terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Hipocrisia Primaz do Brasil

Eu estava lendo o artigo do bispo primaz do Brasil, Dom Geraldo Majella. Ele combate com veemência o projeto do Governo no que se refere ao aborto. Bem, coisa complicada. A vida deve ser garantida desde a sua concepção, sim. “A vida é tão rara”, canta Lenine. Mas o que me indigna é a hipocrisia subjacente à defesa do Primaz do Brasil. A vida deve ser garantida desde sua concepção até a morte. Mas Dom Geraldo Majella pouco ou nada diz acerca da morte sistemática de centenas de jovens negros e pobres das periferias de Salvador, como se a vida destes não fizesse parte do sistema de proteção do céu, talvez porque não aderiram ao sagrado plano assistencial, que dá direito à defesa de sua alma após seu assassinato, ou melhor, após seu aborto social. É preciso deixar a criança nascer. Mas é preciso também, senhor primaz, permitir que as crianças tornem-se adultos com acesso à educação, saúde, habitação, emprego e lazer.

Este janeiro fui à Itacaré e lá, pensei estar no Brasil do século XVIII e XIX. Lá, vimos as mulheres e jovens negros atuando na cozinha, nos serviços como garçom, vendedores e ambulantes. Os brancos do sul, donos das pousadas, dos equipamentos e da barracas de praia, estavam lá, no comando, dando as ordens e trazendo o tal do “progresso” para Itacaré. Os nativos ainda estão escravos, ainda estão servindo os brancos para ganhar sua subsistência; ainda estão morando em barracos, favelas da periferia do lugar. Conversei com alguns deles e delas para tentar entender, mesmo que de forma superficial, a dinâmica local que reproduz esta velha forma de viver, de relações sociais antigas. Falaram-me que faltam escolas públicas de qualidade, assistência pública de saúde, entre outras coisas. Poucos negros e negras baianos são donos e donas de alguma coisa em Itacaré. Ana, minha mulher, teve uma espinha atravessada na garganta e tivemos que viajar para Ilhéus, onde chegamos pela manhã e fomos atendidos somente no final da tarde, às 16:45 h. Se os turistas são desrespeitados desse jeito, por um município que recebe pessoas de todo o mundo, fiquei imaginando o que não sofrem os nativos. O aborto social acontece todos os dias em toda a Bahia. O racismo mata deliberadamente e o bispo primaz, tão inteligente, não combate veementemente a dinâmica assassina que elimina prematuramente negros, jovens e pobres.

Mas o Dom Majella fala para os pobres. Fala bobagens sobre salvação, sobre os santos, sobre a Madre Igreja, sobre o Papa, fala, que contradiz sua inércia discursiva neste campo. Fala para os pobres silenciando sobre a dinâmica que os deixa pobres e desassistidos de seus direitos mais fundamentais. Esconde em seu discurso a origem do mal social e histórico que condena os pobres, os negros e as mulheres à morte prematura produzida pela máquina social de abortar. – É um problema econômico! Dirão alguns. – É culpa do Estado, dirão outros. – É o acontecimento histórico inexorável previsto no apocalipse! Afirmarão outros. – O bispo nada tem a ver com isto! Ele não pode tomar partido, pois sua preocupação não é com a ordem material mas com as coisas eternas do plano espiritual. Defenderão seus seguidores. Nada dessas justificativas me convencem. O representante espiritual de uma comunidade tão grande é um líder institucional e, se compromisso tem com o amor, a justiça e a verdade, é chamado à sua responsabilidade. Tem de posicionar-se contra o grande aborto que acontece todos os dias nas ruas e vielas das favelas e bairros de periferia. Se o bispo lê jornal deve saber da quantidade de jovens que desaparecem assassinadas, seja pela polícia, seja pelos traficantes em guerras intermináveis pelo pseudo poder que imaginam ter com um arma na mão, já que lhes faltaram escolas públicas de qualidade e assistência primordiais estabelecidas na Constituição Federal.

Ainda vou escrever mais sobre isso. Mas por enquanto só desejo evidenciar a hipocrisia social, não só de Dom Majella, mas de todos aqueles que criticam o aborto apenas numa extremidade, esquecendo-se convenientemente do aborto permanentemente instaurado, que a sociedade racista, machista – três mulheres assassinadas em 16 horas,  enche de justificativas para a morte que atinge prematuramente centenas de pessoas todos os anos, cadáveres previstos nas estatísticas que Dom Primaz mal fala, mal ouve, mal vê.

Disse um mestre do espírito: Se falto ao amor ou se falto à justiça, afasto-me infalivelmente de Vós, ó meu Deus e meu culto não é mais que idolatria. Para crer em Vós, preciso crer no amor e crer na justiça e vale muito mais crer nestas coisas que pronunciar vosso nome. Fora do amor e da justiça é impossível que eu alguma vez Vos possa encontrar. Mas aqueles que tomam o amor e a justiça  por guia estão no caminho verdadeiro que o conduzirá até Vós. (Citação de Leonardo Boff, O Pai Nosso, editora Vozes)
Autoria: Joselito da Nair, do Zé, de Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Vida Sêca

Hoje é dia de sol.
De solidão, de melancolia
dia de tristeza florescendo
no quarto, na sala,
no banheiro e na cozinha

Hoje é dia de sol
Hoje é uma data amarela,
dia de evitar a rua
e a janela
 .

Hoje estava queimando meu dia
a cama estava queimando
minha memória ardia.
Havia fogo em minha cabeça
e em meu pulmão
soltava fogo nas ventas
eu me sentia um dragão.

Hoje é dia de sol.
Ardendo nas costas de um retirante
tem uma vida errante
marcando o trajeto histórico
em paus-de-arara
em paus de polícia
em paus de favela.

Hoje é dia de sol
de camada de ozônio rasgada
pele rachando
terra de caatinga quebrada
vidas deixadas à margem da estrada.

Hoje é dia de sol
de lágrimas ferventes
queimando o rosto
de uma alma marcada.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Povo: massa disforme

O povo? Quem é essa abstração?
Quem é essa aberração lingüística?
Quando se diz povo, quem sabe o que diz?
Sabe e diz.
Diz que:


O povo é uma massa disforme
uma barriga enorme
uma gargalhada estridente
sustentada em chapas
disfarçadas de dentes.


O povo é uma palavra oca
usada para referir-se
a uma massa disforme
sem nome e sem sorte
é uma palavra louca:
um antisubstantivo
um aplauso enorme
para um discurso vazio.


O povo está na origem
dos projetos de governo
nos objetivos gerais
que não saem das gavetas
e nem saem dos discursos
governamentais.
O povo está nos anúncios
nas propagandas políticas
nas explicações mais esquisitas
dos corruptos e ladrões
do erário público.

O povo não é gente!
Não é gente?
É o povo o culpado
de sua condição popular:
não lê, não sabe
não ganha.
e nem sabe ganhar.
Só perde,
só sofre
só morre
nas filas
dos bancos
dos postos
do SUS
da casa própria
dos processos na justiça.

ÊÊÊ povinho inútil!
povinho pirraça
vive sua desgraça
sem endereço,
sem nome,
sem telefone
sem assistência.

ÊÊÊ povão útil
ao discurso político
às promessas de sempre
aos votos sagrados
da santa eleição.

Sendo uma massa disforme
não sabe quem escolhe
e vive agarrado
em inúteis esperanças
de salvação.

O povo, isso que chamam,
não é nada
só uma morte permanente
com hora marcada.

Joselito da Nair, do Zé, de Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

Popular Forma de Discurso

O povo fala transformando barro em jarro
produzindo sons.
O povo fala mexendo o corpo,
pintando o rosto,
criando formas
discursivas,
alternativas,
lingüísticas
poéticas
sensíveis e
rudes.


O povo fala em gritos
bandeiras,
declives
aclives
muros
paredes
telas
chapas
barreiras.

O povo descreve
interpreta
e revela.
Analisa
pondera
decide
gargalha
e escolhe.


O povo fala
todas as falas
discursos
produtos
batalhas
histórias
facões
revólveres
e navalhas.


E de todas as falas
a do povo é a mais rica
a matéria mais prima
do humano
a legítima cultura
mais fina,
sem engano.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Salvador: o pé inchado da Bahia

Hoje, o artigo de João Ubaldo Ribeiro no jornal A Tarde, página A2, está uma beleza de reflexão. Fala sobre a pseudo ponte Salvador - Ilha de Itaparica. Vou destacar alguns trechos...

Conheço esse progresso. É o progresso que acabou com o comércio local; que extinguiu os saveiros que faziam cabotagem no Recôncavo; que ao fim dos saveiros juntou o desaparecimento dos marinheiros, dos carpinas, dos fabricantes de velas e de toda a economia em torno deles; que vem transformando as cidades brasileiras, inclusive e marcadamente Salvador, em agregados modernosos de condomínios e shoppings acuados pela violência criminosa que se alastra por onde quer que estejamos enfurnados, ilhas das quais só se sai de automóvel, entre avenidas áridas e desertas de gente.


Uma das grandes questões trazidas neste trecho é o debate sobre modelos de desenvolvimento. É preciso discutir que desenvolvimento baseado em construções megalômanas, shopping’s, condomínios, casas de show, etc, não significa desenvolvimento. Creio que desenvolvimento seja o povo com assistência à saúde, lazer, transporte, cultura, trabalho, esporte, abastecimento de água e demais serviços, como telefonia, energia elétrica e saneamento. E o povo baiano não tem esse acesso facilmente. Penso com Boaventura de Sousa Santos quando afirma que
Se por desenvolvimento se entende o crescimento do PIB e da riqueza dos países menos desenvolvidos para que se aproximem mais dos países desenvolvidos, é fácil mostrar que tal objectivo é uma miragem dado que a desigualdade entre países ricos e pobres não cessa de aumentar. Se por desenvolvimento se entende o crescimento do PIB para assegurar mais bem-estar às populações não depende tanto do nível de riqueza quanto da distribuição da riqueza. A falência da miragem do desenvolvimento é cada vez mais evidente, e, em vez de buscarem modelos de desenvolvimento alternativo, talvez seja tempo de começar a criar alternativas ao desenvolvimento. (SANTOS, 2001, p.28) 
A dinheirama na construção da ponte vai custar, segundo o jornal A Tarde, 1,5 bilhões de reais. E só, como apontei em outra ocasião, Salvador tem, tem, tem. O interior da Bahia não tem, não tem, não tem, principalmente as cidades e microrregiões que são consideradas inviáveis economicamente. Essas podem sobreviver à mingua. Eu vou tirar umas fotos e enviá-las para este espaço, mostrando os micro-ônibus de várias cidades do interior paradas aqui em frente ao Hospital Aristides Maltez. O que é preciso não são pontes de dinheiro público que atravessam rumo ao capital privado, mas de pontes que aproximem as condições de acesso a serviços públicos de qualidade, como os elencados acima, para que todos os baianos tenham acesso e não apenas os que residem em Salvador. Esse modelo de desenvolvimento que faz com que tolos e ingênuos fiquem deslumbrados com os monumentais edifícios da capital e desejem ardentemente vir partilhar dessa maravilha do século XXI, incham a capital, tornando-a inviável, esquecendo-se da diferença entre crescimento e desenvolvimento. Um pé inchado, por exemplo, cresceu, ficou maior do que era, mas não passa de uma anomalia, pois o outro pé não cresceu da mesma forma, provocando um enorme desconforto numa simples caminhada, na base do “aqui tá raso aqui tá fundo”. Nesse caso houve crescimento, porém sem desenvolvimento. Salvador é o pé inchado da Bahia. Desenvolvimento se dá quando todo um corpo cresce proporcionalmente, evidenciando saúde, equilíbrio, bem-estar. Fazer obras faraônicas e desvinculadas de projetos de desenvolvimento sustentáveis, aproveitando o tempo eleitoral, que é o tempo privilegiado dos políticos profissionais, só corrobora a tese do inchaço, contra todo o legítimo desenvolvimento.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Nelson Mandela: jequitibá do Mundo, orquídea negra da África


Antes de morrer, posso dizer: eu vivi no tempo de Nelson Mandela. Tenho profunda admiração por esse homem. Mandela, conheço pelas notícias, pelos filmes, pela mídia. Quando ele esteve em Salvador, não fui recebê-lo, nem mesmo vê-lo pessoalmente, mesmo que de longe. Era muito mais tolo do que sou agora, acho. O homem que mudou a história da África do Sul com suas convicções firmes, sua simplicidade, sua liderança bondosa e sua profundamente esperançosa atitude pela emancipação humana e pela reconciliação deste com o outro, seu diferente, para mim, é o maior líder do meu tempo. É nesta perspectiva que Nelson Mandela deixa de ser um cidadão sulafricano e torna-se cidadão mundial. Se alienígenas aparecessem por aqui e, para não destruir a terra, exigissem pelo menos a apresentação de um ser humano na contemporaneidade que justificasse nossa continuidade - Como no filme O Dia em que a Terra Parou - eu apresentaria Nelson Mandela. Sua luta, em favor dos homens, mulheres, crianças e anciãos negros, não tinha como suporte o ódio pelos brancos sulafricanos. Não. Nelson Mandela é um educador e, como tal, não excluía os brancos de sua mensagem emancipatória, de que os seres humanos devem encontrar-se no lugar do respeito e do diálogo para construírem uma nova história. Seus longos anos de cárcere e de maus tratos e perseguição pelos racistas sulafricanos, serviram-lhe, como diria Guevara, para endurecer-se sem perder jamais a ternura.

Nelson Mandela é um verdadeiro líder, um homem como poucos, uma peça rara, uma orquídea negra que nasceu em solo africano. Um líder é uma pessoa que faz a gente acreditar que é possível um mundo novo, apesar de todas as desgraças que nos ameaça. Um verdadeiro líder é aquela pessoa que, apesar de todos os cárceres, de todas as mazelas, de todas as feridas, de todas as tentações, vê além do seu sofrimento presente e mantém-se inflexível diante das torturas, das ameaças e das seduções, inclusive a do poder político, para guiar o seu povo rumo à sua ascensão humana plena. E, agora que tenho 40 anos, sei disto muito melhor, visto que pareço não ter convicções. O que, para meu desgosto, talvez seja verdade. Por isso mesmo minha admiração por Mandela. Ele é o que eu gostaria de ter sido. Gostaria de ter sido mais firme e mais claro. Gostaria de dizer mais a verdade, ser mais sincero sem, contudo, ter a pretensão de ofender, nem de excluir. Gostaria de, sem a presença de ninguém dando-me apoio, manter-me firme em minhas convicções, se é que tenho alguma. Gostaria de ter algum amigo em quem confiar, mas, infelizmente, não tenho. Sei que algumas pessoas que lerem este texto podem ficar ofendidas, mas, neste espaço, pretendo ser o que talvez não venha sendo durante muito tempo: sincero. E talvez não tenha amigos porque eles e elas também não confiem em mim, e tenham suas razões, plenamente justificáveis. Quando era mais jovem, era mais sincero e tinha firmeza em minhas convicções. Não penso que tenha sido ingenuidade, nem ideologia. Penso que naquele tempo acreditava mais e lutava pelas minhas crenças. Agora estou mais pragmático. Talvez minhas convicções estivessem ligadas à minha situação social e Marx estivesse certo em suas predições científicas, baseadas no conflito entre a sociedade de classes. Ou talvez o tempo que vivi tenha passado e com ele aquele jovem tenha se transformado neste homem que agora exprime sua angústia, demonstrando empiricamente o que Heráclito de Éfeso já havia afirmado faz mais de dois mil anos: um homem não se banha duas vezes num mesmo rio. Não tenho, portanto, capacidade para ser líder e, por isso, tanto admiro Nelson Mandela e o exemplo que ele representa especialmente para mim e para toda a humana contemporaneidade.

Mas também tem alguns outros pseudo líderes que representam exatamente o oposto para mim. Dom Geraldo Majella é um desses. Mas não é só ele. Jacques Wagner, Paulo Souto, Geddel Vieira Lima, ACM Neto, César Borges, Antonio Imbassaí, Walter Pinheiro, João Henrique Carneiro, entre outros, são líderes frágeis, forjados na bonança, sem convicções e sem firmeza em suas ações em favor de seu povo, de sua gente. São líderes que se vendem por algumas vantagens imediatas e fogem velozmente dos combates mais duros. Enquanto o mundo discute a violência crescente, as tragédias do Haiti, a morte prematura dos jovens negros em Salvador, a corrupção desenfreada dos “homens públicos”, entre outros, os textos dominicais de Dom Majella são de uma mediocridade e de uma superficialidade cristã que me enoja. Ele parece falar a todos, mas quase ninguém o escuta, porque suas palavras estão desgarradas da história que se desenrola no seu tempo e no espaço em que vive, Salvador da primeira década do século XXI. As almas dos jovens negros gritam nas calçadas ensangüentadas pela sistemática do crime oficial, muitas pessoas pobres morrem prematuramente por falta de um sistema de saúde público aceitável, mas ele fala de um Cristo tão distante que chego a confundir o seu Cristo com o próprio Papai Noel. Bem, Dom Majella logo será substituído por outro “Dom primaz qualquer” e isto não fará, na prática, diferença alguma. Rubem Alves tem um texto que fala da diferença entre eucaliptos e jequitibás. O eucalipto cresce rápido e uniformemente. Quando um é cortado, ninguém sente a sua falta, pois será substituído com facilidade. Penso ser o caso do primaz. Quem se lembra do “Dom” anterior? O dom que me recordo agora é do filme bobo que assisti recentemente, “Doom: uma porta para o inferno”. Já o jequitibá não. Ele cresce com a floresta. Tem uma relação íntima com todos os entes daquele lugar e sua história está entrelaçada com o seu tempo. Se for cortado, toda a floresta sente sua ausência e sofre dolorosamente a sua perda. Nelson Mandela é um jequitibá do mundo contemporâneo! E eu posso repetir, orgulhosamente: eu vivi no tempo de Nelson Mandela, o líder, o educador, a orquídea negra de todas as áfricas!

Autoria: Joselito do Zé, da Nair, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Eu não cheiro cocaína!

Cheiro sua roupa,
seu cabelo, sua nuca.
E seu cheiro na cama
meu nariz encontra
enquanto ressona.

Não me venha com cheiro-mole
de dizer que te esqueci.
O seu aroma me engole
gola a gola
manga a manga
e no vestido de cetim.

Eu gosto mais do seu cheiro
no tecido de algodão,
naquele camisolão surrado
que fica comigo deitado
depois que você sai
deixando uma fragância
perfumada pela casa.


Eu gosto do olor
da saia
e debaixo do suspiro
daquele cheiro supremo
do gozo,
que de tanto,
admiro.

Com seu cheiro na memória
esse amor animal
não tem nada de mal,
deixar de ser humano,
racional.

O bom é esse amor puro,
que te acha sem olhos,
sem tatos,
em qualquer lugar escuro
que te encontra no cheiro,
no cheio das minhas narinas,
minha memória perfumada
de você.


Memória mais rude
mais verdadeira,
matriz que traz inteira
minha amada,
sua pele suada,
e os cheiros que marcam
nosso supremo deleite.

Eu não cheiro cocaína!
cheiro sua pele fina
e macia
e amo nosso romance
pelas fragâncias
que dele emana,
deixando sua presença etérea
por mais tempo
em nosso apartamento.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Distância

Contra o frio e,
toda forma de distância
um riso leve na lembrança.

Para trazer à memória
aquele abraço, aquele olhar
que flutuava pelo ar
até encontrar minha mirada,
leve, solto, devagar.

como se bate em minha porta
como se bate coração
como um peixinho dançarino
num oceano de canção.
Não fique distante, descolorida
Fique no amor, fique na vida
Essa é a saída pra toda dor.

Troque os gemidos de dor
pelos de gozo
e encurte o espaço
e ache tempo para essas coisas
de amar,
de deixar penetrar
a força latente
a língua contente
o amasso valente
e tudo fluir pele a pele.

Contra o aquecimento global,
sua mão gelada
e seu tempo glacial
pra responder
sim ou não.
Exigindo, de outro modo,
aconchegos,
movimentos de fricção,
beijos acesos
corpos ardentes,
fogo nas mãos.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

sábado, 16 de janeiro de 2010

É Terna

Esta eternidade é só nossa
só nós dois temos a chave da porta
O aluguel?
Deus não cobra
Água e luz?
Não dá conta
E eu só quero te amar
de ponta a ponta
em ciclos e círculos
Num vício leonino
nesse momento eterno
de coração e silêncio.

Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Mensagem escrita por Rubem Alves

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.

Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou semelhante bobagem, seja ela qual for.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado um do outro.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena. Basta o essencial!



Talvez, olhando-me direito, eu ainda esteja longe disto que Rubem Alves descreve. Portanto, ainda há muito a aprender sobre mim mesmo, para que eu me torne digno deste texto.  (Joselito)

sábado, 2 de janeiro de 2010

Ano Novo?

Eu não gosto de reveillon’s. Acho uma bobagem. Eu sempre fico atento quando um quantidade imensa de pessoas segue um mesmo passo sem fazer reflexão alguma sobre a passagem que representa o reveillon. Nós não damos a mínima para outra passagem mais importante: a passagem interior do ser humano para o ser humano. De um ser humano envelhecido pela ganância, pelo consumismo, pela loucura de viver destruindo o planeta, dia a dia, para um outro ser humano renovado, que respeite a natureza, o outro e a si mesmo. Não há ano novo algum no horizonte. Tudo ainda é velho e repete o mesmo humano destruidor que embarcou aqui há pouco mais 500 anos. Não há ano novo ainda. A COP 15, em Copenhague, provou isso. Nenhuma decisão séria foi tomada para aliviar o planeta do peso desse humano velho, cheio de empáfia, de arrogância, de ganância, de insensatez. Não há nada a ser comemorado.

Não, não estou sendo pessimista. Mas não adianta ser otimista num mundo cheio de seres humanos de anos velhos, de velhos hábitos, de velhas formas de lidar com a natureza, com os seus semelhantes, com a sua sociedade. Somos hipócritas, consumistas - queremos ser burgueses, como todos os que estão no topo -, somos violentos, egoístas, mesquinhos, mentirosos e falsos. E por isso, se não fizermos um reveillon dentro de nós e mudarmos o paradigma humano que nos orienta, estamos fadados a desaparecer, e deixar o planeta pela porta dos fundos, incapazes que fomos de nos tornarmos melhor. Nem a Terra merecemos, muito menos o Reino de Deus, de Oxalá, de Javé, de Alá, de todos que é Um. Não, ainda não é ano novo. E talvez nunca seja. Eu não gostaria de ser tão deprimente, mas preciso dizer essas palavras urgentemente, elas precisam ser ditas agora, pois sinto que algo está desabando mais velozmente. Parece-me que a aceleração do tempo exige a mudança urgente do ser humano. Eu saio nas ruas e vejo a pressa, a loucura, a violência, a força do golpe, os tiros, o assassinato dos jovens negros das periferias de Salvador e do mundo. Eu sinto na pele o poder do sol, o calor insuportável dos dias e das noites. Eu vejo o cinismo dos ladrões de Brasília, da Bahia, do Brasil e me enojo. Eu vejo o desrespeito generalizar-se e isso me indica a morte prematura do ser humano, cada vez menos humano. Talvez melhor seria se não tivéssemos saído das árvores e das cavernas. Nem a dignidade do pensamento reflexivo, privilégio humano, a gente está exercitando devidamente.

Que ano novo nos espera? Nenhum. Não criamos a possibilidade de um ano novo. Porque não nos renovamos, porque não fizemos a passagem, por que não tivemos a coragem de romper com um modo de vida tão individualista, tão egoísta, tão Liberal, tão mesquinho. O desrespeito que impera entre nós é o maior indicador da nossa dificuldade de renascer em nós mesmos. Não havendo essa possibilidade ainda, não há ano novo, porque aquele que faz o ano ser novo, talvez esteja velho demais para renascer.



Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel