terça-feira, 25 de junho de 2013

Sin City sem charme

Artigo da professora e pesquisadora da Escola de Administração da UFBA, Bete Santos, publicado no jornal A Tarde de ontem, 24/06/2013, refere-se ao problema da criação do Conselho da Cidade de Salvador. Destacarei alguns trechos a fim de comentar, brevemente, sobre política, poder e participação. Segundo Santos (2013)

Recentemente a imprensa noticiou que representantes do governo estadual e municipal, bem como empresários, estão receosos de que o Conselho da Cidade do Salvador volte a ter caráter deliberativo. De que eles têm medo? Provavelmente de serem obrigados a submeter projetos de intervenção na cidade à discussão de entidades organizadas da sociedade civil. (SANTOS, 2013, p. A2)

É preciso enfrentar esse “receio” dos empresários, da prefeitura e dos políticos do estado com ampla participação. Mas o que é mesmo participar? segundo Habermas (1975, p.159), “significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação discursiva da vontade.” interpretando-o, Catani e Gutierrez nos diz que “participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano de ação coletivo.” Contudo, grupos interessados em aprovar leis que lhes favoreçam erigem vários obstáculos que dificultam e, na prática, proíbem a participação. Criam mecanismos de interdição da palavra, e obscurecem as decisões utilizando, entre outras coisas, linguagens hermeticamente fechadas, acessível apenas a advogados e pessoas ligadas à área. Nesses dias brasileiros a participação está voltando forte. Mas é preciso que a população dê substância às instituições, vigiando-as, participando efetivamente de seu processo e examinando o cumprimento de sua função social, como é o caso do Conselho da Cidade do Salvador.  

Não podemos deixar que o “plano de ação coletivo” seja esvaziado por interesses privados e autoritários, pois

O que leva secretários de governo do estado e do município a compartilharem com representantes do setor imobiliário a preocupação de que projetos como o do metrô, do viaduto do Imbuí, dentre outros, possam ser discutidos no Conselho, tirando a “autonomia” da prefeitura e do governo do estado? Quais interesses estão ameaçados com essa perda de “autonomia”? (SANTOS, 2013, p. A2)

Leva à corrupção, à satisfação de grandes interesses imobiliários, à construção desenfreada e inconsequente de edifícios e mais edifícios para classes sociais abastadas com seus carrões entupindo as ruas e seus metros quadrados de conforto, destruindo o resto de mata atlântica que ainda resta na cidade. Para isso, é preciso que as decisões sobre a cidade de Salvador sejam tomadas nas sombras dos gabinetes, onde transitam interesses milionários do poder econômico em detrimento do poder popular, comunitário.

O princípio do Estado consiste na obrigação política verticalmente entre cidadãos e Estado. O princípio do mercado consiste na obrigação política horizontal individualista e antagônica entre os parceiros do mercado. O princípio da comunidade consiste na obrigação política horizontal solidária entre membros da comunidade e associações. (SANTOS, 2001, p.50)
O esvaziamento da construção coletiva do consenso quanto a um plano de ação coletivo significa que a irracionalidade sedenta de lucros do poder econômico do setor imobiliário de Salvador entra em conluio com o governo para utilizar o estado a favor dos seus interesses privados, em detrimento do princípio da comunidade. Resultado: exclusão dos membros da comunidade e de suas associações e desprezo pela “obrigação política horizontal solidária” que se requer para a construção permanente de uma cidade que seja de todos na prática e não apenas em propagandas e discursos enganosos.

O governo estadual e o governo municipal deveriam se preocupar com os gritos das ruas, com o desejo de democratização de conselhos, inclusive os conselhos municipais e estaduais de educação que analisam e fazem um julgamento preliminar da aplicação dos recursos do FUNDEB na educação do município e do estado, respectivamente, de no mínimo 25% dos impostos arrecadados, vinculados ao setor. O governo estadual e o governo municipal deveriam estar preocupadíssimos com um metrô que ficou entregue aos empresários e governos anteriores e ainda não andou um milímetro, apesar de já ter consumido perto de um bilhão de dinheiro da população baiana e brasileira. Definitivamente, a racionalidade dos empresários e dos políticos, baseado no princípio de mercado livre, sem fiscalização e controle, além de um sistema político também supostamente autônomo e sem controle é o que gera tantas e tantas mazelas para esta cidade em decadência, uma Sin City sem o charme criminoso da ficção. “Autonomia” não é independência. Autonomia exige acompanhamento, monitoramento, fiscalização, controle público com efetiva participação de membros dos Conselhos criados para que a democracia sobreviva às alianças espúrias entre governos e empresários, que ativam sua irracionalidade contra o meio ambiente e contra a participação popular nas decisões relevantes sobre a cidade.

O fim do silêncio das ruas, depois de uma década, traz novas luzes a estes tempos de indefinição de projetos políticos e de generalizada perplexidade. É preciso reinventar a gestão do paço, da cidade. Estamos, agora, constatando o esvaziamento, o envelhecimento, precoce talvez, das formas de participação construídas nas últimas décadas. A manifestação das ruas, explosiva, desconcertante, contraditória, alvissareira, indica claramente a urgência de reinventar nossas tradicionais formas de representação, de reinventar a política, e não será retrocedendo que iremos construir uma cidade melhor. (SANTOS, 2013, p. A2)

Uma cidade se constrói com a participação ativa do seu povo, inclusive nas instituições criadas para esse fim, tais como o Conselho da Cidade de Salvador, e os Conselhos Municipais e Estaduais de Educação. A participação aciona o poder soberano, amadurece a qualidade política de um povo, legitima as decisões tomadas pelo grau de democracia contido no processo, afinal, como afirma Pedro Demo (2006, p.40): “o controle democrático é a alma da qualidade democrática.” A qualidade democrática de uma cidade é um de seus maiores bens, bem maior que qualquer estádio, que qualquer ponte, que qualquer trem, que qualquer edifício majestoso de uma selva de pedra.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes, de Salvador, de Jacobina, de Macaúbas e de Jesus, O Emanuel. Com o auxílio de

DEMO Pedro. Pobreza política: a pobreza mais intensa da pobreza brasileira. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
SANTOS, Bete. O paço livre. A Tarde, Salvador, A 2, 24 jun. 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente. São Paulo, SP: Cortez, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

joselitojoze@gmail.com