quarta-feira, 26 de maio de 2010

Não Deixem a Vida me Levar

No Caderno A, página 12,  do dia 01/11/2009, a notícia é muito séria. Na verdade é o que todos já sabemos, mas por falta de provas, e por conhecer a impunidade que caracteriza o legislativo, o executivo e o judiciário, este último tendo alguns juízes vendedores de sentenças, não dizemos. Mas o jornal A Tarde publica o seguinte; Munícipios da Bahia têm mais casos de corrupção. Nesta reportagem, um estudo demonstra os efeitos da corrupção nos indicadores sociais, do doutorando em ciências sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, Clóvis Alberto Vieira de Melo. O estudo aponta o seguinte: "[...]nas cidades sem desvio de verba, o índice de abandono escolar no ensino fundamental foi de 7, 21% em 2004. Nos municípios com quatro casos de corrupção, o número pula para 16,16% - aumento de 124%. O quadro se repete para taxa de reprovação: 14,97% nas cidades sem corrupção e 22,5% nas com quatro casos - 50,6% de incremento. A Bahia ajuda a comprovar a tese. Além de ter os municípios mais corruptos, o Estado registra a terceira maior taxa de abandono escolar no ensino médio e a quarta maior no ensino fundamental, com 20,9% e 15,2%, respectivamente. Os dados são do Ministério da Educação (2005)" (Fonte: Jornal A Tarde, de 01 de setembro de 2009, Caderno A, página 12).

Ora, ora, essa informação contradiz alguns "iluminados" que afirmam ser culpa apenas do professor as condições educacionais da população atualmente. São Francisco do Conde, por exemplo, que, proporcionalmente, tem a maior renda per capita do Brasil, é, não é da Bahia não, é do Brasil! lidera ranking nacional em casos de corrupção e sua população, é tão pobre quanto a população de Ourolândia, que tem o PIB per capita, muitas vezes menor. Então a gente conclui que a pobreza não é uma questão de ter mais ou menos dinheiro, é uma questão de justiça social. Pedro Demo, no seu livro Pobreza Política, afirma que a pobreza não é um dado natural, é uma conseqüência social, de impedimento de acesso da maioria da população aos bens coletivamente produzidos. Ele mesmo dá um exemplo. Numa comunidade agrícola, que sofreu uma devastação da natureza, não há pobreza, há escassez de recursos. A pobreza começa a existir quando, naquela situação de escassez, alguns privilegiados retém para si a maior parte dos bens que restaram, enquanto que, para a maioria, restam as migalhas. A pobreza, portanto, é um dado social, e não natural. Por isso, quem ainda acredita num mundo melhor, tem de combater a corrupção e os privilégios, contra até si mesmo. Prefeito rico cidade pobre. Mas com o salário que tem nenhum prefeito enriquece. De onde veio o dinheiro para comprar a fazenda, a mansão, o carrão? Da corrupção!

Por isso também que crítico a música cantada por Zeca Pagodinho, quando num trecho ele canta: "[...] confesso que sou de origem pobre, mas meu coração é nobre..."

Quem confessa, confessa um pecado ou um crime. Pobreza não é crime, nem pecado. "Mas", no sentido de oposição, "[...]meu coração é nobre..." Quer dizer que ser pobre contradiz com nobreza? Pois eu sou pobre e tenho orgulho de minha existência com meu escasso recurso financeiro. Os ricaços é que deveriam ter vergonha de sua demasia! De seus carrões, de suas mansões, pois, muitas vezes, essa demasia é que não rima com nobreza, com ética, com decência.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 25 de maio de 2010

Universidade e Democracia

Uma vez o renomado sociólogo brasileiro Florestan Fernandes fez uma pergunta que me deixou com vertigem. Como pode existir uma universidade democrática numa sociedade autoritária? Ainda era estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universidade Católica do Salvador. Fiquei atônito mesmo, pois minha imagem primitiva de universidade era de uma instituição onde se podia discutir sobre todos os assuntos possíveis dentro do rigor acadêmico necessário. Ainda há pouco tempo não encontrava a resposta para a pergunta de Florestan Fernandes, até que descobri que respostas como essa a gente só encontra no passar pela democracia ou pelo autoritarismo da experiência, ou seja: pela práxis social contextualizada, e não apenas na busca de compreensão intelectual abstrata.

A estrutura universitária tem seus fundamentos – comumente o pedreiro chama, na construção civil, pelo sugestivo nome de “sapata” – no colonialismo atrasado que nos fundou baseado na herança patrimonialista portuguesa. Herdamos a “sapata portuguesa” e ainda insistimos em caminhar com ela, pois assim caminha a humanidade brasileira nesse meio milênio de des-cobrimento. Necessitamos tanto da intimidação, da ameaça, do uso de recursos autoritários de poder que não sabemos como agir em situações simples que interpretamos como ameaça. Para surpresa das gerações mais novas de nosso “gigante pela própria natureza” ainda somos coronelistas, ainda somos racistas e escravocratas, ainda somos machistas, ainda somos nepotistas, ainda somos clientelistas. Quanto mais idade me chega mais começo a desconfiar que os políticos que dizem nos representar, afinal nos representam. O Congresso Nacional tem uma face bem baiana e brasileira e a universidade baiana não está imune a tudo isto. Talvez ainda interpretemos “estabelecer limites” com “impor censuras”; talvez ainda signifiquemos “cobrar responsabilidades” com “desautorizar autorias”; talvez ainda interpretemos “vencer o oponente” com “eliminá-lo completamente”. Com essas heranças que se reestruturam também na universidade não podemos sonhar coisas de falar e escrever, coisas de defender com paixão, coisas de se acreditar e fazer, coisas de pesquisar com liberdade, porque essas coisas não se voltam para nós, dialeticamente, mas se voltam contra nós, autoritariamente.


Eu tenho paixão por escrever. Acredito que a escrita é uma das formas de comunicação que, para além da verbalização, nos envia reflexivamente de volta a nós mesmos, pois o texto circula e retorna, não mais o mesmo texto, mas inserido do com-texto. O autor então não é apenas o autor, mas o co-autor, porque o texto não circula imune. Ele retorna “imundo”, ou melhor, cheio de mundo a nos interpelar. O texto vai perdendo, forçosamente, sua abstração e sendo reinscrito pelo mundo em que circula, trazendo de volta o concreto dialógico a desafiar seu autor. Eu me sinto assim, desafiado pelos meus textos que circulam, instado permanentemente a pensar com mais rigor, com mais coerência, com mais sapiência, com mais saber e, como sinto, com mais sabor, mesmo que às vezes o gosto seja amargo. A escrita é exercício de prazer e liberdade. Ninguém pode garantir essa liberdade. Mas, desconfio, que a universidade talvez só autorize os escritos dos já conhecidos, dos já mapeados, dos já ca-das-trados. Eu ainda não fui cadastrado e espero nunca sê-lo, deve doer pacas. Vou escrevendo sem cadastro mesmo. Não se pode escrever apenas concordando, não se pode escrever apenas elogiando, não se pode escrever sem acreditar, nem bajulando. Não se deve escrever aceitando intimidações e mudando o significado dos textos. Também não se deve escrever sem o devido cuidado ético, criticando apenas por gosto de destruir o outro. Senão a escrita perde sua força ética e estética, seu conteúdo crítico e sua capacidade acadêmica e política.


O conhecimento, a reflexão, a aprendizagem coletiva é algo fantástico, apaixonante, solidária e contraditória. A Universidade acontece em sua rotina dinâmica, que ainda não é dialética porque ainda não é democrática, mas vai sendo nos espaços criados pela ousadia do pensar, que é dizer a sua palavra.

Autoria: Joselito do Zé, da Nair, de Rafael, De Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

Deficiência Acadêmica Adquirida e Ensino Superior

O professor da UFBA, Telésforo Martinez Marques, como indiquei no texto anterior, chama atenção para o sério e preocupante fenômeno da precarização do ensino superior na Bahia, através de sua publicação no jornal A Tarde, dia 24 de maio de 2010, cujo título, “Expansão midiática”, denuncia o descaso com que os governos e a sociedade tratam do fenômeno. Educação é coisa muito séria, pois é através dela que a sociedade prepara seus membros para atuar o melhor possível na solução dos problemas que ela mesma apresenta em seu desenvolvimento. O sistema educacional em todos os níveis e modalidades deve buscar atingir essa finalidade, através de projetos delineados com base na realidade concreta e não em fantasias de grandeza que constitui a grande ilusão de que o diploma representa conhecimento, onde a família do formado dá a big festa em comemoração à chegada do primeiro ou de mais um “diplomado” na mesma. O resultado dessas políticas públicas educacionais se percebe em estudantes chegando ao ensino superior semi-analfabetos, com pouca capacidade de inferência, reflexão rasteira, ojeriza à leitura – um texto com mais de cinco páginas é um horror para esses jovens -, entre outras distorções.

Essa percepção do despreparo dos estudantes é geral. Com a exceção de alguns nichos de competência e de alguns casos excepcionais, que, aleluia! ainda existem, há uma quantidade considerável de jovens universitários que deveriam voltar para aprender a ler, escrever e calcular na educação básica. Lido com estudantes cada vez menos propensos aos estudos. Pessoas que escrevem “grobalização” “apartir”, “proficional”, “anciedade”, entre outras – tenho as avaliações guardadas comigo para comprovar – que me dá uma ansiedade tremenda no papel de professor do ensino dito superior. Toda turma eu tenho que ensinar a maioria dos meus alunos a fazer uma redação simples, com elaboração correta do parágrafo, como unidade de idéias, contendo: afirmação, justificativa, ilustração e conclusão. Eu gostaria de saber quem corrige as redações desse pessoal no processo de seleção, cada vez mais precário. É cada vez mais difícil se trabalhar um sistema teórico mais complexo, pois a maioria dos estudantes ou não lêem ou não acompanham o raciocínio exigido para assimilação dos novos conteúdos, transformando-se em conhecimento a partir das interações acionadas na metodologia de ensino planejada didaticamente. Eu solicito que façam entrevistas com os colegas, mas as interpretações de tais entrevistas e as inferências daí retiradas, ou são superficiais ou são bastante equivocadas. Em toda avaliação tenho que deixar inicialmente de lado a consideração dos conteúdos propriamente ditos para corrigir aspectos como: pontuação, ortografia, concordância verbal e nominal, acentuação, entre outras. Depois é que começo a tratar das idéias apresentadas e de sua coerência com os conteúdos trabalhados.

Conheço alguns jovens, filhos de amigos e amigas, que fingem que fazem enfermagem e que nunca vi concentrados lendo um livro da área, dominando a linguagem acadêmica exigida para a interpretação e diagnóstico de casos clássicos de enfermidades. Fiz algumas perguntas e tive como resposta a fuga do estudante, se é que assim se pode chamar, para o mensseger e o orkut. O ensino superior, em sua precarização, potencializa a Deficiência Acadêmica Adquirida, cujos principais sintomas são a preguiça para ler, a pobreza na escrita, a baixa capacidade de reflexão sistematizada teoricamente, a vontade do diploma, a matrícula em disciplinas apenas para cumprir carga horária, o desejo pela nota, a rejeição pelo trabalho intelectual em função do esforço e da disciplina intelectual que ele exige, entre outros, indicam o estado de enfermidade em que se encontra o aluno. Em entrevista a um periódico da Faculdade Dom Pedro II, o diretor geral da Faculdade, Professor Luiz Brandão, afirma que 
Para obtermos um resultado realmente satisfatório com o ensino superior, seja aqui no Nordeste ou em outra região do país, é necessário que o Governo redobre a atenção com as escolas de ensino fundamental e médio. Na maioria das vezes os jovens chegam despreparados à educação superior e com sérias dificuldades de aprendizado. Um dos motivos são as dificuldades econômicas que os estudantes enfrentam durante a graduação. Para se ter uma idéia deste contexto, a cada oito alunos que ingressam no ensino superior apenas um irá concluir a graduação. (p. 03)
Nesse quadro acima descrito, nem a educação básica, nem o ensino superior cumprem a sua função social a contento. Os diplomas, outrora tão valorizados, não mais representam domínio seguro do conhecimento a ser acionado na compreensão do mundo e na solução dos problemas apresentados em cada área de atuação do “diplomado”. Evidente que a formação inicial não fornece todos os elementos que a experiência posterior irá trazer, porém, com uma relação teoria/prática precária, com a falta de infraestrutura básica, como laboratórios, bibliotecas, salas equipadas com datashow, vídeo, tv e aparelho de som, com a falta de alunos com uma formação básica de qualidade, além da falta do principal: professores bem preparados, remunerados adequadamente, com condições e vontade de trabalhar, o ensino superior se torna essa farsa, essa falsa formação que serve principalmente para aumentar os números, o quantitativo de jovens formados no ensino superior, para aparecer, seja na propaganda política desta e das próximas eleições, seja para mostrar às instituições internacionais, para inglês, francês, alemão, americano ver, e ocupar o lugar dos portadores de deficiência acadêmica, contraída na sociedade, civil e política, e infeccionada nas universidades baianas e brasileiras.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Educação Básica e Superior: uma relação precária


Diferentes reportagens veiculadas no jornal A Tarde chamaram minha atenção para a relação problemática entre o Ensino Superior e a Educação Básica. A primeira a ser lida, foi a que se seguiu ao título: “Alunos da zona rural se arriscam em ônibus precário para estudar” publicada na página A10, sexta-feira, 21 de maio de 2010. Nesta reportagem está clara a má vontade da Prefeitura em assegurar um transporte razoável para os referidos estudantes da zona rural de Santo Antônio de Jesus, Bahia. Teto furado, piso danificado, falta de freio, entre outros, revelam a negligência do poder público na garantia ao serviço de qualidade de educação pública. É uma verdadeira odisséia as crianças, jovens e adultos chegarem à sala de aula. E, quando chegam, o baixo rendimento escolar é o desdobramento principal. “Os alunos da zona rural sempre chegam atrasados, muitos até dormem sobre a mesa”, afirma uma professora de uma das escolas públicas municipais de Santo Antônio de Jesus. O poder público abandona os educandos à própria sorte, principalmente se estes não moram no centro e não tem organização política para exercer pressão em busca de melhores condições de acesso aos serviços básicos de saúde, educação, segurança, água e saneamento. A idéia de desenvolvimento humano passa longe das políticas públicas e do Estado em ação, no caso a Prefeitura, gerando problemas futuros que vão, quando conseguem passar pelas barreiras da gravidez precoce, das drogas, do tráfico, da violência de modo geral, bater às portas do ensino superior.

A reportagem seguinte refere-se à falta de mão de obra qualificada como um dos principais gargalos para o crescimento econômico, segundo o próprio Ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Segundo a reportagem – publicada no A Tarde no dia 23 de maio de 2010, página B4 com o título “Gargalos freiam o crescimento econômico” – “o mais grave é que não se trata apenas de preparo técnico ou especializado. Só 25% dos brasileiros dominam a escrita, a leitura e a matemática para se expressar e entender o que está à sua volta no contexto econômico e tecnológico atual. O dado é do Indicador de Analfabetismo Funcional 2009, realizado pelo Instituto Paulo Montenegro, braço sem fins lucrativos do Ibope.” Os estudantes que dormem nas salas de aula, cansados do trajeto e do transporte oferecido pelo poder publico; os educandos que não encontram professores competentes, que passaram por formações aligeiradas, os “professores sobrantes”, (ver Acácia Kuenzer) que adquiriram um diploma de graduação sem terem aprendido a fazer um plano de aula e desencadear um planejamento de ensino, baseado em avaliações diagnósticas, no currículo escolar e na função social da escola, delineada no projeto político-pedagógico da mesma, são indicadores da negligência, do descaso, do abandono de tudo o que se refere ao atendimento público às necessidades da população baiana e brasileira. A capacidade de leitura, de interpretação, de cálculo, de associação de idéias e mesmo o desejo e a vontade, tanto de professores, quanto de alunos, fica reduzida à superficialidade dos fenômenos da realidade contemporânea. Nesse contexto educacional resta às empresas importar mão de obra de outros países para atender suas necessidades e demandas produtivas.

O ensino superior é outro problema, decorrente deste modo do brasileiro levar a situação da educação no país no momento atual. Os governantes tratam deste problema com propaganda e negligência, onde a primeira maquia a segunda. A propaganda mostra uma realidade virtual baseada em números quantitativamente suspeitos. Números que apontam para um maior acesso à escola, transporte escolar de qualidade, recursos modernos de ensino, formação de professores em todo o Brasil, crianças devidamente fardadas, sorrindo, felizes de ver na TV a TV que te vê. Eu afirmei em outro texto que procuro a Bahia que os governos mostram na TV, em suas propagandas caríssimas, e não a encontro. Como professor que perambula por esse interior adentro, constato tristemente outra realidade. Os professores, empobrecidos, que não escrevem conforme os padrões socialmente aceitos, que mal conseguem associar idéias, interpretar alguns fenômenos utilizando os conceitos teóricos coerentemente, ensinam o que não sabem para seus alunos também pobres, alguns desses educandos apresentando distúrbios mentais devido ao sofrimento, à falta de uma família, de um pai presente e de uma mãe amorosa. Visito escolas com crateras no chão, que não me deixam esquecer as estradas esburacadas que enfrento em viagens longas e cansativas. Salas de aula com um filtro de água morna e apenas dois copos para uma turma de 30 a 35 crianças. Professores trabalhando com métodos que nem eles e elas conhecem, impostos por livros estranhos que vieram de programas e projetos que eles mesmos desconhecem em suas linhas gerais, sem um acompanhamento adequado, entre tantas outras observações que comprovam a negligência do poder público que a propaganda midiática esconde, criando um simulacro im-perfeito.

E por falar em midiático, o texto do professor da UFBA, Telésforo Martinez Marques, “Expansão midiática, veiculado no jornal A Tarde, dia 24 de maio de 2010, preocupa-se justamente com esse ensino superior que se expande Bahia adentro, sem levar em consideração o perfil dos estudantes, demanda qualitativa e quantitativa, as demandas dos setores produtivos da sociedade, o financiamento e a infraestrutura para o funcionamento normal e salutar de novos cursos e campi universitários no Estado da Bahia. Cita, como exemplo, a nota 1, pior avaliação, da Universidade Federal do Recôncavo no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e a situação precária da Universidade de Barreiras. Ora, toda essa realidade está entrelaçada por um ponto basilar. A falta de planejamento e gestão do sistema educacional brasileiro e baiano, fundamentados numa realidade concreta, baseada em dados, que o próprio Estado oferece na SEI (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia), subordinada à Secretaria de Planejamento, além dos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que exige um melhor preparo científico e tecnológico em função das demandas atuais e de projeções futuras para o crescimento experimentado pelo país nesses últimos anos, baseados em princípios técnicos, filosóficos e sociológicos, além de valores humanos que articulem coerentemente a educação básica e o ensino superior.

A educação básica sempre foi divorciada do ensino superior no Brasil. Tanto é que, num artigo que li sobre o assunto, cuja autora não recordo no momento, as lutas pela educação sempre foram distintas: as classes populares sempre lutaram por uma educação básica de qualidade, para que seus filhos e suas filhas tivessem acesso ao mercado de trabalho, horizonte imediato dessa faixa populacional. De outro lado, as lutas pelo ensino superior sempre mobilizaram as classes médias e camadas intelectuais da sociedade. Esse divórcio refletia e refratava a realidade do sistema educacional brasileiro, pelo menos até a década de 80 do século XX. A partir de uma ampliação quantitativa da educação básica, sem a devida preocupação com a garantia de qualidade que viria acompanhada de uma formação de professores de qualidade, com serviços de infraestrutura nos transportes, lazer, higiene, tecnologia, saúde infantil, bibliotecas, entre outros serviços e produtos que acompanham as necessidades educacionais do nosso tempo e da redução do vestibular como única forma de acesso ao ensino superior, houve uma articulação precária entre a educação básica e superior, feita ao sabor das ambições e conveniências políticas. Do mesmo modo, o ensino superior comete o mesmo “pecado”, ampliando seu acesso a inúmeros novos estudantes sem garantir a qualidade mínima exigida para tal empreitada. O perfil dos estudantes que estão chegando ao ensino superior reflete também todo esse descaso com o sistema educacional brasileiro, formando muitos profissionais no ensino superior em quantidade, porém sem a qualidade necessária para o exercício satisfatório de suas funções. A qualidade de todo esse processo reflete, inegavelmente, a própria cultura política do nosso país, que baseia seu sistema político e as decisões de seus representantes envolvidos em corrupção e em vilanias diversas, cuja qualidade encontra-se entre as mais baixas do mundo.

Autoria: joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

domingo, 23 de maio de 2010

Educação e Cultura: uma conversa preliminar


A definição e conceituação de cultura não é tarefa fácil. Prefiro a definição simples de Paulo Freire e Romanelli, talvez seja a preguiça intelectual confortável que me afeta agora. Segundo esses autores, a cultura é o resultado do processo de significação que o ser humano dá, inserido num determinado grupo sócio-cultural, aos fatos, acontecimentos e objetos à sua volta. O exemplo da pena do pássaro, dado por Paulo Freire em seu livro Educação como Prática de Liberdade demonstra, didaticamente, uma noção simples e elucidativa de cultura. Na ave, é natureza. Mas no braço ou na cabeça do índio, é cultura. Toda cultura é a expressão do processo de significação que determinados humanos, de determinado local, dá aos fenômenos do seu e de outros contextos. Toda cultura, portanto, tem seus vetores explicativos, suas "linhas de força". Para compreender o processo de significação, de produção cultural de uma determinada localidade é preciso apreender as tais "linhas de força" que definem o que é relevante e merece ser comentado e discutido, e, ao mesmo tempo, o que é irrelevante e que não merece consideração. Vou citar um exemplo retirado do livro de Rubem Alves, Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras, publicado pelas edições Loyola, citando, por sua vez, o pesquisador, ou pesquisadora, (esses nomes estrangeiros são difíceis de saber) Evans-Pritchard.

Em princípio achei estranho viver entre os azande e ouvir suas ingênuas explicações de infortúnios que, para nós, têm causas evidentes. Depois de certo tempo aprendi a lógica do seu pensamento e passei a aplicar noções de feitiçaria de forma tão espontânea quanto eles mesmos, nas situações em que o conceito era relevante. Um menino bateu o pé num pequeno toco de madeira que estava em seu caminho - coisa que frequentemente acontece na África -, e a ferida doía e incomodava. O corte era no dedão e era impossível mantê-lo limpo. Inflamou. Ele afirmou que bateu o dedo no toco por causa da feitiçaria. Como era meu hábito argumentar com os azande e criticar suas declarações, foi o que fiz. Disse ao garoto que ele batera o pé no toco de madeira porque ele havia sido descuidado, e que o toco não havia sido colocado no caminho por feitiçaria, pois ele ali crescera naturalmente. Ele concordou que a feitiçaria não era responsável pelo fato de o toco estar no seu caminho, mas acrescentou que ele tinha os seus olhos bem abertos para evitar tocos – como, na verdade, os azande fazem cuidadosamente – e que se ele não tivesse sido enfeitiçado ele teria visto o toco. Como argumento final para comprovar o seu ponto de vista ele acrescentou que cortes não demoram dias e dias para cicatrizar, mas que, ao contrário, cicatrizam rapidamente, pois esta é a natureza dos cortes. Por que, então, sua ferida teria inflamado e permanecido aberta se não houvesse feitiçaria atrás dela? (p. 18)
O diálogo entre o cientista e o azande é mediado pela cultura local, pelas suas linhas explicativas que dá sentido e significa todos os fenômenos, dos mais simples aos mais complexos. Vocês podem observar que, tanto a explicação do cientista quanto a do menino azande tem sentido, tem uma lógica cultural que dá significado. Por isso, quebra-se a ideologia da hierarquização entre culturas. Não existe cultura superior, nem cultura inferior: existem diferentes forças explicativas para os mesmos fenômenos. Em qualquer lugar há linhas de força que dão significados e imprimem sentidos aos eventos contemporâneos, desde uma febre, um choro repetido de uma criança, até o choque de partículas nucleares, recentemente levado a cabo por cientistas na Europa.

Outra coisa que gostaria de comentar brevemente é sobre a relação entre culturas. Li em algum lugar, não recordo a autora – era uma autora, isso eu sei –, que não existe cultura pura. Toda cultura é sempre o resultado de tradições que se mesclam e que ganham sentidos específicos em função de fatores sociais, econômicos, geográficos, políticos, religiosos, que os exigem e reforçam, entre outros. Nesse sentido, a idéia de “resgatar” uma cultura me parece errônea. Não é possível resgatar algo puro, fixo, estável, herdada, pois toda cultura está em permanente negociação, conversação com outras culturas. Nesse sentido, a relação entre culturas não poderia ser, nem a de proteger a “cultura oprimida” contra o avanço de culturas estranhas e estrangeiras, nem a de render-se deslumbradamente ao “novo”, como acontece comumente no Brasil, o país do herói sem caráter, o nosso Macunaíma de Mario de Andrade. Talvez o nosso maior problema seja este, achar que tudo que vem de fora é melhor e mais avançado do que o que é produzido por nós. Milton Nascimento e Fernando Brandt, já afirmavam em música conhecida que “ficar de frente pro mar e de costas pro Brasil não vai fazer desse lugar um bom país.” E é verdade! As vezes a gente ainda tem aquele comportamento dos índios em 22 de abril de 1500: de frente pro mar, deslumbrados com aquelas gigantescas canoas com asas que deslizavam soberanas sobre o mar infinito.

Na educação sistemática o fenômeno se repete. Nós, educadores, adoramos as “novidades” que são escritas por pesquisadores e filósofos estrangeiros. É Perrenoud (competências), é Fourstein (PEI), é Fulano e Sicrano. Mas esquecemos das contribuições inegáveis de pesquisadores, pedagogos e filósofos brasileiros e baianos. Poucos professores conhecem, de fato, o legado de Paulo Freire. Muitas vezes, quantas e quantas professoras com as quais trabalho em processo de formação, ou n’alguma palestra, vêm exigindo “novidades”. Eu retruco, afirmando que tem muitas coisas velhas que são válidas e são mal aproveitadas em nossas práticas educativas. E aí cito este verso, que tive acesso através da novela Laços de Família, na qual Toni Ramos, por fazer um personagem dono de livraria, recitou.


Lenha Velha pra queimar
Vinho velho pra beber
Um velho amigo pra conversar
Um velho amor para viver

O que é velho também é bom. Na verdade, toda novidade nasce da indagação das velhas idéias, dos velhos conceitos e noções. Estou procurando, cada vez mais, trabalhar nesse sentido, mostrando que a novidade aparece, ou seja, é produzida, pela nossa curiosidade sistematicamente dirigida e orientada para os fenômenos do nosso cotidiano, entre eles, os educativos, sobre ensino, aprendizagem, inteligência, função social da escola, entre tantas outras coisas. E é nessa perspectiva que passo a comentar o papel da escola pública ou privada diante do fenômeno da cultura, pois compreendo que a escola ainda é a principal agência socializadora sistemática de cultura, principalmente para as classes populares. (ah, não comentei sobre a influência da televisão, pois não tenho idéia de seu papel na contemporaneidade)

A função social da escola é educar em três dimensões: a política, a humana e a técnica. A cultura é entrelaçada neste processo. Uma escola da zona rural, por exemplo, deve estar comprometida com a cultura local, partindo desta e assegurando seu domínio e valorização por todos, sem no entanto, como frisei acima, protegê-la da relação com outras culturas, caso contrário, a escola estará negligenciando uma de suas funções sociais. O ideal seria partir sempre dos “achados” das crianças, jovens e adultos, a fim de ir valorizando, problematizando e comparando com outras abordagens e perspectivas culturais, permitindo aos educandos que percebam as principais abordagens.

A escola, portanto, tem de procurar conhecer a política cultural da comunidade/sociedade em que está inserida. Para isso, a escola – seus funcionários, administradores e professores - tem de ser educada também, acionando um projeto político-pedagógico e um currículo comprometido em valorizar, de antemão, as perspectivas culturais locais em relação permanente com as demais influências culturais que compõem o cenário atual do nosso processo civilizatório.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sobre Professores

Segundo Carlos Rodrigues Brandão – como já me referi neste espaço – não existe apenas uma educação: a melhor, a mais apropriada, a “superior”. Educações é o termo mais apropriado para explicar os múltiplos e diferentes processos educativos em diferentes situações, circunstâncias e modelos culturais. Desde que nasce, o surumano, melhor, o ser humano, começa um processo de diferenciação que o vai tornando um membro da civilização a qual pertence. Vai afastando-se dos demais animais e da natureza e se aproximando da fina flor da humanidade, em parte dos casos, é claro, como o bem demonstra as situações empíricas. Dentre todos os animais, a espécie homo sapiens sapiens é a que mais demora para ganhar determinada autonomia a partir do momento em que nasce. Sem um processo educativo, por mais rudimentar que seja, esta espécie não sobreviveria muito tempo.

Não foram músculos e garras que tornaram o sapiens sapiens dominante, foi a inteligência abstrata. Se os leões e os orangotangos tivessem um pouquinho de pensamento abstrato nós seríamos meros estoques de carne ou escravos de tais poderosos animais, aliás, o filme Planeta dos Macacos sinaliza isto. É justamente por isso que a educação é fundante no processo de humanização e preservação da espécie. Desde a educação informal e assistemática que se dá nos vários processos sociais, das relações familiares às de vizinhança, até a mais sofisticada pós-graduação nas universidades mais respeitadas do mundo. É preciso, contudo, ressaltar que vivemos num mundo contemporâneo que não prescinde da formação sistemática e formal que se dá nas instituições públicas e privadas de ensino. Sem esta, o sujeito vai ter sérios problemas para inserir-se nos complexos processos sociais do nosso tempo cada vez mais digital. Claro, sempre haverá espaço para o trabalho braçal. Porém, esse espaço vai sendo reduzido cada vez mais pelas impressionantes novas tecnologias criadas e desenvolvidas pela humanidade. Ontem vi um reportagem sobre os tratores que estão sendo comercializados para o trabalho agrícola. Parecem naves espaciais e fazem mil coisas, superando o trabalho braçal e exigindo que o trabalhador se prepare para seu uso eficaz e eficiente. Sem um processo formativo orientado e sistemático, inclusive para o indivíduo aprender a ler, decodificar e interpretar símbolos que os painéis digitais exibem, fica uma tarefa “difícil, dificílima”, sua operacionalização adequada.

E quem vai formar esse esperado sujeito exigido por esse "admirável mundo novo"? É o professor. Este último entra no processo econômico, social e cultural numa posição estratégica. O professor faz parte dessa dinâmica complexa e é responsável por mediar o surgimento desse ser humano com as habilidades, comportamento, valores e crenças, modos de agir e de fazer contemporâneo. É o professor quem vai planejar os processos, a partir de avaliações diagnósticas adequadas, preparando os educandos para responder satisfatoriamente aos desafios ecológicos, tecnológicos, políticos, culturais e sociais do seu tempo. A educação sistemática, intencional e formal é a arte de transformar um sapiens sapiens num ser humano. É o que Vygotsky chama de passagem do biológico para o sócio-histórico. E quem está provocando, dirigindo, orientando, mediando esta passagem: o professor, o educador. Daí a importância crucial para a humanidade desse profissional da educação. Do professor depende a continuidade cultural, econômica, social e antropológica da civilização. Por mais que haja críticas ao corpo docente, por mais que haja dificuldades e problemas de ordens diversas, ninguém tem condições de afirmar que o professor é prescindível. Só existe uma sociedade porque houve e há processos educativos que nos permitiram chegar a esse ponto. E quando a gente vai fazer uma arqueologia do saber, ou uma simples investigação histórica, o professor, a professora, aparece na cena tecendo, esperançosamente, os fios do seu povo, da sua gente. Uma sociedade que despreza, desvaloriza, esquece seus educadores, está fadada a retornar aos estágios mais baixos de seu processo civilizatório e se perder no tempo.

Inegavelmente, Seu José Benedito e o professor Ático exercem um papel simbólico e prático da mais alta relevância social e cultural em Macaúbas, além de tantos outros que não conheço, dos tantos e das tantas que desenvolvem seu trabalho discreta e pacientemente em cada sala de aula, em cada espaço pedagógico que aparece quando duas pessoas ensinam e aprendem num processo interativo salutar. Educar é uma tarefa preciosa. De um ser, dado em sua filogênese, nos marcos hereditários de sua espécie, nasce um segundo ser, o humano, num segundo parto, cuja maternidade é a escola, e cuja parteiro(a) é a professora, o professor. Para desenvolver satisfatoriamente seu papel, tal profissional da educação necessita estar bem, sentir-se valorizado pela sociedade a qual pertence, ganhar um salário decente, que lhe permita participar de encontros em sua área, comprar livros, fazer sua pós-graduação, entre outras. Inclusive cuidar de si mesmo(a), tendo um salário que lhe permita viajar, cuidar da saúde, ter uma casa confortável – conforto não significa luxo, alimentar-se bem, ir a um teatro, cinema, entre outras necessidades, afinal, como cantam os Titãs, “a gente não quer só comida, a gente quer bebida diversão e arte”.

Entretanto, as políticas públicas e o sistema educacional atual são feitos para espantar jovens promissores, futuros educadores que poderiam dar excelentes contribuições na área. Não está valendo a pena ser professor nos dias atuais, nem da rede pública, nem da privada. Ser professor é ser bem pobre. É não ter livros – que paradoxo!; é ficar sempre devendo ao final do mês, é, como afirma João Cabral de Melo Neto, “[...]Tentar despertar algum roçado das cinzas”. Os jovens fogem da sala de aula, pois, inteligentes que são, sabem que esse espaço está abandonado pela sociedade, sabe que os atores desse espaço são tratados a pão e água pelos governos nas diferentes esferas de poder, pois é melhor juntar três ou quatro e elaborar uns axé’s dançantes, como são conhecidos, que debruçar-se sobre livros e seres a serem humanos, a fim de produzir sua existência.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

Olhar de Soslaio

Você com seu olhar de riba
vê o que apenas
para muito abaixo

Você faz o seu retrato
que não corresponde
ao que é de fato

Seu olhar de soslaio
tem um jeito lacaio
de dar sentido às coisas

Pensa a partir do alto
e olha para baixo
como quem condena

Faz seu julgamento
sem olhar no espelho
da sua condição

Sempre com uma oblíqua
você não reflete
a situação.

Seu olhar é coitado
olhar lamentável
de débil visão.

O que você vê e o que enxerga
é você mesma: pobre,
pobre criatura.

O seu olho sente
o cheiro de sua merda
que sua mente defeca.

E você, com sua miopia
pensa que o odor
vem da freguesia.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel







quinta-feira, 20 de maio de 2010

Amor e Morte

O enterro da minha mãe foi um dia de calma e paz. Ao redor de seu corpo estavam vizinhos, curiosos e demais parentes que moravam distantes no tempo e no espaço. Havia flores brancas e vermelhas e um silêncio oceânico entremeado por brisas de palavras e o ruído surdo dos abraços. Foi um dia de paz e calma, pois o câncer corroía não somente as entranhas de minha mãe, mas também as sinapses dos neurônios, as células do fígado e os músculos do coração de seus filhos sadios ao redor de seu leito de morte. Rezamos, mesmo quem não acredita muito como eu, mas a reza era despedida de nossa matriarca ao redor de nossas mãos entrelaçadas de solidariedade filial. No dia do enterro o corpo presente indicava a vida ausente e presidia as relações naquele quarto de passagem e despedida. Vida que fora tão singular e tão significativa. Vida insubstituível para os filhos e a filha. Vida que se deu para salvaguardar a vida dos seus. Ao redor do corpo havia cânticos, lágrimas sem desespero, abraços solidários, silêncios cheios de sentidos de todos e cada um. Não havia doutores nem comuns, não havia sábios nem imprudentes. Só humanos tecidos em torno do fio daquela vida que agora era morte. Só havia humanos diante do mistério profundo da vida e da morte, que ali, mais uma vez, apresenta-se como um texto vivo.

Depois fomos para casa, agora ôca, onde eu ainda morava. Minha mãe ficaria por ali por um tempo em silêncio completo.  No café da manhã, sentada à mesa da cozinha, ela foi se despedindo. Boa parte de nossa vida foi tecida naquele pequeno espaço, num tempo infinito de amor entre mãe e filho. Até então eu não havia percebido que quando uma pessoa amada morre leva consigo uma parte da casa, que morre também com ela. Minha mãe levara a cozinha e o quintal. Este último ela varria todas as manhãs. Meu olhar e meu ouvido, acostumados àquela rotina, não abriram mais as portas de si mesmos para perceberem o quintal que não mais havia. No quintal que foi levado, resta um chão cheio de folhas da goiabeira, onde formigas e aranhas tecem o destino da vida que continua sendo tecida em seus frágeis, mas insistentes fios. 
Um poeta, Leopardi, afirma que "há duas coisas belas no mundo: amor e morte". Esse verso, que dá título a este texto breve, lembrou o enterro da minha mãe. Foi um belo funeral. É justamente assim que desejo ir também: no rastro da última beleza que, involuntariamente, eu possa proporcionar ao mundo. 

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.    

domingo, 16 de maio de 2010

AS PORTAS


Uma porta é a mediação entre dois espaços, entre duas realidades, entre dois cômodos, e, possivelmente, entre a vida e a morte. Uma porta é um umbral, que nos permite uma escolha fundamental: a passagem para outra situação, ou a recusa em abri-la e continuar no mesmo espaço e na mesma condição em que se encontra. Lembro-me agora da piada de um personagem de um programa humorístico, quando os programas humorísticos tinham humor. Um sujeito chegava para o outro e afirmava que o Tio dele havia criado uma invenção que dava para ver através da parede. O interlocutor ficava espantado e admirado e perguntava qual seria o nome dado a tão maravilhosa invenção. Ao que o primeiro respondia: - Janela. Uma porta, do mesmo modo, e de certa forma, é uma invenção que dá para outra realidade separada por um limite, que pode ser uma parede, um muro alto, uma idéia, uma crença, uma dita-dura ou mesmo uma dita-mole. Ao cruzá-la, os dados estão lançados e muita coisa pode mudar numa simples passagem.

Há portas dentro de nós. Muitas. Há portas que não podem ser abertas nunca, e há portas que devem ser cruzadas em cada fase de nossa breve existência. Há uma porta que eu ainda não cruzei, mas que deveria. Não sei. Não há motivo razoável para não cruzá-la, talvez o inconsciente esteja recusando uma dor longíqua, talvez minha psique tenha sido construída desse jeito em função do processo vivido. Cada pessoa constrói seus mundos em função da forma como foi tratada durante, principalmente, sua infância. Eu assisti recentemente o filme “O Contador de Histórias”, que narra a vida de Roberto Carlos, que foi adotado por uma francesa e, ao longo desse processo, construiu, a tempo, outra subjetividade emancipatória, tornando-se um dos maiores contadores de história do nosso tempo. O filme emociona, pois vai mostrando como o amor sincero salva pessoas e, ao mesmo tempo, denuncia como a FEBEM e outras instituições similares, através de seus gestores, “educadores” e profissionais diversos, transforma crianças em marginais e, depois, numa atitude perversa, impinge às próprias crianças, a responsabilidade por essa passagem, por atravessarem essa maldita porta. Parece aquele professor, aquela professora que não sabe ensinar e se desculpa afirmando que é o educando que não sabe aprender. É um truque sujo. Por isso eu repito que quem deveria ter um melhor preparo e uma melhor remuneração deveriam ser os professores da Educação básica, não os do ensino superior. Claro, e também uma melhor coordenação e supervisão, garantindo um desenvolvimento adequado e bem planejado das atividades educativas.

Mas eu me referia a portas. Algumas escolas forçam seus educandos a abrirem portas que estes não desejam, portas que não levam a lugar que tenham significados em suas vidas. Toda atividade educativa deveria levar a portas que fossem, verdadeiramente, a passagem entre suas vidas concretas e a vida acadêmica, entre o biológico e o sócio-histórico. O saudoso mestre Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à docência refere-se a duas passagens: uma de caráter epistemológico: a da curiosidade ingênua para a curiosidade epistemológica e a segunda, de ordem política, a da heteronomia dependente para a autonomia responsável. E ele mesmo adverte que não se trata de ruptura, mas de passagem. A ruptura nega o educando enquanto sujeito de saberes porque desconsidera tudo o que ele já traz para a escola antes mesmo de chegar a ela. Nega o educando também enquanto sujeito político, que pensa, decide, arrisca, posiciona-se diante das circunstâncias, retrocede, por sabedoria ou medo. A porta que o educando deveria atravessar rumo à sua emancipação, muitas vezes é fechada pela escola que deveria abri-la. E muitas vezes ela nem é fechada com carinho, com respeito, mas batida com força, com violência sobre o desejo e a curiosidade natural que todo educando tem diante do mundo. Quando muitos educandos cruzam os portões da escola, que são portas grandes, são obrigados a deixar para trás suas vidas, suas emoções, seus desejos, ou seja: devem deixar de ser humanos e se tornarem máquinas de aprender.

Um dos grandes problemas da humanidade contemporânea é que a mesma aprende apenas a ultrapassar as portas largas. Portas largas são escolhas fáceis, menos cansativas, melhores para resolver nossos problemas individuais e imediatos. A Bíblia trata desta questão, incintando-nos a escolher a porta estreita. Mas o problema é que a sociedade baiana e brasileira, dita cristã, apenas nos ensina a escolher as portas largas. Eu me sinto tentado também a fazê-lo, abrir a porta mais fácil e entrar nela sem arrependimento. Quando eu vou estacionar no shopping a porta larga aparece na vaga exclusiva para idosos e portadores de deficiência. Sinto-me tentado a economizar combustível e tempo, resolvendo meu problema imediatamente. A porta larga está logo ali, chamando, convidando à transgressão. Venha Joselito! Venha! A vaga pode ser sua. Se você não ocupar outro o fará. É assim mesmo, já está tudo perdido. Esse mundo é um inferno mesmo. Mas eu, no momento atual, fico pensando que a abertura daquela porta vai fechá-la para quem precisa realmente passar por ela. Penso em deixar de preparar a aula para o dia seguinte, pois poderia aproveitar meu tempo para assistir aquele filminho no cinema. A facilidade ao prazer é um convite sedutor. Mas, fazer essa passagem vai fechá-la para os alunos que precisam de minha dedicação, responsabilidade e competência. Então vou pela estreita. E são tantas as portas largas que se abrem e se oferecem sedutoramente para a gente cruzá-las. É fácil, dá prazer, reduz os obstáculos, traz conforto imediato. Mas é errado! Pagamos alguma coisa com isso, pois prejudica toda a sociedade. Reportagem hoje, domingo, 16 de maio de 2010, veiculada no jornal A Tarde, Página B10, mostra os resultados de um estudo sobre noções de justiça e altruísmo em vários povos do mundo, conclui que “Se você desenvolver normas para ser mais justo com as pessoas além de sua esfera social, explica Joseph Henrich, isso cria enormes vantagens econômicas permite que uma sociedade cresça.” O que, talvez, precisamos entender, é que a moeda mais valorizada de qualquer mercado é a CONFIANÇA. Uma sociedade que não confia em suas leis, em sua justiça, em seus membros, em suas regras, é uma sociedade doente e paupérrima. Creio que a nossa, apesar de todas as conquistas que tivemos nos últimos tempos, ainda se encontra, de modo geral, nesse estágio precário da existência.

Ainda, portanto, estamos atravessando a porta larga, evidenciando nosso moralismo e nossa hipocrisia. Apontamos o dedo em riste para o outro, mas, quando podemos, cometemos nossos pequenos crimes, burlando a lei e ferindo o direito dos outros com pequenas passagens pela portas que se alargam diante das circuntâncias, que não hesitamos em atravessá-las.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

sábado, 15 de maio de 2010

Amor Recente

Tenho um amor recente
daquele de espanto.
Esse amor necessita
um canto para celebrá-lo.

Tenho um amor recente
amor decente que não se esconde,
nem mesmo evita o perigo:
segue adiante.

Esse instante inesperado,
mas muito bem acontecido
tem aquecido minha rotina
que tava morna

E a cada instante que se segue
esse amor cresce naturalmente
sem encontrar proibição
no jeito do sinceramente.

E amor é amor
não pára, nem respira,
só suspira e curte
cada instante onde acontece

Amor acontece simples:
não pode ser de outro modo
de outro modo não seria
e, sendo assim,
o amor é o seu próprio guia.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.