segunda-feira, 24 de maio de 2010

Educação Básica e Superior: uma relação precária


Diferentes reportagens veiculadas no jornal A Tarde chamaram minha atenção para a relação problemática entre o Ensino Superior e a Educação Básica. A primeira a ser lida, foi a que se seguiu ao título: “Alunos da zona rural se arriscam em ônibus precário para estudar” publicada na página A10, sexta-feira, 21 de maio de 2010. Nesta reportagem está clara a má vontade da Prefeitura em assegurar um transporte razoável para os referidos estudantes da zona rural de Santo Antônio de Jesus, Bahia. Teto furado, piso danificado, falta de freio, entre outros, revelam a negligência do poder público na garantia ao serviço de qualidade de educação pública. É uma verdadeira odisséia as crianças, jovens e adultos chegarem à sala de aula. E, quando chegam, o baixo rendimento escolar é o desdobramento principal. “Os alunos da zona rural sempre chegam atrasados, muitos até dormem sobre a mesa”, afirma uma professora de uma das escolas públicas municipais de Santo Antônio de Jesus. O poder público abandona os educandos à própria sorte, principalmente se estes não moram no centro e não tem organização política para exercer pressão em busca de melhores condições de acesso aos serviços básicos de saúde, educação, segurança, água e saneamento. A idéia de desenvolvimento humano passa longe das políticas públicas e do Estado em ação, no caso a Prefeitura, gerando problemas futuros que vão, quando conseguem passar pelas barreiras da gravidez precoce, das drogas, do tráfico, da violência de modo geral, bater às portas do ensino superior.

A reportagem seguinte refere-se à falta de mão de obra qualificada como um dos principais gargalos para o crescimento econômico, segundo o próprio Ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Segundo a reportagem – publicada no A Tarde no dia 23 de maio de 2010, página B4 com o título “Gargalos freiam o crescimento econômico” – “o mais grave é que não se trata apenas de preparo técnico ou especializado. Só 25% dos brasileiros dominam a escrita, a leitura e a matemática para se expressar e entender o que está à sua volta no contexto econômico e tecnológico atual. O dado é do Indicador de Analfabetismo Funcional 2009, realizado pelo Instituto Paulo Montenegro, braço sem fins lucrativos do Ibope.” Os estudantes que dormem nas salas de aula, cansados do trajeto e do transporte oferecido pelo poder publico; os educandos que não encontram professores competentes, que passaram por formações aligeiradas, os “professores sobrantes”, (ver Acácia Kuenzer) que adquiriram um diploma de graduação sem terem aprendido a fazer um plano de aula e desencadear um planejamento de ensino, baseado em avaliações diagnósticas, no currículo escolar e na função social da escola, delineada no projeto político-pedagógico da mesma, são indicadores da negligência, do descaso, do abandono de tudo o que se refere ao atendimento público às necessidades da população baiana e brasileira. A capacidade de leitura, de interpretação, de cálculo, de associação de idéias e mesmo o desejo e a vontade, tanto de professores, quanto de alunos, fica reduzida à superficialidade dos fenômenos da realidade contemporânea. Nesse contexto educacional resta às empresas importar mão de obra de outros países para atender suas necessidades e demandas produtivas.

O ensino superior é outro problema, decorrente deste modo do brasileiro levar a situação da educação no país no momento atual. Os governantes tratam deste problema com propaganda e negligência, onde a primeira maquia a segunda. A propaganda mostra uma realidade virtual baseada em números quantitativamente suspeitos. Números que apontam para um maior acesso à escola, transporte escolar de qualidade, recursos modernos de ensino, formação de professores em todo o Brasil, crianças devidamente fardadas, sorrindo, felizes de ver na TV a TV que te vê. Eu afirmei em outro texto que procuro a Bahia que os governos mostram na TV, em suas propagandas caríssimas, e não a encontro. Como professor que perambula por esse interior adentro, constato tristemente outra realidade. Os professores, empobrecidos, que não escrevem conforme os padrões socialmente aceitos, que mal conseguem associar idéias, interpretar alguns fenômenos utilizando os conceitos teóricos coerentemente, ensinam o que não sabem para seus alunos também pobres, alguns desses educandos apresentando distúrbios mentais devido ao sofrimento, à falta de uma família, de um pai presente e de uma mãe amorosa. Visito escolas com crateras no chão, que não me deixam esquecer as estradas esburacadas que enfrento em viagens longas e cansativas. Salas de aula com um filtro de água morna e apenas dois copos para uma turma de 30 a 35 crianças. Professores trabalhando com métodos que nem eles e elas conhecem, impostos por livros estranhos que vieram de programas e projetos que eles mesmos desconhecem em suas linhas gerais, sem um acompanhamento adequado, entre tantas outras observações que comprovam a negligência do poder público que a propaganda midiática esconde, criando um simulacro im-perfeito.

E por falar em midiático, o texto do professor da UFBA, Telésforo Martinez Marques, “Expansão midiática, veiculado no jornal A Tarde, dia 24 de maio de 2010, preocupa-se justamente com esse ensino superior que se expande Bahia adentro, sem levar em consideração o perfil dos estudantes, demanda qualitativa e quantitativa, as demandas dos setores produtivos da sociedade, o financiamento e a infraestrutura para o funcionamento normal e salutar de novos cursos e campi universitários no Estado da Bahia. Cita, como exemplo, a nota 1, pior avaliação, da Universidade Federal do Recôncavo no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e a situação precária da Universidade de Barreiras. Ora, toda essa realidade está entrelaçada por um ponto basilar. A falta de planejamento e gestão do sistema educacional brasileiro e baiano, fundamentados numa realidade concreta, baseada em dados, que o próprio Estado oferece na SEI (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia), subordinada à Secretaria de Planejamento, além dos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que exige um melhor preparo científico e tecnológico em função das demandas atuais e de projeções futuras para o crescimento experimentado pelo país nesses últimos anos, baseados em princípios técnicos, filosóficos e sociológicos, além de valores humanos que articulem coerentemente a educação básica e o ensino superior.

A educação básica sempre foi divorciada do ensino superior no Brasil. Tanto é que, num artigo que li sobre o assunto, cuja autora não recordo no momento, as lutas pela educação sempre foram distintas: as classes populares sempre lutaram por uma educação básica de qualidade, para que seus filhos e suas filhas tivessem acesso ao mercado de trabalho, horizonte imediato dessa faixa populacional. De outro lado, as lutas pelo ensino superior sempre mobilizaram as classes médias e camadas intelectuais da sociedade. Esse divórcio refletia e refratava a realidade do sistema educacional brasileiro, pelo menos até a década de 80 do século XX. A partir de uma ampliação quantitativa da educação básica, sem a devida preocupação com a garantia de qualidade que viria acompanhada de uma formação de professores de qualidade, com serviços de infraestrutura nos transportes, lazer, higiene, tecnologia, saúde infantil, bibliotecas, entre outros serviços e produtos que acompanham as necessidades educacionais do nosso tempo e da redução do vestibular como única forma de acesso ao ensino superior, houve uma articulação precária entre a educação básica e superior, feita ao sabor das ambições e conveniências políticas. Do mesmo modo, o ensino superior comete o mesmo “pecado”, ampliando seu acesso a inúmeros novos estudantes sem garantir a qualidade mínima exigida para tal empreitada. O perfil dos estudantes que estão chegando ao ensino superior reflete também todo esse descaso com o sistema educacional brasileiro, formando muitos profissionais no ensino superior em quantidade, porém sem a qualidade necessária para o exercício satisfatório de suas funções. A qualidade de todo esse processo reflete, inegavelmente, a própria cultura política do nosso país, que baseia seu sistema político e as decisões de seus representantes envolvidos em corrupção e em vilanias diversas, cuja qualidade encontra-se entre as mais baixas do mundo.

Autoria: joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

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