sábado, 27 de outubro de 2012

AS VEZES ME DÁ VONTADE

As vezes eu sinto que preciso me renovar. 
Tomar um sol, um banho de mar. 
Sair sem rumo, dar um mergulho, nadar. 
Cortar o cabelo, quebrar o espelho, inaugurar.
Algumas vezes me dá vontade de mudar tudo:
de endereço, de situação, de telefone e de ilusão.
 

As vezes dá uma vontade de pegar o carro
e dirigir até cansar.
 Ir para longe, pegar o bonde que já passou 
e descer numa cidade desconhecida. 
Ficar calado e escutar, abrir os olhos e observar. 
Ficar atento a todo evento que acontecer ao meu alcance 
e aprender com aquele instante
tudo que possa compreender sobre a existência. 

As vezes tenho vontade de parar
 numa paisagem que me encante
e tenho vontade da eternidade daquele instante.
As vezes quero ficar numa cidade tão pequenina,
que tenha fofoca e que tenha vovó,
milhares delas, não uma só. 


As vezes eu tenho fome e tenho sede,
uma sede de ser outra pessoa, outro homem
com ignorância à flor da pele
e com esperança sem reflexão. 


As vezes eu não quero ser eu
e quero fugir para outro lugar.
Estou precisando é viajar. Ler João Ubaldo
Rever o outro lado que a lua não mostra
para saber da monotonia que não me suporta.

Joselito e só

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Há e ah



Há quem lamente
com ai e com ui.
Há quem contente
com pouco,
Há quem lamente
com muito.
Há quem aceite
desgosto,
Há quem reclame
do mundo.

Ah, que ninguém lamente
com pouco
com Deus é mui.
Ah, ninguém aceite
desgosto
Ah, reclame do mundo
com ai e com ui.

Há quem sempre interprete
a seu modo
a seu mundo
Há sempre quem analfabete
em ninguém o absurdo.

Há sempre quem gire
com o mundo
Ah, quem para
vira ninguém
com ai e com ui
com pouco,
sem mundo,
com nada...
Ninguém de tudo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Triste dia do Professor na Bahia



Um colunista do New York Times, Thomas Friedman, afirma que seu país favorito, depois do Estados Unidos, é Taiwan. Segundo ele “[...] isso se deve ao fato de Taiwan ter utilizado o talento, a energia e a inteligência dos seus 23 milhões de habitantes, tanto homens quanto mulheres, em vez de escavar a terra e explorar o subsolo”. Ele argumenta que “[...] o país desenvolveu o hábito e a cultura de aperfeiçoar as habilidades do seu povo, e essas habilidades acabaram se revelando o recurso mais valioso e único verdadeiramente renovável do mundo atual.” Ora, tomando como pressuposto que essa informação faça sentido, e, como hoje é o dia do professor no Brasil, penso que nosso país desperdiça esse recurso valioso, que é a capacidade intelectual e técnica de um povo, quando desrespeita e maltrata o professor. 

Os diferentes governos, e agora este vermelho de araque, colocam o professor numa arapuca econômica e cultural. Com baixos salários os professores e as professoras da rede pública de ensino não têm como qualificar-se melhor. Não frequentam teatros, pouco vão a cinemas, mal adquirem livros novos e nem pensam em participar de discussões na sua área, tanto devido ao cansaço, quanto ao recurso financeiro escasso. Desprovidos de formação e de acesso aos bens culturais, além de fazerem "bicos" aqui e acolá, os docentes vão perdendo sua capacidade de intervenção mais qualitativa na prátiva educativa, sua criatividade vai minando e sua motivação vai se esvaindo pelo ralo de um sistema público de ensino montado para dar errado. Mas a culpa recai geralmente sobre o professor, a professora, que vai sendo punido (a) e marginalizado (a), cada vez mais, com cada vez menos. Talvez a maior contradição do nosso tempo.  

O Governo Wagner caracteriza sua gestão com mão de ferro diante de negociações com as categorias profissionais, entre elas professores e policiais militares, praticando um arrocho inexplicável e gerando ainda mais insegurança quanto ao futuro de tais categorias. No caso específico do professor da rede pública de ensino, o modo como o Governo tratou a última greve revelou claramente que educação pública em nosso estado baiano lamentável de coisas é algo desprestigiado, secundarizado. Simplesmente, as mãos governamentais foram lavadas e tudo ocorreu ao modo caótico, que só prejudicou crianças de famílias pobres do estado, que precisam da escola pública para realizar estudos sistemáticos. Os professores e as professoras foram marginalizados, e houve um silenciamento às avessas: ao invés de calá-los, não vamos nem ouvi-los. E assim foi feito o mal feito.  

As professoras e os professores ficaram clamando nas praças, na Assembleia Legislativa, nas ruas, enquanto o Governo investia mais recursos públicos em propagandas enganosas. Nosso governador não pensa que a educação seja importante riqueza nacional, um recurso renovável que reduz a desigualdade e amplia oportunidades, gerando, num ciclo virtuoso, ainda mais riqueza. Inteligência não é dom de brancos e ricos. É uma dimensão valiosa que o ser humano gera em interações qualitativas. Passa pela escola e continua gerando mais inteligência num processo ininterrupto, provocando o crescimento sustentável de um país e gerando uma nação de humanos com maior capacidade de intervenção na sociedade e na natureza. Mas, sem professor (a) nada disso acontece.

E quando digo professor (a), não estou falando daqueles e daquelas formados (as) em cursos aligeirados, somente para constar em estatísticas oficias. Refiro-me a educadores e educadoras comprometidos (as) com a ascensão cultural dos seus educandos. Mas o governo não forma educadores e educadoras que deviam se orgulhar de sua condição, ao invés de se lamentar. Lamentam os baixos salários, as péssimas condições de trabalho, o futuro profissional incerto, a perda permanente de poder aquisitivo, causando um empobrecimento cada vez maior. Os professores vão se adaptando à vida de professor, vida pobre, que proíbe a vida digna, que espanta jovens talentosos (as) dessa "vida severina". Vida de professor que não paga uma viagem em família, a não ser para ali bem perto, vida de aperto, vida sem sucesso. De vez em quando entram numa “caixa” pra juntar uns trocados a mais a fim de fazer algo diferente. E vão assim, remando contra governos que apenas mudam de sigla, mas não mudam o jeito de maltratar o professor (a), atirando fora, junto com ele (a) a maior riqueza dessa nação: a sabedoria e o saber que nosso povo tem.

Joselito Manoel de Jesus, professor

Mulheres que correm sob o sol


Ontem, 14 de outubro de 2012, na Meia Maratona Farol a Farol, Percebi empiricamente e ainda mais a força e a determinação das mulheres nas pessoas de Ana Lúcia Gomes, Lu Felício, Dilma Venutto, Lucília Vieira, Rose Delgado, Ducinalva Queiroz, Dinah Silva, Andréa Brito, Dorrane Vasconcelos, Eva Borges, Sônia Aquino, Karina Pereira, Maiara Lisboa, Irene Demouliere, Rosana Teixeira, Mônica e Newzete O’Dwyer, nossa ex-professora Cris, Itana Vieira também, entre tantas e tantas mulheres fortes e determinadas que vão nos ensinando que sexo frágil não é uma característica do ser mulher, mas de quem não enfrenta frente a frente seus desafios; de quem não se coloca desafios e vai em busca de alcançá-los.


Essas mulheres, especialmente neste domingo, não se deixaram abater pelo sol que nos acompanhou durante as provas – 5 km, 10 km e 21 km. Elas enfrentaram o calor, o cansaço, a dor, os calos e, passo a passo, foram vencendo suas distâncias, alcançando seus desafios, superando a si mesmas, cada uma na sua, cada uma com sua beleza, com sua altivez e singeleza, todas como uma graciosa fortaleza erguida a cada metro, a cada quiilômetro, até tornarem real o que era apenas um desejo abstrato, conquistando a si mesmas e descobrindo-se senhoras de seus planos e de suas passadas.

Essas mulheres me ensinam a chegar também, e a planejar meus desejos a fim de realizá-los, passo a passo, passando do sonho para sua realização, rumo a outro mais forte que reside em mim e que deseja manifestar sua força e sua determinação.


Elas dão passos sob o sol,
e me levam para além.
Foram rumo ao farol
no sentido iluminado de seus atos.

Lá vem elas, lá se vão
articuladas de vão em vão
vêm no sentido da superação.

Lá vêm elas ensinando
o valor de trilhar o seu caminho
com muita determinação.

Elas vêm passo a passo
planejando seu destino
na ação, no traçado

vêm trilhando suas vias
em sentidos alados
e movimentos solidários entrelaçados.

Com elas a gente vai chegando também
Com elas a gente vai além de nós
porque aprendemos a suar com sentido
pra chegar triunfantes no farol de todas as barras
da vida que superamos em nossas existências.

Joselito do Zé, da Nair, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

FOI DEUS MESMO QUEM TE DEU?


De vez em quando algum carro à minha frente no trânsito infernal de Salvador passa com um adesivo com a seguinte frase: “Foi Deus quem me deu”. Desde a primeira vez alguma coisa nesta afirmação me incomodou. Mas não dei importância, afinal, a vida nos consome e a gente precisa correr para cumprir todas as exigências com suas datas e seus horários. Agora mesmo sinto-me um pouco culpado: estou deixando de fazer alguma coisa mais importante para escrever este texto. Mas o incômodo permanece e reaviva, pois ontem mesmo passou mais um carro por mim com a mesma frase. E o que tem de problemático nisso? Bem, talvez o fato de que Deus não dá carro a ninguém, porque ele não é dono de concessionária e porque o carro, símbolo do sucesso de consumo das classes emergentes, em nada representa a experiência e a presença de Deus em nossas vidas.

Deus não dá carro e carro não é sinal da presença de Deus. Deus, para quem acredita, já nos deu algo muito maior: a vida. E o fato de vivermos já é um sinal mais do que claro de sua presença em nós. Viver, aprender, conhecer o mundo, imaginar futuros, compartilhar esperanças e memórias, acalentar sonhos, apaixonar-se, amar, criar e transformar feiúra em beleza, isso tudo já nos aponta a presença divina no ser humano e na natureza. Em outro texto falei sobre a felicidade, amparando-me na música que diz que “felicidade é uma cidade pequenina, uma casinha, uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar”. Outra cantiga, como um mantra, cantada pelos monges de Taizé, assim reza:

Onde reina o amor
fraterno amor
onde reina o amor
Deus aí está.

Então, para saber da presença de Deus, basta amar, mesmo que seja pegando ônibus, numa motocicleta ou passeando no metrô de Salvador da nossa imaginação, que talvez nunca venha a trafegar. Numa casinha humilde, onde a taipa ainda sustenta um passado recente e uma luz precária indica presença humana, Deus está presente.

Mas a lógica do deus que dá carro a alguns “escolhidos” é outra. Em nossa sociedade baiana e brasileira, onde uma classe social economicamente frágil começa a ter possibilidade de adquirir bens considerados símbolos de sucesso, como é o caso do carro – deixando essa classe social ainda mais frágil economicamente – este bem de consumo é eleito como representação simbólica de que a pessoa que o possui é um “abençoado”. Talvez o raciocínio seja este: como o carro é um bem de consumo mais caro e, portanto, não é qualquer um que pode adquiri-lo, o fato de que o sujeito tenha conseguido é sinal de que essa pessoa teve uma melhoria concreta em sua capacidade de compra, devido aos seus esforços pessoais e à benção de Deus e, portanto, é um vencedor. É um raciocínio bem antigo, desde antes das burrinhas enfeitadas dos caixeiros viajantes. Há também outro raciocínio em relação a isso. Como a compra do automóvel é algo custoso e difícil para as classes sociais mais pobres, perdê-lo por roubo ou qualquer outra forma seria um prejuízo muito grande. Por isso ninguém vai tirá-lo, pois o que Deus dá o homem não tira. Deus está no seguro, na direção, no comando do meu “1.0” e ninguém ouse subtraí-lo de mim, senão sofrerá o castigo divino e esse, meu camarada, tarda, mas não falha. Outro raciocínio é a da conquista de um sonho. Acalentamos em nossa alma o sonho de possuirmos o que julgamos valioso. E esse sonho nos mobiliza para a conquista. Enfrentamos dificuldades, apertamos o orçamento, trabalhamos mais um pouco e, com muita fé, conseguimos transformar o sonho em realidade. Legítimo. Desde que o sonho não seja tão pequeno, tão mesquinho, tão individualista, onde, de cinco lugares, geralmente apenas um é ocupado.

Por esse pensamento de que o carro significa a benção de Deus, Salvador deve ser uma cidade à beira da santidade, pois está entupida de “abençoados”, sendo uma das cidades mais contempladas com os regalos de Deus. Mas, no momento que o “abençoado” adquire a benção de quatro rodas, quatro portas, direção hidráulica, vidros e travas elétricas, alarme e ar condicionado, o diabo vem e engarrafa Salvador. O Vaticano deveria vir aqui constatar esse fenômeno religioso que aparece na estranha romaria de todos os dias pelas ruas da cidade. Deus abençoa e o "cão" amaldiçoa, deus dá e o “cramunhão”, como não pode tirar, pois o que deus dá nem o “coisa ruim” tira, ele atrapalha, atrasa, bota gosto ruim.

E ficamos engarrafados na encruzilhada que fica entre a "benção" e a "maldição", "batalha de fé" vista e experimentada todos os dias entre a Paralela e a BR 324; em Brotas, na Avenida San Martin e na ACM, na Tancredo Neves e na Rótula do Abacaxi, na Sete Portas e na Manoel Dias da Silva. Essa benção, “abençoados”, não é de Deus. Talvez seja o queijo que o diabo botou na ratoeira do engarrafamento que nos prende financeiramente em trocentas parcelas com bancos e, fisicamente, por todas as ruas de Salvador.



Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ALADOS


Todos os dias nós podemos ter pequenos paraísos ao nosso redor. Mesmo em meio à agitação das cidades e seu tempo apressado que nos empurra na fila dos seres humanos insensatos. Quando a vida passa, traz com ela paraísos camuflados no cotidiano, que muitas vezes não percebemos. Mas, quando estamos atentos, montamos no cavalo selado que a história nos oferece e cavalgamos, nem que seja apenas por algumas horas, ou mesmo alguns minutos, no gosto que a oferenda da eternidade sugere.
 
E a vida segue. E se a gente segui-la, quem sabe não encontremos nos vestígios deixados pelo seu traçado o princípio certeiro dos nossos sentidos, de onde a gente para e dispara em busca da felicidade. E caminhamos, seguimos, buscamos o supremo a fim de cumprir uma tarefa que não sabemos direito a que se destina, mas confiamos e desconfiamos que há algo de perene, que não seca jamais, contido em tudo o que quer que façamos e deixamos de fazer, mesmo quando erramos. E quando não temos essa disposição desse saber, ficamos, em virtude de nossa imaturidade, nos culpando e nos desculpando sobre tudo o que acontece e que nos envolve, amargurando o trajeto do mundo a partir do ponto em que nos encontramos.
Há um samba famoso que em seu refrão pede pra que deixe a vida o levar. Compreendo. Mas penso que a vida sempre me leva. Mesmo quando eu me recuso a ir. Pode ser que, nesse caso, ela me arraste, o que pode doer um pouco, mas talvez nesse arrasto a vida esteja me levando com ela para sua fonte, onde o amor e a justiça se fazem presente e onde tudo se explica sem palavras, sem a linguagem artificial que mais oculta que esclarece. É o paraíso. 
E o paraíso não se encontra refém de nenhuma religião, de nenhuma crença e nem de nenhum sistema montado, como uma gaiola, para aprisionar o paraíso e seu Senhor. O destino de todo pássaro é voar e, como diria nosso saudoso Damário da Cruz,

A possibilidade de arriscar é que nos faz homens
Voo perfeito no espaço que criamos
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.

Eu desconfio de todo arranjo que tente controlar os eventos correntes da vida, pois a história demonstra que esse controle busca apenas o poder de dirigir o ser humano para apenas um caminho: o da reprodução do status quo dominante, seja no campo religioso, seja no econômico, seja no político, seja no cultural, seja na associação entre eles, confinando-o numa esperança mesquinha e destinada à escravidão do ser humano em suas astes sedutoras da segurança da certeza produzida como ração animal.
Então, eu recuso a gaiola tecida por instituições falidas, que não mais respondem às indagações dos humanos na contemporaneidade, e monto no cavalo alado das minhas escolhas em busca da fonte onde a justiça e o amor dão a régua e o compasso para os nossos traçados alados. Bem, pra terminar o interminável, deixo-lhes com a composição de Lucina e Luli, com interpretação magnífica de Ney Matogrosso.

Fossem ciganos a levantar poeira
A misturar nas patas
Terras de outras terras, ares de outras matas
Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado
Na mão direita o fado
Jogando sementes nos campos da mente
E se falasses magia, sonho e fantasia
E se falasses encanto, quebranto e condão
Não te enganarias, não te enganarias
Não te enganarias, não!
Fossem ciganos a levantar poeira
A misturar nas patas
Terras de outras terras, ares de outras matas
Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado
Na mão direita o fado
Jogando sementes nos campos da mente
E se falasses magia, sonho e fantasia
E se falasses encanto, quebranto e condão
Feitiço, transe-viagem, alucinação

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Educação e Comunhão



A educação é um processo impossível. Pelo menos naquela intencionalidade exata que se espera de uma racionalidade arrogante, que se enxerga como soberana no campo da formação humana, produzindo os humanos exatos, calculados em currículos laboratoriais, concebidos por ideologias conservadoras que se impõem de cima para baixo. Contudo, quando a educação se pensa como um acontecimento necessário para que a humanidade continue sua caminhada, como uma estratégia refinada de nossa espécie homo sapiens para produzir sua existência de forma humilde, ela se torna possível, na medida em que, percebe com Paulo Freire que ninguém ensina ninguém, mas que também ninguém aprende sozinho. Educamo-nos em comunhão, mediatizados pelo mundo.
 
Daí podemos depreender que não há educação quando inexiste comunhão. Pode até haver instrução, mas não educação. Por isso que José Carlos Libâneo nos fala que há muitas pessoas instruídas, porém poucas pessoas educadas. Há muitos advogados (as), médicos (as), engenheiros (as), doutores (as), mestres (as), professores (as) que são instruídos (as), mas não são educados. Por outro lado, há muitos (as) garis, faxineiros (as), zeladores (as), pedreiros, agricultores (as), lavadeiras de roupa e serventes que, invariavelmente, têm baixo grau de instrução, mas que são extremamente educadas. A comunhão exige que as pessoas que precisam e desejam aprender se aproximem respeitosamente umas das outras, formando duplas, trios, grupos, instituições baseados em princípios educativos, comungando da mesma origem e buscando um destino comum, mas não único, justamente porque educar é uma tarefa imprescindível para a permanência da história humana.

A educação é uma tarefa para muitos. Ao contrário do que se pensa. Evidentemente que os (as) grandes educadores (as) exercem um fascínio e uma mobilização de ideias e ações necessárias e imprescindíveis para o avanço de um movimento educativo e têm sua importância nesse processo. Mas são os educadores comuns, e muitas vezes anônimos, que constroem, dia a dia, a grande rede de sentidos onde os novos humanos são tecidos, e por se tratar de uma rede e não de uma concepção linear, cada ser humano tem vários caminhos a escolher, vários trajetos a decidir e a traçar, formando sua subjetividade, não num processo preciso de ser um humano exato, produzido sob certas especificações e medidas como querem igrejas e religiões, governos, classes, partidos políticos e grupos sociais, mas num processo eficaz de ser o humano, construído pelas possibilidades e acontecimentos que suas interações e suas capacidades lhe possibilitam, em comunhão com outros humanos.

O grande problema atualmente é que “os muitos” estão deixando de acreditar nas possibilidades da educação. E a comunhão está sucumbindo ao individualismo. Então, deixamos de educar. E a catástrofe desses novos humanos aparece no horizonte de nossa história, porque a educação só acontece em comunhão. 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel