvez quando o professor, a professora, “facilite” a aula, esteja colocando-se no papel da autoridade intelectual indiscutível, referência única de conhecimento e verdade, obstaculizando a passagem da heteronomia dependente do educando para sua autonomia intelectual responsável, passagem essa que a escola propaga em seus princípios escritos no seu projeto político-pedagógico. Do mesmo modo, penso que quando pretendemos facilitar a aprendizagem estamos, na verdade, dificultando-a. As vezes sou tomado por uma necessidade obsessiva de dar a “resposta certa” que o educando tanto me pede, para fugir da ansiedade, tanto a dele quanto a minha. O currículo e os programas oficiais praticamente nos obrigam a pular de um conteúdo para outro, sem mesmo avaliar com seriedade se houve aprendizagem, pois temos que dar cabo dos conteúdos, e não necessariamente da aprendizagem. “É preciso muita calma nessa hora”, pois todas essas ansiedades acumuladas vão nos pressionando para uma espécie de ensino formal e destituído de significado, tanto para nós, quanto para os educandos e, contraditória e paradoxalmente, para a própria sociedade que exige ensino e aprendizagem “de qualidade”.

De fato, o problema não é facilitar ou dificultar a aprendizagem, mas torná-la significativa para o educando, e isso acontece quando o educador propõe desafios, problemas, obstáculos contextualizados, que motivam os educandos quando estão produzindo algo importante para eles. Quer potencializar a aprendizagem da leitura e da escrita? Por que não trabalhar com a elaboração de jornais, cujos temas e conteúdos refiram-se a problemas, dificuldades e conquistas que motivam os educandos a escreverem suas experiências e divulgarem-nas, utilizando pontuação e acentuação correta, linguagem apropriada para cada conteúdo, entre outras coisas. Quer fazer uma aula introdutória à Geometria? Vá para a quadra de esportes e aproveite o círculo do meio de campo e ensine diâmetro, raio, PI; o retângulo da pequena área, o perímetro do campo, a diagonal que forma dois triângulos retângulos, a área total e as demais áreas da outras figuras geométricas. Aproveite a linguagem dos narradores de partidas de futebol e construa textos singulares e lúdicos, aproveitando para ensinar pontuação, ortografia, entre outros; aproprie-se do jornal de domingo, onde tem a Revista da TV e motive seus educandos e educandas a escreverem os capítulos da próxima semana, além de discutir alguns temas por eles e elas apresentados como traição/fidelidade, amizade, sinceridade, riqueza/pobreza, a forma como os jovens e crianças aparecem nas novelas; envolvimento com drogas; quer ensinar função, elaboração de gráficos? Faça a partir de enquetes e levantamentos em sala de aula sobre namoro, futebol, família, gravidez na adolescência na cidade, alcoolismo; vá ao posto de saúde e levante, com os educandos e auxiliares de enfermagem e enfermeiras, as doenças mais comuns que assolam a região entre tantos outros temas e assuntos que fazem sentido para quem a gente quer fazer aprender (ensinar).

É nesse sentido que eu não paro de aprender, e por isso também que eu não paro de escrever, pois a comunicação da aprendizagem é uma necessidade mais que pessoal, é social. Deve haver algum dispositivo psíquico que, para além da vaidade pessoal, aciona o mecanismo que dispara a necessidade de comunicar nossas produções intelectuais. É no compartilhamento de nossos “achados”, através de encontros dialógicos, que melhoramos nossa percepção, potencializamos nosso comportamento, afiamos nossa inteligência e transitamos para um patamar superior de compreensão de determinado fenômeno. Esse “patamar superior de compreensão” pode ensejar uma interpretação errônea sobre a dialogicidade, na medida em que gera interpretações de superioridade racial, social, cultural. Somos sempre ignorantes em relação a algo que não sabemos e sempre sábios em relação a algo que não ignoramos, já dizia, com outras palavras, o mestre Paulo Freire. Por isso, o diálogo entre os seres humanos não pode jamais ser pautado numa relação hierarquizante, pois os verdadeiros sábios são aqueles que aprendem com as sabedorias e ignorâncias dos seus interlocutores, e os ignorantes são aqueles que ignoram os saberes que os outros lhes trazem, enfatizando, desdenhosamente, suas ignorâncias, como se não tivesse as suas próprias. E é justamente num diálogo que tive com uma educanda-educadora de uma cidade da Bahia, que encontrei inspiração para escrever este texto.

Estava dando aula sobre plano, planejamento e projeto, quando a mesma, em tom de desdém, afirmou que um professor dá uma boa aula independente de planejamento. Seu principal argumento foi o seguinte: Quando o professor domina o conteúdo do ensino, a boa aula acontece. Bem, pode ser que sim. Pode ser que não. E claro, mesmo com o planejamento e com o plano de aula, também pode ser que sim, também pode ser que não. Não apenas os professores sabem disso. Mesmo na vida cotidiana, geralmente quando a gente planeja “aquele final de semana”, a coisa não acontece, pois choveu, alguém ficou doente, outros desistiram, entre outras variáveis imprevistas. Entretanto, o reconhecimento da incerteza e da imprevisibilidade dos eventos não justifica a ausência do planejamento e do plano como referência da ação, principalmente quando essa ação lida com o imponderável, que brota das interações previstas e imprevistas que acontecem. Quanto mais incerteza, mais a necessidade de planejamento, para garantir alguma segurança no trajeto quando fatores circunstanciais e imprevisíveis aparecerem, e que bom que aparecem! A intervenção educativa exige um alto grau de organização, que o planejamento e a didática propiciam. Às vezes, quando pensava que tava dando uma “boa aula”, percebia que os educandos não aprendiam, apesar da tal “boa aula”. Naquele tempo eu, apesar de dominar teoricamente alguns conceitos interacionistas, só dominava de fato, de um ponto de vista bem abstrato, não tinha capacidade de operacionalizar na sala de aula aquele suposto conhecimento que detinha em meu discurso. Acreditava ser um “bom professor”. Mas, graças a Deus! Descobri, espero que não seja tarde, que dava uma “boa aula” para mim mesmo. Por isso os educandos e as educandas não aprendiam! Porque eu ensinava olhando para a minha vaidade e não para a necessidade e o nível de desenvolvimento cognitivo de meus educandos. Como fui tolo por um bom tempo! Nessa perspectiva a pergunta-título desse texto é provocativa e elucidativa. E abre, pelo menos para mim, caminhos fecundos de reflexão (auto) biográfica, de onde podem emergir frutuosas possibilidades de uma mudança autêntica de minha docência. Nesse sentido, a melhor aula que eu dei foi aquela em que os educandos efetivamente aprenderam.

Um abraço: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel