quarta-feira, 30 de março de 2011

Se eu quiser falar com Deus

SE EU QUISER FALAR COM DEUS

Gilberto Gil (1980)

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
dos sapatos, da gravata
dos desejos, dos receios
tenho que esquecer a data
tenho que perder a conta
tenho que ter mãos vazias
ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
do que eu pensava encontrar


O poema, a música e, sobretudo, a oração de Gilberto Gil é uma produção cultural das mais belas com as quais me deparei. Sou suspeito para falar, pois sou fã incondicional de Gilberto Gil e admiro todas as suas composições. Todas, embora goste mais de algumas, o que é natural. Seu poema, canção, oração, sugere caminhos para quem quiser falar com Deus. Nem sempre a gente está a fim de falar com Deus, creio que por isso o título sugere uma possibilidade, não uma obrigação. Falar com Deus é coisa muito profunda. O título sugere que não deve ser uma conversa mecânica, automatizada pela obrigação religiosa alienante. Quando eu quiser falar com Deus, eu não posso fazê-lo como quem faz algo corriqueiro. Falar com Deus é, repito, coisa muito profunda, que exige cuidadosa preparação espiritual diante da Divindade Suprema do cosmos. Por isso Gil sugere pistas de como ficar preparado para esse diálogo fecundo. É preciso um ritual rigoroso a ser seguido para aproximar-se humildemente do Senhor Supremo.

A oração está dividida em três partes: Na primeira, constitui uma espécie de afastamento do mundo e suas mil e uma obrigações. Logo de entrada é preciso ficar a sós. E isto me lembra Dona Maria, lá da Rua do Bode no Calafate, quando recitava um verso antigo antes de rezar, como um ritual de entrada na Casa do Senhor para ficar mais intimamente em sua companhia. Dizia ela:

“Pensamento fique fora,

não entre comigo dentro,

vou louvar a Virgem Maria

e o Santíssimo Sacramento.”


Dona Maria, assim como nosso querido Gilberto Gil queria “ficar a sós, apagar a luz, calar a voz...” Para conversar com Deus, esquecia a data e entrava de mãos vazias, com a alma e o corpo nus. Fora é o mundo com suas exigências que nos atrapalha o encontro conosco, com nossa intensidade mais fecunda e profunda, com nossa subjetividade altamente reflexiva, que é dentro, como um espelho diante de Deus. Algo que me assusta em alguns intelectuais profissionais, incluindo muitos professores e estudantes, pois todo ser humano é intelectual, Gramsci ensinou-me isto, é que desdenham dos saberes populares, relegando-os a segundo plano e se enfurnando em teorias, pesquisas e mais teorias que somente constatam tal sabedoria. Eles e elas esquecem de que as pessoas das classes populares produzem seus saberes e reflexões no mesmo grau de profundidade que qualquer outra pessoa, e que as mudanças são apenas de tipo de conhecimento, não de hierarquia de verdade.

No segundo ato da peça Gil nos fala, não sei se há ironia aí, de outra disposição para falar com Deus: a dor. Creio que há certa influência de uma filosofia indiana aí. Ao ler este trecho lembrei-me logo de Herman Hesse, principalmente do seu livro “Sidarta”. O aprendizado de Sidarta caminha pelo abandono de si mesmo, pelo encontro e aceitação resignada da dor como caminho para o encontro com Deus. E há um senso comum arraigado na sociedade e alimentado ideologicamente pelas igrejas de pastores de televisão que pode ser exemplificado com o seguinte enunciado: “Se não vem (para Deus) por amor, vem pela dor”. Esta ideologia terrorista para atrair novos clientes, digo, fiéis, para a religião que a divulga não neutralliza a força poética da dor como caminho de diálogo para Deus. Muitas vezes, para encontrar a poesia, a gente precisa de dor, de tristeza, pois “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não.” Gil nos avisa que para falar com Deus não importa beleza, luxo, conforto, bem-estar. Quando nos deparamos com o sentido último da existência, a gente precisa humilhar-se para poder falar, pois tratamos com “Aquele que É”.

Talvez também possamos ver na multiplicidade de sentidos, uma ácida crítica à ideia que assegura a ideologia do “buraco da agulha”. Que deus é esse que precisa de tanta dor, tanta pobreza, tanta humilhação para falar com ele? Que história é essa de que só os pobres mais trucidados pela acumulação e concentração de renda podem falar com Deus? Certamente os ricos adoram essa ideologia, que legitima com tons divinos os seus privilégios sociais, culturais e econômicos.

Depois de ficar a sós, de calar a voz, de se humilhar e “comer o pão que o diabo amassou” é hora, na terceira parte, de se aventurar. Arriscar a subida sem nada que assegure seu sucesso na empreitada. Há sempre a possibilidade da queda, do salto mortal no abismo para o encontro com o nada. Há outra idéia de que para falar com Deus é preciso fazer a sua parte, encontrar, digamos, no “meio do caminho”. Por isso é preciso subir. Na Bíblia há essa ideia de subir a montanha para falar com Deus. Foi assim com Moisés e com outros. Eu adoro subir montanhas para rezar lá de cima. Para mim Deus não está em igreja alguma. Está na montanha. É lá onde o encontro.


E a gente cria expectativas diversas sobre Deus, o mundo espiritual, os anjos, os santos, nossos entes queridos que já morreram e, pode ser que, ao final dessa estrada, não haja nada. Há essa possiblidade. Há certo ateísmo nesta oração, música, poema. Por isso é preciso crer. Crer no invisível, no que não está dado e que, inesperadamente, pode acontecer. Entre mim e Deus é preciso haver um vácuo. É preciso retirar tudo da frente, reconhecer nossa pequenês e perceber que as mil e uma coisas do mundo nos dis-traem do encontro com Deus. É preciso soltar a mão, a corda, o apoio qualquer e, no momento da queda, acreditar que Deus o aguarda. Falar com Deus é quando não há nada nada nada nada nada nada nada nada, e isso, exige fé.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 29 de março de 2011

De Ti a Mim Amor

E se de mim tu levas

de ti me cegas

e me conduzes

às suas trevas.

E se de mim seduzes

de mim incendeias

o âmago, as cruzes.

Tu me acertas no cume

do tempo transbordante

Preparo o lume

caminho escuro

sigo adiante.
 
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel


domingo, 27 de março de 2011

Jacobina fica muito longe

Meu sogro Ataíde é um sujeito sui generis. Ele tem umas tiradas que deixam minha sogra “tiririca”. Um dia desses, dias desses em Jacobina é um dia jacobinense, minha sogra e eu pedimos para ele comprar pão, entre às 16:30 e às 17:00. E ele saiu para realizar nosso pedido, pois aguardávamos para o café da noite, que é servido entre 18:30 e 19:00 horas. Esperamos, esperamos, esperamos e, faltando pão e paciência, amenizamos com a macaxeira e o ovo frito com o cafezinho que a minha sogra querida transforma com pó, fogo e água, numa magia que só ela sabe. Quando deu lá pras 20:00 h e muitos, muitos minutos depois, chega o “ cavalheiro da triste figura” quixotesca, trazendo o pão e um bafo familiar. Eu e Dona Lídia nos entreolhamos e, meio espantado, meio calejado, indaguei o motivo de tanta demora, ao que ele respondeu, de prontidão, pois de certo já vinha com a resposta na ponta da língua: “- Meu filho, Jacobina fica muito longe!” Com certeza o arteiro parou em algum boteco para bater papo e esqueceu do alimento, mas lembrou-se biblicamente de que “nem só de pão vive o homem”, mas de uma pinga e de uma boa “conversa fora” também.

Bem, são por essas e outras que eu gosto do meu sogro, um ser humano que inventa a sua existência nos estreitos espaços concretos que, com sua criatividade, amplia horizontes, utilizando os múltiplos sentidos que o circundam em seu cotidiano. Basta situar que a padaria fica a menos de 150 m de casa. Mas eu fiquei pensando sobre a riqueza de sua “tirada”: "Jacobina fica muito longe". E isso me fez pensar sobre distâncias e tempos, sobre distâncias e sociedades, ações, sonhos e realidades. Seu Ataíde abriu-me caminhos para pensar outras coisas associadas ao seu enunciado. Fico pensando, por exemplo, que toda cidade tem uma distância de seus cidadãos, distância que aumenta ou diminui conforme os recursos financeiros, educacionais, políticos e sociais que tais cidadãos dispõem. Há uma distância de uma cidade para si mesma que teria de requerer um mapa diferente. Uma cartografia que pudesse mapear os pontos de desperdício da experiência, da solidariedade, da polidez, da urbanidade, das possibilidades citadinas que estão latentes na natureza e na sociedade, que são possibilidades que podem ser acionadas por políticas públicas construídas o mais participativamente possível, mas que estão distantes da cidade cotidiana que se acostumou com a sua pobreza repetitiva e seu abandono indolente.

Jacobina ainda guarda uma distância considerável de si mesma. Ela está maltratada, precisa tomar um banho, limpando seus rios poluídos que desfilam sujeira e odor bem no centro de sua cidade, deixando as águas doces correrem em paz para o seu destino de vida corrente e remansos, que traz alegria para os ribeirinhos e demais vizinhanças. Jacobina precisa voltar no tempo em que os meninos tomavam banho na “prainha” e resgatar a beleza natural que constitui sua origem. Não há mais "prainha", espaço público e democrático de mergulhos e infâncias. Agora há o espaço privado do Hotel Fiesta para isso, num rio artificial onde nem todas as infâncias podem realizar seus sonhos de “Aquamen e Namor”. Jacobina precisa acolher seus filhos, principalmente os que vêm das zonas rurais, e tratá-los cuidadosamente, com respeito e acolhimento decente. Há uma distância enorme entre as crianças da zona rural e das periferias do município que precisam de acesso a médicos, parques infantis,  quadras de esportes, escolas públicas com eficácia na aprendizagem e eficiência no ensino, incluindo os professores e demais profissionais da educação comprometidos com a ascensão humana dessas crianças. Há uma distância que me incomoda. Nos bancos locais, nos restaurantes, nos hotéis, nos bares e até nas ruas ardentes de verão eu percebo distâncias. Jacobina, assim, fica muito longe de seus filhos e filhas. 

E é difícil chegar nela, seja pelo transporte clandestino, seja pela detentora oficial do uso exclusivo da BR 324 em termos de serviços de transporte coletivo, protegida pela AGERBA: a Viação São Luiz ou Falcão Real, que seja. A distância social é muito maior que a distância rodoviária. Agora a distância concreta ficou ainda maior com as crateras que vão de Capim Grosso até o povoado de Paraíso, um pouco antes de Jacobina. Parece que há interesses escusos que dificultam o acesso das pessoas à Jacobina. Os buracos produzem distâncias cansativas para nos fazer desistir de chegar. Os buracos na pista aumentam consideravelmente a possibilidade de acidentes, pois não há mais possibilidade de desviar deles a não ser indo para o acostamento, como mostra a foto acima. O estresse, o desconforto e o perigo são consequências nefastas dessa distância. Mas a distância maior é dos poderes públicos para com nossos direitos. A Polícia Rodoviária Estadual e Federal prende e multa quem desrespeita as leis de trânsito. Deviam prender e multar os gestores públicos que deixam uma estrada virar uma armadilha contra a vida.      

Um rosto crispado de um gerente de banco para um cliente pobre; uma palavra maldita do médico que nem olha para o paciente humilde; uma fila enorme para chegar até ele; a distância de uma mulher agredida pelo marido para o agente policial, em busca do registro da queixa; um olhar sistematicamente desconfiado do policial para com o jovem negro; um atendente de loja ou de outra instituição impaciente com a senhora que tem dificuldade com as novas tecnologias; um professor que falta a aula por motivo fútil; tudo isso, entre outras atitudes, aumenta distâncias dentro da mesma cidade, que vai se afastando, deixando de frequentar nossos sonhos e desejos, além de multiplicar as necessidades de seu povo, que, por isso mesmo, vai deixando de ser seu povo e vai fugindo para distâncias onde, talvez, não queira mais ser encontrado, quando, quem sabe, a cidade se arrepender de sua atitude egoísta e grosseira. Numa cidade assim indivíduos isolados se relacionam prejudicialmente com a mesma, devorando-a sem tentar decifrá-la, corrompendo-a, sem tentar moralizá-la. É preciso trazer a cidade pra perto das pessoas que nela residem e que dela precisam.

É preciso começar com uma cartografia das distâncias citadinas. Os braços da cidade estão em cada instituição, em cada profissional, em cada cidadão que nela vive. As mãos também. Mas percebo que cada vez mais nossos braços estão se cruzando, que nossas mãos estão se fechando, e que estamos dando bananas uns para os outros. Aumentando distâncias e ficando sozinhos. Essa nova cartografia precisa rascunhar as fronteiras, precisa ver nos buracos da estrada um desrespeito profundo a um povo de um território. A falta de educação social faz fronteira com o quê? A precária saúde pública traça seus contornos com que região humana e institucional? Qual a distância entre a circulação do dinheiro e a felicidade das pessoas que moram numa cidade? É preciso fortalecer ou começar movimentos de cidade, visando, sobretudo, mapear e reduzir distâncias cruciais de vida e bem-estar. Indicadores é que não faltam para medir tais distâncias e os desdobramentos delas: PNUD, IBGE, MEC, SAEB, ENEM, IDH, entre outros que mostram a que distância estamos, não de São Paulo ou do Japão, mas de nós mesmos, de nossa busca em fazer do nosso lugar um lugar que se chega sem dificuldades e cuja distância é reduzida por uma cultura de solidariedade, de urbanidade, justiça e igualdade de tratamento. O que exige uma cultura política democrática, participativa, comprometida com os problemas que seu lugar apresenta. Mas creio que estamos muito distante disso. Pior que o terremoto e o tsunami japonês é a nossa indiferença com a cidade que desejamos e, por isso mesmo, ela está do outro lado do outro lado do mundo, numa distância incomensurável de quem nela vive e, principalmente, de quem com ela morre. Enquanto isso, tô com Ataíde: Jacobina fica muito longe. 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Se For É


Se for pra viver

vá de você

e de bem

que vou eu,

voo também.


Se for para ser

vá serena

devagar, divagando

divulgando

segurando

sua bandeira, o seu estar

bem-estar

bem na porta da escola

E se for completar

mais um ano

de existência

vá de senso

e ciência

sejam os seus instrumentos

de felizes dias, meses, anos

Tudo isso pra você

te desejo

pra valer.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quinta-feira, 24 de março de 2011

ADVENTO DE PALAVRAS

Tem palavras aguardando você:
milhares, milhões de palavras
querendo pronúncias, querendo sentidos
querendo dizer.

As palavras te acham
as palavras te pegam
as palavras te encaixam
e ainda te cegam

Não tem jeito:
a humanidade tem o seu preço
e te exige a pronúncia do mundo.

As palavras te encontram:
Não adianta fugir,
fingir
mentir.
É preciso dizer
o necessário existir.

Que palavras eu posso te oferecer?
Somente as vividas comigo,
Elas, que me conhecem tão bem.
Tome as minhas palavras
como gesto de amor

Deixe que as palavras te escolham
morando em meio a elas.
Os discursos residem contigo
em sua história social,
em seu pessoal inconsciente.
Esqueça o discurso impossível,
preciso, medido, correto,
e seja um abrigo carinhoso
dos múltiplos sentidos.

As palavras são tuas contemporâneas:
têm a sua idade
e compartilham contigo o mundo.
Mesmo que você se cale
os sentidos vão continuar
procurando palavras, atores,
para se pronunciarem.

Talvez, se ao invés de calar,
você ficar em silêncio de monge
as palavras podem ser apaziguadas,
em sentido oportuno e,
o mundo,
virá mais profundo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quinta-feira, 17 de março de 2011

Aos políticos baianos e brasileiros

Vá pra pôrra!

Vá pra pôrra você

Que não vê a poesia

indignação desse instante.


Vá pra pôrra e empurre

com a sua barriga

o seu sinistro adiante.


Vá pra pôrra e esqueça!

Vá pra lá e apodreça.

nesta sua anemia política.


Fique lá!

na sua indecência

na sua eleição

Vá de retro doutor!

com satâ,

seu senhor.




Vá pro inferno!

com sua corrupção e ganância

vá de terno

e feche seu paletó

esqueça de mim

e aperte o seu nó.


No pescoço, seu canalha!

com seus desejos reprimidos,

sem batalha.


Vá batata palha!

queimar no óleo quente.

Morra! Desapareça

com sua vida demente,

seu merda de humano

brasileiro insano

sua desgraça de gente.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sábado, 12 de março de 2011

Ex ou a fila anda

A gente nunca sabe exatamente se o que faz, tanto fez

se o que fez, tanto faz

De vez em quando, de quando em vez

a gente escolhe, a gente expande

a gente encolhe e nosso tempo fica ex

Ex marido, ex mulher, ex prefeito, ex detento

ex bestão, ex sabido, ex amante, ex plosivo

ex celente, ex men, ex'is da questão, ex talento 

ex jogador, ex político, ex bandido, ex criança

ex colega, ex namorada, ex brigado, ex de nada

ex quisito, ex tinto, ex tintor, ex perança.


Quando o tempo passa

a gente passa com o tempo.

Pobre de quem fica no lamento

do tempo perdido

do tempo passado

no tempo presente

sem tempo futuro.


De que não fez o que devia

ou de que fez o que não devia.

Deve, de qualquer maneira

paga a qualquer momento

como protagonista ou como ex

cada qual sempre tem a sua vez

mesmo que seja para morrer

cada um vai viver o seu momento


Faça seu tempo e seja um ex

Um ex com brilho, com altivez

Não se lamente de ter sido

e de não ter

Tenha a si mesmo

viva o seu tempo

e ceda sua vez.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 11 de março de 2011

História em pontos

Corre o tempo em linha reta
pra contar entre dois pontos
o começo e o fim
como tudo aconteceu
antes e depois de mim.

Corre o tempo pra ligar
a princesa ao escravo
o libertador ao libertado
o ponto B ao ponto A.

Corre o tempo pra contar
antes que outro tempo chegue
a História do Brasil
conta um conto aumenta um ponto
do que nunca existiu.

Conta a data e o acontecimento
diz que é fato positivo
cria o dia feriado
que não conta o sentimento
de um povo explorado

Conta o tempo e faz as contas
interpreta a seu sabor
omite a ideologia
legitima o escravo e o senhor

Corre o tempo nesse filme
quadro a quadro ficções
tempo cria os seus livros, personagens
grandes imaginações.

Bota o tempo a sua máquina
pra imagem sem defeito:
a princesa assinando a liberdade;
imperador dando grito do Ipiranga;
marechal proclamando a república;
presidente criando nova possibilidade.

Nesses pontos interligados
não há povo organizado
nem revoltas populares
não há sinais de rebeldia
de outros tempos a contar
outros pontos para além
de ponto B e ponto A.

Do ponto G ao ponto de ebulição
nossa história,
muitas contas a acertar...
as palavras enforcadas nas gargantas
querem gritar
 todo o silêncio explosivo
que o sentido quer ressignificar.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 9 de março de 2011

Errante de Pessoa

Vivo,

ainda que agora

vivo intenso o meu caminho.

Desculpas eu peço

dos pedaços do trajeto,

dejetos de mim.


Vigoro incessantemente

Imploro ardentemente perdões

E ofereço minhas margens, poesias,

orações e silêncios.


Aguardo profecias

Vivo meus passados

Intensamente!

E cruzo os tempos

para trás.


Reencontro coisas belas

outras terríveis

e enfrento o meu futuro

com as minhas cicratrizes

num pretérito imperfeito.


E desse jeito vivo

desajeito de gente.

Ao ter sido o eu mesmo,

deixo de ser quem seria

se não fosse esse errante de pessoa

que vive atrás de si

atrás de quem não vingou

e que, precisamente,

é um ninguém.


Sombra de algo

alma perdida

que tenta chegar em si mesma

que tenta voltar a si.

E o que encontra

é o caminho, o complô,

o tecido de ter sido

tecido entre humanos

num tempo que não mais existe.


E, assim sendo,

eu fui sendo o que sou.

Pra viver? Só sabendo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas gentes e de Jesus, O Emanuel

Vida de assim

Vivo,

ainda que nesta encruzilhada.

Angustiado por não decidir

meu caminho.

Deixo acontecer sem mim

a vida

que, por ser assim,

me vive

e, por ser assim,

me mata.


Revivo a cada dia

o dia anterior

e não sendo senhor

da opção

vou em vão

remoendo minha dor

de nem sim, de nem não.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas gentes e de Jesus, O Emanuel


Escrito entre 2004 e 2005

terça-feira, 1 de março de 2011

Segredo, alegria e medo

Em tudo há segredo,
alegria e medo.

Em cada coisa
por menor que seja,
por maior que surja
há medo, alegria e segredo.

Há em tudo propósito
e absurdo
É mundo!
onde nem tudo se encaixa
de pandora.

São tempos, espaços,
discursos compondo
e decompondo o sistema.

Em tudo se encontra
o que se procura:
amargor e doçura
o fugaz e o que dura
o efêmero e o eterno
a maldade e a ternura
a feiúra e o belo.

A gente quer quintal com pomar
para poder brincar
Trabalha o segredo
e em medo seguimos
cortejos e ritmos
a alegria do povo.

A gente quer o fruto
e o sumo pro suco
e, de tudo, o melhor.
Mas a gente é pó,
é poeira na estrada
é memória esquecida
dos sonhos de amor.

O amor esquecido
retorna ao segredo
de cada indivíduo
que ao pó voltará
sem medo.

Em tudo há cortejo pro riso:
na morte, esse drama esquisito.
Tem alegria em cada coisa
de cada manhã:
na sombra que dá
gratuita das árvores,
nos córregos
que deslizam abaixo,
nos ossos cansados,
na pela suada
da negra largada
no aço do mundo.

Em tudo há medo, alegria e segredo
em tudo há o que se pensar
em tudo se inclina
o mundo a criar,
malcriar.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel