segunda-feira, 16 de setembro de 2019

NÓS, OS MACACOS DE BACURAU


No filme "Planeta dos Macacos: a guerra", César e o Coronel [poderia ser um “capitão”] travam uma dura batalha pela vida. O Capitão, digo, Coronel, líder de uma sociedade militarizada e miliciana, apresenta traços de insanidade, fomentando a violência e a crueldade contra todos/as aqueles/as considerados inimigos/as, principalmente os macacos, cuja existência ameaça sua ideia de “civilização”. Os macacos precisam se unir para sobreviver na base do “ninguém solta a mão de ninguém”. Liderados/as por César, os macacos desenvolvem estratégias de sobrevivência, num mundo que os ameaça por toda parte.
Num Brasil no qual vozes das catacumbas, divulgadas por uma mídia a serviço dos “poderosos”, defendem a “família”, a propriedade privada e a “ordem” dos homens brancos, que idolatram os Estados Unidos da América, ditos machos, homens grosseiros, violentos, imbecis e pouco afeitos às letras, às mulheres empoderadas, aos poemas, à arte cinematográfica e à cultura de modo geral, liderados por um suposto “capitão”, nós, as minorias – nordestinos, nortistas, negros, mulheres, mulheres negras, lésbicas, gays, travestis, indígenas, intelectuais de modo geral, entre outros e outras - somos os macacos de sempre, cuja simples existência ameaça o mundo ideal dos homens brancos que apontam sua alma armada para nosso desassossego.
Em Bacurau, o prefeito corrupto Tony Júnior – personagem que bem representa os mentirosos, cínicos e caricatos prefeitos que se reproduzem nos currais eleitorais afora, feitos jumentos batizados (perdão aos jumentos) – que tem ambições políticas, mas enfrenta a resistência do povoado de Bacurau (que bem poderia ser classificado pelo Conselho Nacional de Informação dos homens brancos como “perigoso núcleo comunista”) – que seria qualquer distrito de qualquer cidade nordestina, tal como Junco, Paraíso, Ibó etc. –, se associa aos supremacistas brancos americanos que desfrutam do prazer de matar pessoas consideradas inferiores, chegando ao orgasmo com tal ato de crueldade gratuita, compartilhada com os interesses eleitoreiros nefastos do prefeito. As pessoas de Bacurau são os macacos, tanto para o prefeito, que apagaria toda cidadania crítica do lugar, quanto para os supremacistas brancos americanos que destituem de humanidade quem está para além de suas fronteiras raciais, especialistas em tiro ao "não-alvo".
E a polícia, principalmente a do Rio de Janeiro, sob a liderança de um homem nem tão branco assim, mas “terrivelmente evangélico” e possivelmente demente e copiador de dissertações e teses, está matando os “macacos” e seus filhos, atirando em todas as direções com aquele gosto nazista de limpeza étnico-racial, para que o Rio de Janeiro volte a ser “lindo” ou "limpo", sabe-se lá. O feminicídio cresceu bastante sob a égide do “capitão-queima-mato", num desdobramento político social de homens, como ele, que odeiam mulheres que não se submetem aos seus caprichos e, desse modo, se tornam “macacas”, ameaçando o paraíso machista no qual esses homens desumanos dominam, silenciam e, quando não podem obter obediência, matam.
Nós, os macacos da vida real, estamos sendo perseguidos nas universidades públicas, nos hospitais, nas escolas públicas, nas instituições de pesquisa, fiscalização, monitoramento e controle do meio ambiente, de investigação e vigilância, nas favelas, nas ruas e mesmo nas residências, onde a masculinidade tóxica é incentivada, sob essa “ordem bélica”, a violentar e matar, a fim de manter a família e a propriedade privada sobre o pensamento e a liberdade humana sob os desígnios de um deus imposto e impostor, criado por pastores espertalhões, mentes doentias e uma mídia manipuladora. Essa ameaça cotidiana do Estado, através de um governo violento e débil à nossa vida, precisa ser enfrentada. E, embora haja medo, o medo não pode nos paralisar, como diria o mestre Paulo Freire. O medo deve ser encarado de frente, porque como canta “O Rappa”:
A minha alma 'tá armada
E apontada para a cara do sossego
Pois paz sem voz paz sem voz
Não é paz é medo
As vezes eu falo com a vida
As vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero
Conservar para tentar ser feliz

Quem sabe não somos quase todos e todas de “Bacurau” e precisemos lutar para que todo o planeta seja, pela primeira vez, o planeta dos macacos?

Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Joelmo Dórea, de José Jorge Dórea, de Itajacira Dórea, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.