domingo, 21 de novembro de 2010

Educador/Educandos: Diálogos em Filosofia da Educação III

PENSO QUE A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO...
1. Procura entender a educação desde o cerne do pensamento.
2. Sugere métodos qualificados na arte de educar.
3. É uma maneira para que todos nós possamos discutir em conjunto observando o ponto de vista de cada um.
4. Dará a contribuição necessária para o processo ensino/aprendizagem.
5. Dará melhor suporte para trabalharmos em sala de aula, pois busca um conhecimento com criticidade.
6. Vai me auxiliar na compreensão de tal universo tão complexo.
7. Mostre-nos múltiplas visões de como agir em determinadas situações educacionais tomando como base filósofos do passado e atribuindo a essas idéias os problemas do presente.
8. Dará-nos subsídios necessários para entendermos a educação de forma crítica e analítica.
9. Busca conhecer a realidade do aluno, bem como aprimorar os conhecimentos do mesmo, relacionados ao seu meio social.
10. Ajudará a sermos melhores alunos na disciplina.
11. É importante para rever as teorias educacionais.
12. É uma forma crítica do nosso conhecimento.
13. Estuda vários conceitos educativos.
14. Consiste na especulação e discussão de aspectos educacionais
15. Vai ajudar-me a compreender melhores maneiras de como atuar em prol da minha comunidade e na área da educação
16. Ajudará a entender as formas de transmitir os conhecimentos adquiridos ao longo do curso.

A Filosofia, como filha da sabedoria, não poderia deixar de abordar a educação como um objeto de estudo, pensando seus métodos, seus propósitos, as concepções de ser humano e de mundo que influenciam os projetos políticos pedagógicos e os planejamentos desencadeados nos processos educativos. E, realmente, A Filosofia da Educação procura “entender a educação desde o cerne do pensamento”. Eu compreendo essa afirmação do seguinte ponto de vista: A filosofia da educação busca investigar e compreender os fenômenos desde as suas raízes. Tem um filósofo conhecido, Dermeval Saviani , que afirma que a Filosofia tem de ser radical, rigorosa e de conjunto. Radical porque deve ir até as raízes do fenômeno. Rigorosa porque toda investigação filosófica deve ter um rigor metodológico; e de conjunto porque para compreender qualquer objeto de estudo é preciso examiná-lo em suas relações, em seu contexto específico e amplo, que o delineia no conjunto de tudo o que ocorre e o faz ter sentido no contexto social, histórico, político, cultural e econômico que o engendra.

A Filosofia da Educação realmente “sugere métodos qualificados na arte de educar.” Mas não apenas isso. A Filosofia da Educação pensa a Educação em seus fundamentos mais profundos. Problematiza as concepções de ser humano e de mundo tidos como ideais, desmascarando as ideologias que sustentam todas as concepções, pois não há concepção de educação que não seja ideológica. A ideologia não é boa nem má, ela é intrínseca a toda concepção humana. Bakhtin , um renomado estudioso da linguagem, afirma que todo signo é ideológico. Mesmo quando vocês está em silêncio, em determinada situação, você está sendo ideológico.

Outras duas contribuições de vocês também são muito importantes para se pensar a filosofia da educação na prática educativa. Foram as seguintes:
 uma maneira para que todos nós possamos discutir em conjunto observando o ponto de vista de cada um.” e...

“Mostre-nos múltiplas visões de como agir em determinadas situações educacionais.”
Essas duas afirmações ressaltam o papel da filosofia na formação do professor que, sendo educador, não se coloca no status de “Dono da Verdade” e distribui a fala em sala de aula, “observando o ponto de vista de cada um.” Vivemos numa sociedade plural, que existe um multiculturalismo crítico, desconstruindo pretensas uniformidades que marginalizam os outros, destruindo-os simbolicamente. É o caso dos evangélicos que discriminam os religiosos do candomblé, ou dos heteros, ou que acham que são heteros, que discriminam os homossexuais, entre outras. Evidentemente que cada um faz sua escolha de fé, e de jeito de viver, estar no mundo. Por isso mesmo é que devemos respeitar o Outro em sua diversidade cultural, tornando a sala de aula um espaço laico, onde o multiculturalismo impere, ao invés da verdade única, imposta e controlada por um grupo de pessoas. Por isso mesmo é preciso procurar a Filosofia da Educação para fundamentar nossa prática educativa na escola e na sala de aula pois ela nos “dará subsídios necessários para entendermos a educação de forma crítica e analítica.” Entendendo crítico não como algo negativo, mas como um posicionamento bem fundamentado sobre determinado assunto/objeto de estudo. E analítico, vem de análise, que é a compreensão do todo pelo exame de suas partes.
Outra coisa bonita que percebi nas manifestações de vocês foi a seguinte:
"Vai ajudar-me a compreender melhores maneiras de como atuar em prol da minha comunidade e na área da educação"
Muito bonito isso. Alguém que está se formando pensando, não em si mesmo, não olhando para seu umbigo, nem seguro em sua vaidade pessoal, mas na comunidade a qual pertence. Uma ideia assim deve ser valorizada. Precisamos olhar para o outro, e não fugir dele(a). Nossos irmãos, nossos parentes, nossos vizinhos. Pois se a gente não ama quem está próximo, como a gente vai amar quem está longe? O amor é feito de olhar. Você deve olhar bem para o (a) Outro(a), olhar demoradamente, reduzindo ao máximo o pré conceito para tentar enxergar melhor, com certo e possível carinho pelas fraquezas que todos nós temos. Eu, Joselito, penso que, se o conhecimento nos afasta do outro ele é maldito. O conhecimento deve nos emancipar de nossos demônios, elevando o outro à sua condição de ser mais, nunca menos. Uma Filosofia da Educação para a emancipação, para a alegria e felicidade que todas as pessoas merecem. E, EU NÃO QUERO QUE VOCÊS SEJAM APENAS “melhores alunos na disciplina”. QUERO QUE VOCÊS SEJAM MELHORES PESSOAS A VIDA INTEIRA!!!

O que vocês pensam disso?

 Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Educador/Educandos: Diálogos em Filosofia da Educação IV

MINHA EXPERIÊNCIA HUMANA FAZ-ME PERCEBER, DO PONTO DE VISTA FILOSÓFICO O SER HUMANO...

 1. Está disposta a sofrer ou aceitar mudanças adquiridas pela vida.
2. Que o ser humano é um ser pensante e cheios de dúvidas em determinados assuntos, nos quais tem uma inteligência, pois vai em busca de tirar suas dúvidas para não ficar confuso.
3. O ser humano é burro.
4. Busca o conhecimento, para assim saciar suas dúvidas diante dos mitos apresentados diariamente.
5. É um ser complexo, devido estar em constante mudança.
6. O ser humano necessita “abrir” mais a mente para os problemas e tentar buscar possíveis soluções em conflito.
7. É um ser que pensa.
8. Desenvolve questionamentos que podem contribuir com sua experiência de vida.
9. O homem difere dos outros animais.
10. Tem um conhecimento útil.
11. Aprenda a filosofia da educação pensando rigorosamente sobre os fenômenos educativos.
12. É um ser capaz de compreender a si e o mundo ao seu redor.
13. Que só sei que nada sei.
14. O ser humano é capaz de superar limites, os quais ele mesmo desconhece.
15. Que o ser humano é uma espécie única porque só ele é capaz de viver ou morrer pela sua ânsia ou desejo por respostas e aprender com as perguntas que ele mesmo propõe.


Evidentemente que tem coisas óbvias, embora, se não me engano, Oscar Wilde afirme que o óbvio não existe. Há uma disposição em aceitar as mudanças que a vida em sua dinâmica impõe? A afirmação primeira aponta algum sofrimento nesse processo. É uma discussão longa, que vem desde quando a modernidade começou a se instaurar. Qual a capacidade do ser humano, adaptado à vida no cultivo da terra, ao tempo natural (tempo de preparar a terra, tempo de semear, tempo de colher, tempo de dormir, de acordar) de se adaptar aos novos processos e relações que a modernidade começava a impor? Há, realmente, algum sofrimento nisso. Quem tem sua vida organizada, seu mundo conhecido e rotineiro, e, repentinamente, precisa mudar rapidamente em função de múltiplos fatores, sente a perda do lar, do conhecido e aceito intimamente. E nossa experiência nos ensina que o ser humano, dentre todos os animais, não se contenta em adaptar-se ao mundo, como os demais animais. Ele, O ser humano, não gosta de ficar confuso. Busca respostas para sua existência e começa a filosofar: “Porque a vida? E porque a consciência da vida?” (Karl Popper). Como homo sapiens o ser humano quer transformar o que existe em função do que entende como seu bem-estar. E a sua relação com a natureza adquire um caráter histórico e antropológico imprescindível.

Através do trabalho o ser humano transforma a natureza e cria, pela tecnologia, coisas fabulosas e impensáveis de uma geração para outra. Mas, como afirmou um de vocês: “o ser humano é burro”. De fato. Foi o cineasta e ator Charles Chaplin que afirmou, não necessariamente com as mesmas palavras, que o ser humano inventou aviões, submarinos, máquinas fenomenais de guerra, produtos incríveis, entre outros. Mas não conseguiu aprender ainda a simples arte de amar. Por isso, embora o ser humano seja inteligente do ponto de vista cognitivo, por outro lado, do ponto de vista emocional, ele ainda é burro, entendendo-se “burro” como ignorante. E a nossa escola pública e privada ainda negligencia a inteligência emocional, a dimensão afetiva que nos caracteriza, em última instância, como seres humanos. Parafraseando Descartes, poderíamos elaborar outra máxima filosófica: Amo, perdôo, cuido, respeito, logo existo. E essa é uma questão filosófica das mais relevantes: é o ser humano um ser contraditório? Está fadado eternamente a viver entre o sapiens e o demens, entre o bem e o mal, Deus e o diabo? A nossa experiência humana mostra claramente essa contradição de um ser que, ao mesmo tempo que luta pela ecologia, pela vida, pela caridade e pelo perdão, capaz de doar a própria vida em nome de uma causa nobre, também é capaz de destruir a natureza em nome da mesquinhez do capital. Também é capaz de matar impiedosamente, até os próprios familiares; capaz de abusar sexualmente de crianças indefesas, roubando merendas de crianças carentes das redes públicas municipais de ensino, como os prefeitos do Estado da Bahia que foram presos recentemente na operação “carcará”, e das mais nefastas loucuras. Uns duvidam da existência de Deus e afirmam que ou Deus é bom ou ele é onipotente. Pois se ele é bom e deixa acontecer tantas coisas ruins é porque não tem onipotência ou, se for onipotente, e, portanto, pode tudo, mas deixa acontecer tantas coisas malévolas, é porque não é bom. (Arnold Toinbee, historiador inglês)

É Kant quem pergunta: Que é o homem? Que devo fazer? Que me cabe esperar? Esse humano apresenta uma ânsia “para assim saciar suas dúvidas”. “É uma espécie única porque só ele é capaz de viver ou morrer pela sua ânsia ou desejo por respostas e aprender com as perguntas que ele mesmo propõe.” Por isso, no pensamento filosófico, o ser humano necessita “abrir” mais a mente para os problemas e tentar buscar possíveis soluções em conflito. Como diria um personagem de novela, encarnado pelo ator José Wilker (Novela Renascer), “é justo, é muito justo, é justíssimo”. Muitas vezes a gente pensa dialeticamente e age metafisicamente. A gente procura evitar o conflito, procura dar um jeitinho diplomático em tudo, mas não elimina as perversidades e iniqüidades sociais que, por isso mesmo, se tornam crônicas. Vejam um trechinho da poesia de Marina Colasanti sobre isso...

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma. (1972) Sugiro visita ao site http://www.releituras.com/mcolasanti_eusei.asp

Um bom exemplo é o cotidiano de nossos lares. Quando nossa mãe vai envelhecendo, e não consegue mais lavar roupas, a gente não discute a injustiça que isso representa, uma pessoa que já contribuiu tanto para a nossa vida, ainda tendo que limpar nossas sujeiras? Ao invés de refletirmos sobre isso recorremos ao mercado e ao fetiche da mercadoria: compramos uma máquina de lavar de marca “da boa” e, mercadologicamente, “resolvemos” paliativamente, nossas injustiças. E, quando a gente pensa que sabe alguma coisa, a Filosofia nos ensina “que só sei que nada sei.” Ora, se Sócrates que foi Sócrates, disse isso, quem somos nós para, arrogantemente, utilizar o saber como status e indicador de hierarquização social? O saber deve ser captado como sabor. É aí que ele fica gostoso.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Orai e Vigiai no Espelho de Si Mesmo.

Percebo, na sociedade contemporânea, um movimento estranho ao processo de humanização: uma desumanização crescente que caminha rumo à barbárie em função de atitudes desrespeitosas para com o Outro. Hoje, 15/11/2010, o noticiário mostrou o episódio em que jovens de classe média alta de São Paulo, em plena Avenida Paulista, atacaram brutalmente outros jovens motivados por homofobia. Há pouco, uma jovem estudante de direito incitava os paulistas a afogarem nordestinos, por esses serem culpados da eleição de Dilma para Presidente da República. São atitudes alimentadas ideologicamente e passadas de geração a geração, pois preconceito, embora não seja matéria escolar, é conteúdo social que possui uma eficácia pedagógica impressionante. Nós aprendemos e gostamos – ou aprendemos porque gostamos? – a sermos preconceituosos. E transformamos tal aprendizado em atitudes hostis com qualquer outro que nos seja estranho.

Na base parafrástica de Sartre, do “o inferno é o outro”, vamos experimentando nazismos e paulistanismos possíveis, dominados por idéias xenófobas, que vão matando os outros, seja simbolicamente, seja de fato. Edgar Morin nos avisa que muitas vezes pensamos que somos donos de nossas idéias, mas, ao contrário, elas é que são nossas donas, elas, as idéias, são quem nos dominam e nos controlam e, dominados por certas idéias, a loucura e a insensatez aparecem como sintomas de uma sociedade que não pensa sobre seus próprios pensamentos. Há idéias que nos têm que nem pensamos em pronunciá-las. Escondemo-las de nós mesmos empurrando para o inconsciente. Mas esquecemos que somos controlados mais pelo inconsciente do que pelo consciente, por isso, o importante e imprescindível papel da psicanálise. Jesus fez uma espécie de psicanálise quando perguntou ao endemoninhado qual o nome daquele que afligia aquela alma. E ele(s) respondeu (ram): “Legião é o meu nome, porque somos muitos”. (MARCOS, 5: 8-9). É preciso saber os nomes das muitas idéias que nos dominam, para que possamos exorcizá-las de nós. Inveja, preconceito, xenofobia, homofobia, racismo, misoginia e tantas idéias medíocres sobre negros, mulheres, homossexuais, nordestinos, nortistas, crianças, jovens, portadores de deficiência física e mental, ricos, baixos, altos, feios, cabeleireiros, bailarinos, africanos, moradores de favela, entre tantas e tantas idéias que, embora endemonizem os outros, é o próprio demo agindo em nós.

Caso comecemos uma nova caça às bruxas, começaremos matando nordestinos, negros, homossexuais, favelados, indígenas, moradores de rua, travestis, ladrões, portadores de deficiência, judeus, não-cristãos, ateus, entre outros. Depois de ser feita a “limpeza”, enfim descansaremos em paz na sociedade que sempre sonhamos... Será? Não. Porque haverão outros estranhos e forasteiros para queimar na “fogueira santa”. Os neonazistas espalhados pelo mundo se juntarão aos neoinquisidores e aos talibãs e recomeçarão nova matança. Estudos genéticos serão feitos para comprovar a pureza do sangue de alguns brancos. Mulheres que tiverem problemas de menstruação e outras que forem estéreis, benzedeiras, Mães de Santo, serão queimadas vivas, pois serão consideradas aberrações, bruxas contemporâneas. As vezes a gente pensa só nos lemas da Revolução Francesa: Igualdade, liberdade, fraternidade. Bonito. Mas até a decapitação de Robespierre não podemos esquecer que houve um grande e cruel derramamento de sangue inocente. Pessoas que apenas eram injustamente acusadas de conspirar contra a nova ordem, perdiam suas cabeças nas guilhotinas francesas. Os filhos da antiga burguesia foram sistematicamente abandonados e pereceram prematuramente. Agora há outros Outros. Os imigrantes latinos, africanos, indianos e mulçumanos não são manos. Mesmo os que foram “batizados” e os proselitistas são tratados como seres inferiores. Hélio Pólvora, Escritor, Membro da Academia Baiana de letras, um senhor elegante de cabelos grisalhos, revela, no jornal A Tarde do dia 13/11/2010, na página 6 do Caderno 2, como foi tratado por uma garçonete americana. Diz ele:

Certa vez, em San Francisco, esqueci-me que não estava no Brasil e chamei uma garçonete assim: “Psiu!” Foi o bastante para que ela, uma loura magra de cabelo trançado e ancas estreitas, estourasse: - My name is not Psiu! I’m not a cat, do you understand? Please, call me waitress!” (Não me chamo Psiu. Não sou gato, entende? Queira chamar-me de garçonete). E, com ar escarninho, de fundo desprezo, resmoneou alto: - These mexicans! (Mexicanos duma figa). Fui à forra: - See here, waitress. I’m not Mexican. I came from a country more down southward. (Olhe aqui garçonte. Não sou mexicano. Vim de um país mais ao sul)
Certamente que esta garçonete concorda com a forma utilizada pela estudante de direito paulista, modificando apenas o conteúdo. Poderia ser assim: - Façam um favor aos EUA, matem um mexicano afogado na fronteira ou dentro dela. E assim vamos nós. Nordestinos, mexicanos, africanos, mulçumanos, sempre haverá alguém para bode expiatório. Sempre haverão candidatos para a “fogueira purificadora” da humanidade, de certa humanidade desumana.

Jesus nos fala que devemos orar e vigiar para não cairmos em tentação. Orar, sim. Pois há forças maiores que o próprio ser humano, forças silenciosas sustentadas em idéias de caça às bruxas, cultivadas em cada um de nós. Há idéias malévolas que insistem em nos controlar. Por isso, perdidos nesse antropocentrismo da barbárie, precisamos de Alguém Maior, de um Ser Superior onde nos apegamos para não sufocar em nosso próprio vômito. Mas não podemos esquecer que devemos fazer a nossa parte. Há uma margem de manobra de nossas ações e, por isso, além de orar, devemos vigiar. E o que é esse “vigiar’? É olhar e tecer sobre a vida dos outros, “os pecadores”? Não. É vigiar a nós mesmos. E não há outro caminho senão pensarmos sobre os pensamentos que residem em nós, que habitam nossa alma e que não confessamos nem para nós mesmos. Vigiar é olhar no espelho o reflexo de nós mesmos: Reflexão. É essa margem que nos cabe. Ver a imagem que se projeta, pois pode ser que, surpreendemente, possamos ver no espelho a estudante paulista ou a garçonete americana falando com outras palavras as mesmas idéias. Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Abra o ventre seu Brasil!"

Ninguém descobriu o Brasil, nem Pedro Álvares Cabral, nem os índios, nem Maurício de Nassau, nem os “Dons” dos Pedros e os cambau. O Brasil nunca existiu antes. Talvez agora é que esteja sendo descoberto. O Brasil não foi descoberto por uma razão óbvia: não existia Brasil para ser descoberto. No universo, tem um planeta semelhante ao nosso, com rochas, água, animais e vegetais de todos os tipos e variedades. Desejamos descobri-lo, e espichamos nosso olhar para os lugares possíveis. Quando encontrarmos, daremos um nome a ele, talvez parecido com terra ou com renovação, depende do sentido que o momento da descoberta vai ensejar. O Brasil, não foi descoberto. Foi inventado. E até hoje acontece isso. Inventamos esse pedaço de chão de 8 milhões de metros quadrados com muito suor, com enfrentamentos, batalhas, crenças, desejos, sapiência, loucura, corrupções, crimes organizados, política, religião, futebol, cerveja, favelas, engarrafamentos, cultura. O Brasil é tudo isso e muito mais. Esse conjunto de coisas, aparentemente desconexas e mosaicas, vai-se amalgamando dentro de um contexto de sentido amplo capitalista. E o Brasil vai sendo descoberto todos os dias, em cada esquina, em cada banca de jornal e revista, em cada centímetro redondo preenchido de cimento, pensamento, asfalto, sentimento.

O Brasil é um fluxo desigual de forças sudestinas e nordestinas, sulistas e nortistas. Ele, o país, vai e vem, sobe e desce. Sua demografia caminha em busca de humanidade, de sobrevivência, de trabalho, de dignidade. Somos um país que anda, que procura, que enfrenta o próprio país, ou melhor, uma parte do país que quer ser país sozinho. Eu vou descobrindo esse país, e tentando entendê-lo e estendê-lo. Suas fronteiras internas não estão apaziguadas, nunca estarão. O Nordeste se ergue e, sem ser convidado, amplia suas fronteiras São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul adentro. Os Nordestinos penetram tais fronteiras como “penetras”. Trabalham muito, ganham pouco e são discriminados. Os paulistas vem para a Bahia, por exemplo, em outras condições. Vem como chefes, consultores, donos de pousadas e hotéis nos lugares privilegiados do turismo, entre outras atividades em posições privilegiadas. Foi o historiador Cid Teixeira que, numa entrevista dada a uma revista, declarou que temos uma visão da Bahia for export. Vemos a nós mesmos com os olhos dos outros. O mito da preguiça do baiano, por exemplo, é construído por esse olhar de fora, que não compreende nosso modo de produzir nossa existência e, amparado em sua pretensa superioridade cultural, nos marca simbolicamente com o selo da preguiça. Por isso que eu admiro a construção poética de Chico César, paraibano e nordestino - pois há baianos, paraibanos e outros da região que não são nordestinos - quando ele canta recitando: "(...) A tinta pinta o asfalto enfeita a alma motorista, é cor na cor da cidade, batom no lábio nortista. E o olhar vê tons tão sudestes e o beijo que vós me nordestes arranha-céu da boca paulista." Quem construiu Brasília nos braços e na esperança de uma vida melhor? Quem deixou o aconchego da família perdido na distância e doído na saudade para construir São Paulo? Quem foi para o Norte no ciclo da borracha e ficou perdido para sempre na floresta? Foram os paulistas "legítimos", que herdaram de suas raízes européias a capacidade de trabalho e empreendimento? Nãooooo! Foram baianos, paraibanos, pernambucanos, cearenses, piauenses, sergipanos, alagoanos, entre outros nordestinos. E como nossa gente pode ser definida como preguiçosa e indolente? E o Brasil vai sendo tecido por gente de todos os lugares do Brasil e do mundo.

Segundo o professor Cid Teixeira não há apenas uma baianidade. Há várias. Eu concordo. Temos as baianidades soteropolitanas, tanto de São Tomé de Paripe quanto a de Cajazeiras e a da Vitória. São baianidades soteropolitanas bem diferentes. Temos a baianidade do Recôncavo, a do Oeste da Bahia, que é bem outra, a do Norte, lá pelos lados de Juazeiro. Temos também a baianidade de Jacobina e a baianidade de Porto Seguro. E temos também a baianidade que se decompôs, que é a baianidade de fronteira, como lá em Cândido Sales, onde não se torce nem para o Bahêêêêa, nem para o Vitória, mas para o Fluminense, Palmeiras, Flamengo, entre outros. Essa baianidade mantém uma relação superficial com Salvador, dirigindo-se para Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo, Recife, Maceió, entre outras capitais, seja para resolver problemas de saúde, seja para procurar trabalho e esperança. A Bahia não chega às suas fronteiras, deixando-as cruzar os limites estaduais em busca de socorro em outros Estados, como órfãos que constroem suas identidades com os recursos culturais oferecidos pelo abandono. Ou pode ser que eu esteja enganado. Talvez esses baianos de fronteira desejem ardentemente cruzar definitivamente a linha imaginária que separa um Estado do Outro e assumir alegremente uma nova identidade geopolítica. Quem sabe?

O bom disso tudo é que a gente pode aprender sempre, observando os fluxos que ocorrem e que embelezam o nosso processo civilizatório inacabado, em permanente acabamento. Não podemos esquecer que esse fluxo também, e principalmente, é forjado no conflito, na feiúra, no enfrentamento, no posicionamento crítico que desvela as mazelas dos preconceitos, discriminações e operações de poder nocivas ao ser humano em sua plenitude, como a que aconteceu recentemente, conforme o contundente texto de José Barbosa Junior, cujo título pode bem ser: “Cale a boca, Nordestino!”, criticando a recente divulgação do ódio contra os nordestinos pela estudante de Direito, Mayara Petruso, que fez a seguinte declaração no twitter: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!". O Brasil deve sempre ser descoberto, há milhões de coisas a serem descobertas, pois a invenção do nosso povo não para, a criação de nossa gente “abre o ventre do mundo” – com pedido de permissão de expressão cunhada por Angélica, poetisa maior da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) – e vai parindo, com alegria e dor, novas gentes e novas identidades multicolores geradas nesse ventre verde-amarelo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A CASA DO CALAFATE

