O
Brasil atualmente passa por um processo de preparação em função da necessidade
de sediar a copa do mundo em 2014. Este evento internacional serve como
possibilidade de análise e compreensão de como aspectos políticos e
ideológicos, articulados por poderes econômicos, funcionam em nosso país,
privilegiando o capital internacional em detrimento da exclusão de indivíduos,
grupos e instituições e de suas culturas locais. A questão da venda de acarajé
na Arena Fonte Nova e em seu entorno, é um exemplo vivo deste processo de poder
que ocorre em nosso território, dito soberano.
Segundo
Manchete do jornal Tribuna da Bahia, do dia 06/06/2013, “Fifa libera venda de
acarajé na Arena Fonte Nova”. Segundo a mesma reportagem “a Fifa chegou à
conclusão de que o acarajé das baianas de Salvador não é uma concorrência para
um de seus principais patrocinadores, a rede de fast food McDonald’s. Com isso, a polêmica que já durava quase um
ano chegou a um final, dando ganho de causa às baianas e seu quitute, que é
patrimônio imaterial do Brasil.” A proibição da presença das baianas que vendem
acarajé era de 2 km da arena, uma distância bastante considerável. Eu, que
participo de corridas de rua, para percorrer 2 km levo uns 09 minutos. Em tese,
nenhuma baiana poderia vender acarajé em boa parte da região do Nazaré, nem nas
imediações da Lapa. As baianas que têm seus tabuleiros no entorno do Dique do
Tororó há anos seriam retiradas pela força coercitiva deste acordo esdrúxulo
entre a Fifa e o Governo baiano, contra o povo que ele diz governar. Vá lá que
se proíba no interior do estádio, bem privado construído com dinheiro público
para maximizar o lucro privado. Mas proibir outras atividades comerciais que
concorrem com os patrocinadores da Arena Itaipava, numa distância de 2 km, é um
abuso de poder, afinal, a concorrência não é um princípio basilar do
capitalismo?
Além
do abuso desse poder econômico, tem outra questão importantíssima: o acesso aos
jogos não será feito por baianos, com suas identidades culturais, seus modos de
perceber, sentir e saborear o mundo, balançando suas caxiloras. Serão apenas
“torcedores”, um grupo sem identidade, destituído de laços culturais,
simbólicos e afetivos com a sua história e o seu lugar, o que os reduzem à pobreza política. Pedro Demo (2006),
afirma que “quem é politicamente pobre é massacrado como sujeito, restando-lhe
a condição de objeto, por vezes como maioria residual” (DEMO, 2006, p.33). Essa
“maioria residual” tem seus direitos e deveres restringidos à compra de
ingresso, entrada nas “Arenas” esportivas e aos modos homogêneos e
uniformizados de “torcer”, afinal, torcedor é torcedor em qualquer lugar do
mundo. Uma unidade uniformizada sem identidade, sem lugar, sem história, sem
acarajé e sem laços culturais que o tornam singular em sua riqueza identitária.
A
proibição da presença da baiana vendendo seus produtos culinários no estádio e
em seu entorno é um desrespeito de um capital agressivo, capitaneado pela FIFA, às nossas tradições culturais e estéticas que a baiana do acarajé representa,
com suas vestes e sua culinária singular. Percebemos, nitidamente, a questão do
poder instaurada entre indivíduos,
grupos e instituições (FIFA)/Arena Itaipava, que desejam impor o consumo de
produtos industrializados – cerveja, suco de caixinha, refrigerante,
batata-frita, hambúrguer, etc. – segundo apenas os seus interesses, e de outro
lado, outros indivíduos, grupos e instituições (ABAM – Associação das Baianas
de Acarajé e Mingau) que desejam produzir, consumir, vender, produtos
culinários tais como o acarajé, o abará, o bolinho de estudante, a cocada, o
bolo de tapioca e carimã, a “passarinha” frita, o mingau de milho, etc. Estes
últimos produtos trazem um recheio especial: a historicidade africana
brasileira que, apesar de seu sofrimento e enfrentamento, representam a força
viva da criatividade e da luta afrodescendente no Brasil.
A
África não entra na Arena Itaipava. O Sertão também não. O Recôncavo, nem
pensar e a caatinga e qualquer outro território identitário, como a nação grapiúna, nunca vai adentrar aqueles portões daquela construção
gigante em tamanho, mas minúscula em sentidos culturais e sociais da nossa
gente. É como se fosse uma nave alienígena que pousou sobre nossa velha Fonte
Nova, queimando o nome do estádio, Otávio Mangabeira, em seu pouso forçado.
Nossa baianidade em rico processo de construção e reconstrução, foi varrida do
estádio. Queriam mantê-la a uma distância de 2km, para que sua presença
simbólica não atrapalhasse o lucro e a alienação completa de “torcedores”,
seres desumanizados pelo desejo individual que responde ao apelo ideológico das
mídias, mesmo que seja por segundos, de estar no centro das atenções mundiais.
A
proibição da venda do acarajé e dos demais quitutes no interior e no entorno do
estádio esportivo e de entretenimento, recém inaugurada, revela o exercício
autoritário do poder de um grupo internacional, aliado a interesses mesquinhos
do capital nacional, que penetra nosso espaço geográfico e tenta reproduzir
formas de exclusão tão antigas quanto coloniais. A pobreza política pode ser o resultado desse processo, na medida
em que reduz os soteropolitanos, em sua maioria afrodescendentes, com sua
cultura viva, pulsante, cheirosa e gostosa, à condição de torcedores, apenas
torcedores, uma referência esvaziada de história, de sabor e de memória, de
organização, luta e enfrentamento contra a homogeneização que o capital
internacional quer impor sobre nossa gente, reduzindo-os à massa de torcedores
que concentram suas energias para a hora do gol, o gozo supremo de “torcedores”,
segurando um cartaz onde se lê uma frase com um sentido político subserviente: “Filma
Nós Galvão!”.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com a ajuda de Pedro Demo e da Tribuna da Bahia
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