terça-feira, 25 de junho de 2013

Sin City sem charme

Artigo da professora e pesquisadora da Escola de Administração da UFBA, Bete Santos, publicado no jornal A Tarde de ontem, 24/06/2013, refere-se ao problema da criação do Conselho da Cidade de Salvador. Destacarei alguns trechos a fim de comentar, brevemente, sobre política, poder e participação. Segundo Santos (2013)

Recentemente a imprensa noticiou que representantes do governo estadual e municipal, bem como empresários, estão receosos de que o Conselho da Cidade do Salvador volte a ter caráter deliberativo. De que eles têm medo? Provavelmente de serem obrigados a submeter projetos de intervenção na cidade à discussão de entidades organizadas da sociedade civil. (SANTOS, 2013, p. A2)

É preciso enfrentar esse “receio” dos empresários, da prefeitura e dos políticos do estado com ampla participação. Mas o que é mesmo participar? segundo Habermas (1975, p.159), “significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação discursiva da vontade.” interpretando-o, Catani e Gutierrez nos diz que “participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano de ação coletivo.” Contudo, grupos interessados em aprovar leis que lhes favoreçam erigem vários obstáculos que dificultam e, na prática, proíbem a participação. Criam mecanismos de interdição da palavra, e obscurecem as decisões utilizando, entre outras coisas, linguagens hermeticamente fechadas, acessível apenas a advogados e pessoas ligadas à área. Nesses dias brasileiros a participação está voltando forte. Mas é preciso que a população dê substância às instituições, vigiando-as, participando efetivamente de seu processo e examinando o cumprimento de sua função social, como é o caso do Conselho da Cidade do Salvador.  

Não podemos deixar que o “plano de ação coletivo” seja esvaziado por interesses privados e autoritários, pois

O que leva secretários de governo do estado e do município a compartilharem com representantes do setor imobiliário a preocupação de que projetos como o do metrô, do viaduto do Imbuí, dentre outros, possam ser discutidos no Conselho, tirando a “autonomia” da prefeitura e do governo do estado? Quais interesses estão ameaçados com essa perda de “autonomia”? (SANTOS, 2013, p. A2)

Leva à corrupção, à satisfação de grandes interesses imobiliários, à construção desenfreada e inconsequente de edifícios e mais edifícios para classes sociais abastadas com seus carrões entupindo as ruas e seus metros quadrados de conforto, destruindo o resto de mata atlântica que ainda resta na cidade. Para isso, é preciso que as decisões sobre a cidade de Salvador sejam tomadas nas sombras dos gabinetes, onde transitam interesses milionários do poder econômico em detrimento do poder popular, comunitário.

O princípio do Estado consiste na obrigação política verticalmente entre cidadãos e Estado. O princípio do mercado consiste na obrigação política horizontal individualista e antagônica entre os parceiros do mercado. O princípio da comunidade consiste na obrigação política horizontal solidária entre membros da comunidade e associações. (SANTOS, 2001, p.50)
O esvaziamento da construção coletiva do consenso quanto a um plano de ação coletivo significa que a irracionalidade sedenta de lucros do poder econômico do setor imobiliário de Salvador entra em conluio com o governo para utilizar o estado a favor dos seus interesses privados, em detrimento do princípio da comunidade. Resultado: exclusão dos membros da comunidade e de suas associações e desprezo pela “obrigação política horizontal solidária” que se requer para a construção permanente de uma cidade que seja de todos na prática e não apenas em propagandas e discursos enganosos.

O governo estadual e o governo municipal deveriam se preocupar com os gritos das ruas, com o desejo de democratização de conselhos, inclusive os conselhos municipais e estaduais de educação que analisam e fazem um julgamento preliminar da aplicação dos recursos do FUNDEB na educação do município e do estado, respectivamente, de no mínimo 25% dos impostos arrecadados, vinculados ao setor. O governo estadual e o governo municipal deveriam estar preocupadíssimos com um metrô que ficou entregue aos empresários e governos anteriores e ainda não andou um milímetro, apesar de já ter consumido perto de um bilhão de dinheiro da população baiana e brasileira. Definitivamente, a racionalidade dos empresários e dos políticos, baseado no princípio de mercado livre, sem fiscalização e controle, além de um sistema político também supostamente autônomo e sem controle é o que gera tantas e tantas mazelas para esta cidade em decadência, uma Sin City sem o charme criminoso da ficção. “Autonomia” não é independência. Autonomia exige acompanhamento, monitoramento, fiscalização, controle público com efetiva participação de membros dos Conselhos criados para que a democracia sobreviva às alianças espúrias entre governos e empresários, que ativam sua irracionalidade contra o meio ambiente e contra a participação popular nas decisões relevantes sobre a cidade.

O fim do silêncio das ruas, depois de uma década, traz novas luzes a estes tempos de indefinição de projetos políticos e de generalizada perplexidade. É preciso reinventar a gestão do paço, da cidade. Estamos, agora, constatando o esvaziamento, o envelhecimento, precoce talvez, das formas de participação construídas nas últimas décadas. A manifestação das ruas, explosiva, desconcertante, contraditória, alvissareira, indica claramente a urgência de reinventar nossas tradicionais formas de representação, de reinventar a política, e não será retrocedendo que iremos construir uma cidade melhor. (SANTOS, 2013, p. A2)

Uma cidade se constrói com a participação ativa do seu povo, inclusive nas instituições criadas para esse fim, tais como o Conselho da Cidade de Salvador, e os Conselhos Municipais e Estaduais de Educação. A participação aciona o poder soberano, amadurece a qualidade política de um povo, legitima as decisões tomadas pelo grau de democracia contido no processo, afinal, como afirma Pedro Demo (2006, p.40): “o controle democrático é a alma da qualidade democrática.” A qualidade democrática de uma cidade é um de seus maiores bens, bem maior que qualquer estádio, que qualquer ponte, que qualquer trem, que qualquer edifício majestoso de uma selva de pedra.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes, de Salvador, de Jacobina, de Macaúbas e de Jesus, O Emanuel. Com o auxílio de

DEMO Pedro. Pobreza política: a pobreza mais intensa da pobreza brasileira. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
SANTOS, Bete. O paço livre. A Tarde, Salvador, A 2, 24 jun. 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente. São Paulo, SP: Cortez, 2001.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

E o Papa: Ainda é Pop? Ou PLOC!

E lá vem o Papa com a "jornada mundial da juventude..." Será que é a mesma juventude indignada e aguerrida que está nas ruas? Será que o Papa falará sobre corrupção, IDH baixo dos brasileiros, impunidade, as leis frouxas do país, extorsão da população brasileira pelo estado através dos impostos? Falará sobre justiça e injustiça? Falará sobre o papel político e ideológico da juventude no mundo contemporâneo? Será que o Papa falará sobre a destruição do meio ambiente no Brasil? Será que vai falar sobre o amordaçamento do Ministério Público? Será? Ou será que Ele vai preferir não se comprometer com as “otoridades” brasileiras e vai falar sobre os mesmos temas generalistas de fé – desencarnada da vida -, resignação diante do sofrimento, salvação – após a morte -, sexo antes do casamento, homossexualismo, drogas, etc. Sobre o que o Papa vai falar? Sobre o que o Papa não vai falar? Sua palavra e seu silêncio terá impacto em nossa recepção política e ideológica? A vinda do Papa ao Brasil, é baseada em que análises católicas? É devido à perda de fiéis, não tão fiéis assim?

Do mesmo modo, o que os jovens católicos irão discutir? Quais são os temas que irão abordar e quais são os problemas que irão enfatizar? Irão fingir que não estão em nosso país e vão abordar temas alheios à nossa efervescência política? Vão conseguir retomar a ligação entre fé e vida? Entre céu e terra, entre Deus e os seres humanos? Será que nossos e nossas jovens aprenderam a rezar o Pai Nosso? É. Leonardo Boff quem me ensinou. A primeira parte da oração diz respeito às coisas de Deus: O Pai, a santificação do Seu Nome e a satisfação de Sua vontade. Depois as coisas humanas, que Deus mesmo reconhece como legítimas, apesar de muitas igrejas católicas e evangélicas não reconhecerem: o pão, necessário à nossa sobrevivência – entenda-se o salário decente, o transporte público de qualidade, a educação necessária para nossa formação e profissionalização, o acesso a um sistema de saúde eficiente e eficaz, etc. – o perdão fundamental, pois, precisamos nos perdoar, perdoar o outro e ser perdoados para sermos felizes; a força divina contra as tentações – a tentação de roubar utilizar o público para fins privados, a tentação de trair nossos colegas por “30 moedas de ouro”, a tentação de ficar em casa na frente do sofá assistindo a Globo, vendo a história passar diante dos nossos olhos, etc. – e a proteção maior contra o mal, para não sucumbirmos definitivamente num país cheio de violências que tiram milhares de vidas todos os anos, na maioria vidas de jovens negros das periferias desse país.

Rezar o Pai Nosso é se comprometer com a vida, com a história, com a justiça concreta, com tudo o que ocorre em nosso âmbito territorial nesse momento em que se desenrola a nossa existência. Deus é um Deus Vivo! Não um ser que fica distanciado do mundo curtindo nosso sofrimento. Deus assume a nossa condição humana e sofre conosco. Da mesma forma Deus nos dá forças para a luta. Deus não fala que devemos ficar parados e aceitar, tal como ovelhas inocentes, resignadamente o sofrimento. Deus nos incita a reagir e fica, tão surpreso quanto nós mesmos, com o jeito como a História irrompe forte a sua força juvenil em busca do amor e da justiça. Deus é um Deus Conosco: um Emanuel. Deus marcha conosco! Não apenas o deus de uma religião. Mas Deus, O dos evangélicos, O do Candomblé, O dos católicos, todos e todas são Deus, experiência viva de todo ser humano que cultiva a transcendência, dialeticamente. Deus que não seleciona, mas acolhe a todos e a todas em seu seio.

E por falar em seleção: Nosso país tem muitas seleções. Não apenas a de futebol. Temos a seleção dos jovens que serão mortos este ano pelo tráfico e pelas polícias. Serão, na maioria negros e pobres da periferia das cidades; temos a seleção dos que morrerão, ainda este ano, em filas de UTI de hospitais dos grandes centros urbanos. Pessoas pobres das cidades, com poucos recursos políticos, sobrevivendo tanto na pobreza econômica quanto na pobreza política; Temos também a seleção dos que morrerão, ainda este ano também, na violência do trânsito. Ciclistas, motoqueiros, anciãos, crianças, operários que andam a pé pela cidade, jovens em busca de destino. Outra seleção serão as pessoas que morrerão vítima de balas perdidas, de assaltos à mão armada, de sequestros em shopping e em bancos, ou mesmo nas explosões periódicas de bancos no estado. Temos a seleção de semianalfabetos deste ano. Aqueles e aquelas que não dispõem de um bom professor, uma boa professora para lhes orientar de forma competente no domínio da língua portuguesa. Mas a seleção maior deste país é a dos indignados com tanta mazela, com tanta impunidade, com tanta corrupção, como tanto cinismo e descaramento desses políticos vagabundos que temos. E Deus, pelo menos o Deus em que acredito, não concorda com essas seleções. Mas será que o Papa vai falar dessas coisas?


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de meus alunos da UNEB, de Salvador, de Jacobina, da Bahia e do Brasil, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 17 de junho de 2013

AGORA EU SEI


O que eu não sei
ainda assim existe.
Minha ignorância é morte
diante da vida que insiste.
 
Que coisa fantástica!
É como se eu estivesse ausente
de tudo o que ocorre agora
numa missa de corpo presente.
 
O que acontece além de mim
em Brasília, no Rio de Janeiro
em São Paulo e Salvador
e por todo o espaço brasileiro

Eu descobri. Agora eu sei
e não posso mais fingir.
Preciso participar, estar convosco
para poder existir.
 
Neste alvoroço
nesta alvorada de minha nação
sou chamado a acordar
estou de acordo com meu coração.
 
Para existir poder e para poder existir
paro o país por todo o país
e movimento a nação
em atitude feliz.
 
O poder manifesta o que ocorre
e o que avança
em busca do que não se move
para realizar a mudança.
 
Em Jacobina e no Brasil o poder movimenta
mulheres e homens movidos pela indignação
todos envolvidos na nobre tarefa
de remover a injustiça e a corrupção.
 
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Jacobina e de Jesus, O Emanuel.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Funcionários Públicos: funcionai!!!

A relação entre as dimensões públicas e privadas no mundo é complexa, de difícil apreensão. No Brasil então, é ainda mais complexa, em função, entre outras coisas, do patrimonialismo que caracteriza nossas relações como uma “herança maldita” que os portugueses nos deixaram e fizemos questão em aperfeiçoar como instituição cultural privilegiada da nossa relação com o público e o privado. O público em nosso país é utilizado como ponte para algum empreendimento privado, não podendo, assim, ser considerado como a solução para os problemas sociais e econômicos que nos afligem. A relação entre o público e o privado em nosso país deve ser vista com cautela e analisada criticamente, pois sob o manto do público existem muitos interesses privados que prejudicam sensivelmente o processo democrático e a transparência das instituições.

Acerca do primado do privado sobre o público Norberto Bobbio (1992) aponta que

Um dos eventos que melhor do que qualquer outro revela a persistência do primado do direito privado sobre o direito público é a resistência que o direito de propriedade opõe à ingerência do poder soberano, e portanto ao direito por parte do soberano de expropriar (por motivos de utilidade pública) os bens do súdito. (BOBBIO, 1992, p23)

A citação acima, do ponto de vista lógico, não apresenta problema. Há uma instância inviolável dos indivíduos que o Estado não pode intervir. Entretanto, mesmo do ponto de vista lógico o direito de propriedade e o poder do soberano não são pacíficos. Aliás, problema que Rousseau apresenta brilhantemente em 1754, em seu “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”. Nesta reflexão aparentemente longa ele afirma que:

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “defendeis-vos de ouvir esse impostor, estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém. (ROUSSEAU, 1999, p.87).

O direito de propriedade para Rousseau, portanto, não é um direito natural, senão uma imposição política e ideológica que engendrou, desenvolveu e consolidou a ideia de propriedade privada ao longo da história humana. Segundo este brilhante filósofo, quem se apropria privadamente do fruto da terra é um impostor e, como impostor, deve ser enfrentado, tanto na dimensão do poder político – o poder vindo da autonomia de arrancar a estaca que iria cercar a terra –, quanto na dimensão do poder ideológico – o de evidenciar a contradição da ideia de propriedade privada como fundamento para o bem estar individual e social.      

Por outro lado, no plano do primado do público sobre o privado, Bobbio (1992), amparado em seus estudos aponta que:

O máximo bem dos sujeitos é o efeito não da perseguição, através do esforço pessoal e do antagonismo, do próprio bem por parte de cada um, mas das contribuições que cada um juntamente com os demais dá solidariamente ao bem comum, seguindo as regras que a comunidade toda, ou o grupo que a representa (por simulação ou na realidade), se impôs através de seus órgãos, sejam eles órgãos autocráticos ou órgãos democráticos. (BOBBIO, 1992, p.25)

O autor supracitado apresenta dois pensamentos que se confrontam: o que vai na direção do direito público e o que vai na direção contrária, o direito privado. Em nosso sistema legal o direito público prevalece, em tese, sobre o direito privado. Digo em tese, porque esta relação no Brasil tem um traço patrimonialista indelével. O que é tido como público torna-se pelo uso e pelo abuso, privado. Quantos funcionários públicos não avacalham em suas funções no cargo público? Quantos funcionários públicos não se comportam como donos dos cargos e funções a que são responsabilizados? Em cartórios, em universidades, em escolas, em departamentos de trânsito entre outros, muitos funcionários públicos atendem de acordo com o seu humor e com a propina que acompanha a solicitação para "apressar" o serviço. Quem comprou um imóvel sabe bem disso em Salvador. É preciso adiantar a propina para o “despachante”, senão você tem seu documento pronto no “não sei quando”.

Por isso mesmo não concordo com os sindicatos quando defendem uma classe de trabalhadores sem atentar para todas essas mazelas. A estabilidade no serviço público deveria beneficiar toda a sociedade e não apenas o barnabé. O mesmo barnabé que utiliza de sua função e, nela, exerce todo o seu poder privado contra o usuário do serviço público. A gente reclama dos políticos brasileiros, mas somos muito parecidos com eles aqui na planície cotidiana de nossas ações corporativas. Muitos funcionários públicos no Detran, nas polícias, nas escolas e nas universidades, entre outros órgãos, deixam de dar, solidariamente, suas contribuições, juntamente com os demais, ao bem comum, ferindo diariamente as regras que a comunidade toda estabelece, utilizando o serviço público para benefício “pessoal e intransferível”.  

Outro exemplo são os representantes sindicais. Pelo que percebo J. Carlos e Rui Oliveira, só para citar dois exemplos, são indícios de um sistema imperial no sindicato. J. Carlos, embora deputado, continua dando as cartas no Sindicato dos Rodoviários, orientado pelo seu PT, enquanto Rui Oliveira parece que vai ser mumificado na cadeira de presidente da APLB, dirigido pelo seu PC do B. Os sindicatos são assaltados por ideologias partidárias vencidas, por formas de luta e de organização ultrapassadas, por discussões atrasadas e por militantes incompetentes, que fazem o que a “elite” do seu partido ordena. Resultado: sindicatos esvaziados, credibilidade em xeque, falta de transparência, por causa da privatização partidária dos sindicatos. Há um movimento intenso de privatização do público nos sindicatos, na qual ideólogos partidários, que se acham os melhores líderes por terem a voz mais alta, rejeitam toda e qualquer pluralidade e contrariedade. Pensam dialeticamente e agem metafisicamente. Dialética para o governo e para o que se denominou de “elites”. E metafísica para nós. Um filósofo sentenciou: somos muito objetivos em relação aos outros e muito subjetivos em relação a nós mesmos. Todos nós.

Portanto, muitos espaços e órgãos considerados públicos são utilizados para fins privadíssimos, pessoalíssimos. Basta ser amigo do amigo, da amiga para passar à frente na fila. Basta pagar a propina para o documento ser liberado. Basta estar próximo ao rei para ter privilégios soberanos. Os funcionários públicos colocam estampada a lei que ofender barnabé é crime e leva à prisão, etc. Mas não há a contrapartida desta mesma lei. A do funcionário público que utiliza de seu cargo e de sua função para ofender, atrapalhar, atrasar as solicitações, necessidades e exigências dos usuários do sistema no qual estão envolvidos. Como a relação entre o público e o privado no Brasil não é pacífica, nem simples, é preciso deixar de lado visões corporativistas a fim de defender o interesse público, o usuário do sistema público, a transparência, a eficiência e a honestidade nas ações dos funcionários públicos. É preciso mudar essa cultura patrimonialista que nos caracteriza, rejeitar o "jeitinho brasileiro" para que, enfim, os barnabés possam se unir por melhores condições de salário e de trabalho sem a necessidade de lideranças envelhecidas e comprometidas com os interesses privados de seus partidozinhos de mentirinha, que só pensam em como vencer as próximas eleições.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael e do Direto Público Brasileiro
Com o auxílio de 

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; para uma teoria geral da política. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo; Nova Cultural, 1999.



terça-feira, 11 de junho de 2013

Filma as Baianas de Acarajé Galvão!

O Brasil atualmente passa por um processo de preparação em função da necessidade de sediar a copa do mundo em 2014. Este evento internacional serve como possibilidade de análise e compreensão de como aspectos políticos e ideológicos, articulados por poderes econômicos, funcionam em nosso país, privilegiando o capital internacional em detrimento da exclusão de indivíduos, grupos e instituições e de suas culturas locais. A questão da venda de acarajé na Arena Fonte Nova e em seu entorno, é um exemplo vivo deste processo de poder que ocorre em nosso território, dito soberano.

Segundo Manchete do jornal Tribuna da Bahia, do dia 06/06/2013, “Fifa libera venda de acarajé na Arena Fonte Nova”. Segundo a mesma reportagem “a Fifa chegou à conclusão de que o acarajé das baianas de Salvador não é uma concorrência para um de seus principais patrocinadores, a rede de fast food McDonald’s. Com isso, a polêmica que já durava quase um ano chegou a um final, dando ganho de causa às baianas e seu quitute, que é patrimônio imaterial do Brasil.” A proibição da presença das baianas que vendem acarajé era de 2 km da arena, uma distância bastante considerável. Eu, que participo de corridas de rua, para percorrer 2 km levo uns 09 minutos. Em tese, nenhuma baiana poderia vender acarajé em boa parte da região do Nazaré, nem nas imediações da Lapa. As baianas que têm seus tabuleiros no entorno do Dique do Tororó há anos seriam retiradas pela força coercitiva deste acordo esdrúxulo entre a Fifa e o Governo baiano, contra o povo que ele diz governar. Vá lá que se proíba no interior do estádio, bem privado construído com dinheiro público para maximizar o lucro privado. Mas proibir outras atividades comerciais que concorrem com os patrocinadores da Arena Itaipava, numa distância de 2 km, é um abuso de poder, afinal, a concorrência não é um princípio basilar do capitalismo?

Além do abuso desse poder econômico, tem outra questão importantíssima: o acesso aos jogos não será feito por baianos, com suas identidades culturais, seus modos de perceber, sentir e saborear o mundo, balançando suas caxiloras. Serão apenas “torcedores”, um grupo sem identidade, destituído de laços culturais, simbólicos e afetivos com a sua história e o seu lugar, o que os reduzem à pobreza política. Pedro Demo (2006), afirma que “quem é politicamente pobre é massacrado como sujeito, restando-lhe a condição de objeto, por vezes como maioria residual” (DEMO, 2006, p.33). Essa “maioria residual” tem seus direitos e deveres restringidos à compra de ingresso, entrada nas “Arenas” esportivas e aos modos homogêneos e uniformizados de “torcer”, afinal, torcedor é torcedor em qualquer lugar do mundo. Uma unidade uniformizada sem identidade, sem lugar, sem história, sem acarajé e sem laços culturais que o tornam singular em sua riqueza identitária.

A proibição da presença da baiana vendendo seus produtos culinários no estádio e em seu entorno é um desrespeito de um capital agressivo, capitaneado pela FIFA, às nossas tradições culturais e estéticas que a baiana do acarajé representa, com suas vestes e sua culinária singular. Percebemos, nitidamente, a questão do poder instaurada entre indivíduos, grupos e instituições (FIFA)/Arena Itaipava, que desejam impor o consumo de produtos industrializados – cerveja, suco de caixinha, refrigerante, batata-frita, hambúrguer, etc. – segundo apenas os seus interesses, e de outro lado, outros indivíduos, grupos e instituições (ABAM – Associação das Baianas de Acarajé e Mingau) que desejam produzir, consumir, vender, produtos culinários tais como o acarajé, o abará, o bolinho de estudante, a cocada, o bolo de tapioca e carimã, a “passarinha” frita, o mingau de milho, etc. Estes últimos produtos trazem um recheio especial: a historicidade africana brasileira que, apesar de seu sofrimento e enfrentamento, representam a força viva da criatividade e da luta afrodescendente no Brasil.

A África não entra na Arena Itaipava. O Sertão também não. O Recôncavo, nem pensar e a caatinga e qualquer outro território identitário, como a nação grapiúna, nunca vai adentrar aqueles portões daquela construção gigante em tamanho, mas minúscula em sentidos culturais e sociais da nossa gente. É como se fosse uma nave alienígena que pousou sobre nossa velha Fonte Nova, queimando o nome do estádio, Otávio Mangabeira, em seu pouso forçado. Nossa baianidade em rico processo de construção e reconstrução, foi varrida do estádio. Queriam mantê-la a uma distância de 2km, para que sua presença simbólica não atrapalhasse o lucro e a alienação completa de “torcedores”, seres desumanizados pelo desejo individual que responde ao apelo ideológico das mídias, mesmo que seja por segundos, de estar no centro das atenções mundiais.

A proibição da venda do acarajé e dos demais quitutes no interior e no entorno do estádio esportivo e de entretenimento, recém inaugurada, revela o exercício autoritário do poder de um grupo internacional, aliado a interesses mesquinhos do capital nacional, que penetra nosso espaço geográfico e tenta reproduzir formas de exclusão tão antigas quanto coloniais. A pobreza política pode ser o resultado desse processo, na medida em que reduz os soteropolitanos, em sua maioria afrodescendentes, com sua cultura viva, pulsante, cheirosa e gostosa, à condição de torcedores, apenas torcedores, uma referência esvaziada de história, de sabor e de memória, de organização, luta e enfrentamento contra a homogeneização que o capital internacional quer impor sobre nossa gente, reduzindo-os à massa de torcedores que concentram suas energias para a hora do gol, o gozo supremo de “torcedores”, segurando um cartaz onde se lê uma frase com um sentido político subserviente: “Filma Nós Galvão!”.


 Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com a ajuda de Pedro Demo e da Tribuna da Bahia

segunda-feira, 3 de junho de 2013

deus ou o diabo? Última semana!


À medida que o tempo passa a gente vai observando melhor as pessoas e deixando de associar a fé que professam publicamente com as atitudes, muitas vezes contrárias a esta suposta fé que dizem ter. E eu: o que entendo por fé? Quase nada. Difícil falar sobre o que pouco entendemos. Contudo, posso falar de fé por intermédio da amizade, pois foi assim que fui cultivando minha experiência de Deus. Algumas amizades acabaram, mas Deus ficou.

Quando eu era criança Deus era chato. Pelo menos o modo de engolir deus que a sociedade me impunha. Somos criados para acreditar em deus. Somos forçados a acreditar em deus. E, para isso, nos oferecem o inferno como segunda e única possibilidade. Deus é amor e a luz, o diabo é o ódio e a escuridão. Bem. Parece que não há saída para esta equação aparentemente simples. Lembra-me aquela anedota em que o pai pega o filho, ainda de colo, para ele escolher o time do coração. E espalha várias bandeiras na mesa, incitando a criança para que escolha. E não é que o bebê escolhe exatamente a bandeira do mesmo time para o qual o pai torce? Incrível! Omitindo-se a informação de que todas as bandeiras eram do mesmo time.

Com toda boa vontade de minha mãe, e da sociedade que ela representava, eu fui dirigido para acreditar em deus. Ou acreditava nele ou marcharia inexoravelmente em direção às chamas do inferno. Um dia... Lembro daquela noite terrível! Numa igreja evangélica da Fazenda Grande do Retiro que meu irmão Jorge me levou, exibiram um filme sobre o inferno, no qual, numa das cenas, jovens que pilotavam divertidamente e irresponsavelmente, suas motos, e, mortos no acidente provável, eram carregadas para o inferno por criaturas horrendas. Ao final do filme faziam um convite para que a gente aceitasse “Jesus”. Ora, é claro que aceitei na hora! Sentia as chamas do inferno queimando a minha culpa de pecador, um pecador infantil, que nem sabia a exata dimensão do meu grave pecado, que me levava para o meu quinto dos infernos construído ali mesmo. É como as horrorosas propagandas da Ricardo Eletro ou da Insinuante: É só esta semana! Vai acabar! Últimos dias! É Deus ou o diabo! Escolha logo. Pegue deus na promoção da igreja mais próxima de você! Nada melhor que a pedagogia do inferno para nos conduzir até os braços de "deus". O "deus" do pastor ou do padre.

Além disso, há uma vigilância social, um policiamento contra a descrença, contra o cansaço, contra a chateação, contra a reclamação diante de Deus. O mundo apodrece e Deus parece não estar nem aí pra nós. Sempre vem algum idiota, com ares de autoridade santa e com sua suposta “certeza inabalável” querer explicar para mim, ou para outrem, que tudo isso tá escrito, que o Apocalipse prevê isso, que nos fim dos tempos, e blá blá blá. Ora, ora. O que eu vejo é muita hipocrisia! O que eu identifico é a mesma cultura do “farinha pouca meu pirão primeiro”, sobrepujando a tão “inabalável fé” em Deus. Quando os interesses pessoais estão envolvidos esse deus vai “pras cucuias”! Aí se apela para políticos – deuses terrenos que resolvem tudo pra nós. Que colocam a gente na frente das filas e nos transferem pra onde queremos, passando-nos na frente dos outros, porque somos "amigos do rei". Nesse exato momento a política ultrapassa a outrora inabalável fé, pois política e fé não se misturam, não é mesmo fiel?

Agora eu vejo na própria internet uma confissão de fé que se repete, que se repete, que se repete, que se repete, como se a pessoa precisasse convencer as outras de que acredita em Deus e que sua fé é inabalável e que Deus vai lhe dar conforto, dinheiro, sucesso, enfim, tudo o que a colocar no topo de algum lugar aonde, pela glória em si, as outras pessoas, os infiéis, os descrentes, verão a deus. Depois alguns idiotas, fingindo-se "sãos e sábios", ainda me perguntam porque eu rio tanto. Idiotas que adoram apontar o dedo para a loucura aparentemente evidente dos outros, enquanto suas loucuras aparentemente invisíveis são cultivadas em seu ser. Essas pessoas pensam que eu não saco elas enquanto rio. Rio delas, percebendo a manobra simplista e idiota das mesmas, pobres coitadas, que pensam muito pouco, e, por isso mesmo, adoram aproveitar o tempo para apontar para a suposta loucura alheia. Dois tipos que detesto: idiotas reunidos em nome de deus e idiotas reunidos em nome da normalidade

Porque não pedimos a Deus para sermos felizes com o que temos e com o que nos falta? Por que não pedimos a Deus somente aquela paz que emana da simplicidade? Por que não pedimos a Deus somente a força para sermos honrados e decentes, honestos e sinceros quando as tentações nos provocarem? Por que não pedimos a Deus a força para evitar passar na frente dos outros pelo acostamento, pelo sinal vermelho e nas filas da vida? Deus deve ficar chateado com tanta gente que reza por obrigação, por contrato. Por que está na hora marcada de rezar. Desde criança eu ouço que Jesus está voltando. Ô Viagem demorada! Jesus deve morar muito longe, pois já se vão algumas décadas e nada dele chegar. Afinal, ele está lá, de onde está voltando, ou cá, no meio de nós, como um Deus Conosco? Um Emanuel?  

Ouvi em algum lugar que, no Brasil, temos muitos cristãos de discurso e ateus de ação. Constato. Todo dia Deus é colocado de lado no trânsito, por exemplo. Quantas vezes eu não vejo o símbolo da divindade num fundo de um automóvel, como o terço que estaciona no passeio e que não avisa que vai mudar de faixa, etc. O Brasil não é sério nem com Deus. Não que não possamos errar, cair em contradição, afinal, a humanidade é isso também. Mas isso também não nos impede de tentar agir conforme nossas palavras, nossas crenças, nossas convicções, se é que temos alguma em direção à virtude. Assim, nessa hipocrisia nossa de cada dia, eu prefiro não acreditar nesse deus conveniente, que só aponta para a conquista do carro, da moradia, do “sucesso”. Um deus capitalista, vendido em qualquer prateleira eletrônica, pois, depois da tv, “deus” está fazendo muito sucesso também, tendo o inferno e o chifrudo, como parceiro de fé. Ah. E antes que os cristãos de araque torçam para que a espada do deus deles caia sobre mim, para que eu sirva de exemplo para os "infiéis", torçam para que ela caia antes sobre os políticos brasileiros. Assim ficarei satisfeito. Mas estou bem, gozando que só, no maior paraíso.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.