Sinto muita saudade. Saudade significa boas lembranças que retornam e vem nos visitar para dizer quem somos e de onde viemos. E somos seres andarilhos, somos aqueles que trilhamos um caminho e, paradoxalmente, o caminho vem conosco, o caminho nos constitui, o caminho somos nós. E minha saudade fala da presença de uma ausência. O sacramento de minha memória está no Calafate, em minha casa não tão antiga assim. Nós a vendemos, mas hoje eu me arrependo tanto! Vendemos nossa história, nossa constituição psíquica e física, nosso patrimônio simbólico, nosso tecimento no mundo, nossa alma. Ao escrever esse texto meu coração aperta, espremido por um sentimento claro, lúcido, perene. Esse sentimento me diz quem estou sendo, por quem fui e, de certa forma, quem serei sempre. Esse sentimento poderoso é a voz das vozes que me convida a assumir minha história. E é isto que passo a contar.

Minha família, muito pobre, foi morar num terreno abandonado. A semântica do poder hegemônico denominou isso de “invasão”. A semântica do poder contra hegemônico denominou isso de “ocupação”. E nós ocupamos aquele lugar. Muito precariamente fomos arrumando um barraco. Esse processo de ocupação foi uma festa para um garoto de seis anos. Ajudando a subir o morro com madeira, em meu caso gravetos, telhas, varas, arame, portas, capinando o mato, delimitando o terreno, erguendo os primeiros mastros, levantando as primeiras velas para navegar em paz no mundo, daquele mesmo lugar. Desse lugar é que navegamos o mundo inteiro e fomos vendo e, timidamente, participando dos acontecimentos de tudo o que ocorre no mundo. E, nesse processo, nosso lugar também foi transformando-se para poder continuar navegando no mundo em constante transformação. Outras tantas famílias também fizeram seus barcos e remaram conosco, a quem denominamos de “vizinhos”.

Penso que na terra ocorre a mesma coisa que no mar. Quando um barco está num lugar, ele sempre está, de certa forma, à deriva, pois as correntes e os ventos não cessam e o mapa do oceano não para de mudar. Uma casa no mundo parece com isso. Embora ela esteja sempre lá, o lugar muda com os ventos da sociedade e com as correntes da história, do acaso e do complexo e permanente processo sóciohistórico. O mapa está sempre mudando e a gente sempre nadando, sempre remando, sempre navegando no mundo que inventamos e reinventamos todos os dias. Para a minha antiga casa eu vou pela memória e a encontro. Mas nunca no mesmo lugar. A própria casa está mudando e, embora tenha a maioria dos traços de minha história, ela será transformada pelos seus novos habitantes, com seus olhares, seus gostos, seus sonhos e desejos e, finalmente, desaparecerá para sempre neste oceano que é o mundo. Embora eu navegue atualmente em um apartamento aparentemente mais confortável, era em minha casa antiga que eu navegava com os meus ancestrais, com as cantigas e as histórias, com as memórias de nosso caminhar singular inscritas em cada tijolo, em cada parede, em cada janela e no piso de cerâmica de segunda categoria. A casa simbolizava toda uma história e as emoções que ela trazia consigo. Quando eu a avistava de longe, já me sentia acolhido e, ao abrir a porta, mesmo após a morte de minha mãe, recebia a sua presença em minha memória que a casa reavivava.

Nossos vizinhos sempre respeitaram nossas fronteiras e seguiram conosco mundo adiante. Remamos contra ondas que atingiam nossa 2.ª Travessa do Calafate, assim posteriormente denominada pelo poder público. Fomos instalando “gatos”, pois o pobre para viver inventa, cria estratégias todo dia em busca de luz, de água, de comida, de asfalto, de escadas, de saneamento, de dignidade. Inventamos alegrias e festas. Alguns idiotas podem perguntar o motivo das festas, pois pobre não tem nada para comemorar. Nós comemoramos a nossa existência e o nosso enfrentamento cotidiano de um poder intelectual, político, econômico e religioso que nos nega. Uma onda gigantesca denominada “inflação” batia continuamente em nossas embarcações, que pareciam não poder resistir. E nós fomos inventando sobrevivências: em busca de proteína mais barata: “chupa-molho”; em busca de vestimentas: costureiro – meu pai fazia nossas roupas -; em busca de escadas, saneamento, corrimão, pontes, recuperação de casas de pessoas mais carentes que nós: inventamos o “mutirão”; em busca de parque infantil: reinventamos o “quintal”.

Do trampolim do meu quintal eu dava saltos no universo

Em meu caderno de chão eu rabiscava os meus versos
No caminho de formiguinhas que trilhavam setes anões
Eu namorava a Bruxa Má e aprendia algumas lições.
(Joselito)

E no quintal de lá de casa, vinha Cacau, Binho, Bertinho, Néia, entre outros e outras garotos e garotas brincarem. Brincávamos com formigas, tanajuras, borboletas, lagartixas, sementes, galhos, teias de aranhas, esgotos, passagens, declives, garrafas de Q’Boa, latas de sardinhas, sabugos de milho, patinetes e rolimãs (rolamentos), interagíamos com as disponibilidades naturais e artificiais do nosso tempo. Tudo aquilo compunha nosso mundo e nessa composição, criávamos com nossa imaginação suprema. E, realmente, dávamos saltos no universo dali mesmo, daquele quintal inesquecível que hoje me mata de saudades. Meu filho não tem mais quintal. Não vê formigas, nem vê aranhas, nem entende de teias. Acho isso grave: um sujeito não entender de teias. Sem teias resta apenas um vazio intenso, uma vertigem permanente que termina arrastando para o abismo que engole o ser humano e o envia aos âmbitos mais sinistros da loucura.

De certa forma é preciso ser homem e mulher aranha e tecer, de dentro de si mesmo, fios que o sustentem no mundo e o protejam do abismo colossal que nos arrastam para a queda, aparentemente sem fim. Uns denominaram tais fios de “religião”, segurando-se nas paredes dos céus para não sucumbirem aos infernos; outros denominaram os fios de humanismo, segurando-se no ser humano ético, humilde e filosoficamente dirigido, contra o abismo da barbárie. Meus fios eu teço enquanto escrevo, tentando conscientemente afastar-me das crenças hegemônicas que estão tornando-se banais. Eu me agarro nos fios das minhas palavras, que são constituídas por interlocutores que já falaram, pelos que falam e por tantos outros que falarão. Com Bakhtin eu me agarro e produzo discursos que, penso que são meus para poder pronunciá-los, e assim, vivo tecido, sobrevivo tecendo fios discursivos onde mantenho a minha existência simbólica.

Em nossa casa de taipa e candeeiro, tinha noites mágicas. Ao redor da cama de meu pai, e era cama somente dele naquele momento único e eterno, embora minha mãe estivesse ao seu lado pronunciando silêncios carregados de sentidos outros, com uma colcha de retalhos coloridos como palco, havia histórias fantásticas que estão guardadas sempre em mim como um segredo, um tesouro de família, que eu só conto a localização para quem se mostra digno de ouvi-lo: crianças. E tudo compunha aquelas noites. O candeeiro bruxuleaxa luzes que iam e vinham frente às sombras que brincavam conosco de “meter medo”. Uma brisa leve fazia a chama dançar como uma diva bailarina no palco da noite que a aplaudia em silêncio. Enquanto isso as histórias avançavam e meu pai tecia alegremente a trama dentro da trama, formando uma rede de sentidos onde a gente imaginava mundos e neles entrávamos como observadores ansiosos, continuando as histórias com nossa singular presença simbólica durante e após tal evento magnífico.

Navegamos, vivemos. Vencemos batalhas pela vida todos os dias de nossa casa nesse mar em movimento que é o mundo. Eu não sabia que estávamos navegando, pois só enxergava terra, com o mar um pouco à frente, em Boa Viagem, Salvador. A casa onde morei no Calafate não tem mais âncoras e as velas foram asteadas por outros marinheiros. Eu não sei até quando vou poder reencontrá-la para reencontrar alguns indícios significativos de quem sou eu, por quem vivi, por quem eu vivo, de onde vim, pra onde vou. Mas eu sei que embora o mapa mude constantemente, vou chegar ao meu lugar, pois nesse navegar reaprendo todos os dias os valores de um marujo. A nossa casa do Calafate ainda simboliza, como uma distante estrela que já não existe no lugar que explodiu, mas que continua lançando suas luzes nas distâncias dos confins do universo e ainda guiam os navegares de marinheiros perdidos.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel