terça-feira, 11 de junho de 2013

Filma as Baianas de Acarajé Galvão!

O Brasil atualmente passa por um processo de preparação em função da necessidade de sediar a copa do mundo em 2014. Este evento internacional serve como possibilidade de análise e compreensão de como aspectos políticos e ideológicos, articulados por poderes econômicos, funcionam em nosso país, privilegiando o capital internacional em detrimento da exclusão de indivíduos, grupos e instituições e de suas culturas locais. A questão da venda de acarajé na Arena Fonte Nova e em seu entorno, é um exemplo vivo deste processo de poder que ocorre em nosso território, dito soberano.

Segundo Manchete do jornal Tribuna da Bahia, do dia 06/06/2013, “Fifa libera venda de acarajé na Arena Fonte Nova”. Segundo a mesma reportagem “a Fifa chegou à conclusão de que o acarajé das baianas de Salvador não é uma concorrência para um de seus principais patrocinadores, a rede de fast food McDonald’s. Com isso, a polêmica que já durava quase um ano chegou a um final, dando ganho de causa às baianas e seu quitute, que é patrimônio imaterial do Brasil.” A proibição da presença das baianas que vendem acarajé era de 2 km da arena, uma distância bastante considerável. Eu, que participo de corridas de rua, para percorrer 2 km levo uns 09 minutos. Em tese, nenhuma baiana poderia vender acarajé em boa parte da região do Nazaré, nem nas imediações da Lapa. As baianas que têm seus tabuleiros no entorno do Dique do Tororó há anos seriam retiradas pela força coercitiva deste acordo esdrúxulo entre a Fifa e o Governo baiano, contra o povo que ele diz governar. Vá lá que se proíba no interior do estádio, bem privado construído com dinheiro público para maximizar o lucro privado. Mas proibir outras atividades comerciais que concorrem com os patrocinadores da Arena Itaipava, numa distância de 2 km, é um abuso de poder, afinal, a concorrência não é um princípio basilar do capitalismo?

Além do abuso desse poder econômico, tem outra questão importantíssima: o acesso aos jogos não será feito por baianos, com suas identidades culturais, seus modos de perceber, sentir e saborear o mundo, balançando suas caxiloras. Serão apenas “torcedores”, um grupo sem identidade, destituído de laços culturais, simbólicos e afetivos com a sua história e o seu lugar, o que os reduzem à pobreza política. Pedro Demo (2006), afirma que “quem é politicamente pobre é massacrado como sujeito, restando-lhe a condição de objeto, por vezes como maioria residual” (DEMO, 2006, p.33). Essa “maioria residual” tem seus direitos e deveres restringidos à compra de ingresso, entrada nas “Arenas” esportivas e aos modos homogêneos e uniformizados de “torcer”, afinal, torcedor é torcedor em qualquer lugar do mundo. Uma unidade uniformizada sem identidade, sem lugar, sem história, sem acarajé e sem laços culturais que o tornam singular em sua riqueza identitária.

A proibição da presença da baiana vendendo seus produtos culinários no estádio e em seu entorno é um desrespeito de um capital agressivo, capitaneado pela FIFA, às nossas tradições culturais e estéticas que a baiana do acarajé representa, com suas vestes e sua culinária singular. Percebemos, nitidamente, a questão do poder instaurada entre indivíduos, grupos e instituições (FIFA)/Arena Itaipava, que desejam impor o consumo de produtos industrializados – cerveja, suco de caixinha, refrigerante, batata-frita, hambúrguer, etc. – segundo apenas os seus interesses, e de outro lado, outros indivíduos, grupos e instituições (ABAM – Associação das Baianas de Acarajé e Mingau) que desejam produzir, consumir, vender, produtos culinários tais como o acarajé, o abará, o bolinho de estudante, a cocada, o bolo de tapioca e carimã, a “passarinha” frita, o mingau de milho, etc. Estes últimos produtos trazem um recheio especial: a historicidade africana brasileira que, apesar de seu sofrimento e enfrentamento, representam a força viva da criatividade e da luta afrodescendente no Brasil.

A África não entra na Arena Itaipava. O Sertão também não. O Recôncavo, nem pensar e a caatinga e qualquer outro território identitário, como a nação grapiúna, nunca vai adentrar aqueles portões daquela construção gigante em tamanho, mas minúscula em sentidos culturais e sociais da nossa gente. É como se fosse uma nave alienígena que pousou sobre nossa velha Fonte Nova, queimando o nome do estádio, Otávio Mangabeira, em seu pouso forçado. Nossa baianidade em rico processo de construção e reconstrução, foi varrida do estádio. Queriam mantê-la a uma distância de 2km, para que sua presença simbólica não atrapalhasse o lucro e a alienação completa de “torcedores”, seres desumanizados pelo desejo individual que responde ao apelo ideológico das mídias, mesmo que seja por segundos, de estar no centro das atenções mundiais.

A proibição da venda do acarajé e dos demais quitutes no interior e no entorno do estádio esportivo e de entretenimento, recém inaugurada, revela o exercício autoritário do poder de um grupo internacional, aliado a interesses mesquinhos do capital nacional, que penetra nosso espaço geográfico e tenta reproduzir formas de exclusão tão antigas quanto coloniais. A pobreza política pode ser o resultado desse processo, na medida em que reduz os soteropolitanos, em sua maioria afrodescendentes, com sua cultura viva, pulsante, cheirosa e gostosa, à condição de torcedores, apenas torcedores, uma referência esvaziada de história, de sabor e de memória, de organização, luta e enfrentamento contra a homogeneização que o capital internacional quer impor sobre nossa gente, reduzindo-os à massa de torcedores que concentram suas energias para a hora do gol, o gozo supremo de “torcedores”, segurando um cartaz onde se lê uma frase com um sentido político subserviente: “Filma Nós Galvão!”.


 Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com a ajuda de Pedro Demo e da Tribuna da Bahia

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