À medida que o tempo passa a
gente vai observando melhor as pessoas e deixando de associar a fé que
professam publicamente com as atitudes, muitas vezes contrárias a esta suposta
fé que dizem ter. E eu: o que entendo por fé? Quase nada. Difícil falar sobre o
que pouco entendemos. Contudo, posso falar de fé por intermédio da amizade,
pois foi assim que fui cultivando minha experiência de Deus. Algumas amizades acabaram, mas Deus ficou.
Quando eu era criança Deus
era chato. Pelo menos o modo de engolir deus que a sociedade me impunha. Somos
criados para acreditar em deus. Somos forçados a acreditar em deus. E, para
isso, nos oferecem o inferno como segunda e única possibilidade. Deus é amor e
a luz, o diabo é o ódio e a escuridão. Bem. Parece que não há saída para esta
equação aparentemente simples. Lembra-me aquela anedota em que o pai pega o
filho, ainda de colo, para ele escolher o time do coração. E espalha várias
bandeiras na mesa, incitando a criança para que escolha. E não é que o
bebê escolhe exatamente a bandeira do mesmo time para o qual o pai torce?
Incrível! Omitindo-se a informação de que todas as bandeiras eram do mesmo
time.
Com toda boa vontade de
minha mãe, e da sociedade que ela representava, eu fui dirigido para acreditar
em deus. Ou acreditava nele ou marcharia inexoravelmente em direção às chamas
do inferno. Um dia... Lembro daquela noite terrível! Numa igreja evangélica da
Fazenda Grande do Retiro que meu irmão Jorge me levou, exibiram um filme sobre o inferno, no qual, numa das
cenas, jovens que pilotavam divertidamente e irresponsavelmente, suas motos, e,
mortos no acidente provável, eram carregadas para o inferno por criaturas
horrendas. Ao final do filme faziam um convite para que a gente aceitasse “Jesus”.
Ora, é claro que aceitei na hora! Sentia as chamas do inferno queimando a minha
culpa de pecador, um pecador infantil, que nem sabia a exata dimensão do meu
grave pecado, que me levava para o meu quinto dos infernos construído ali mesmo. É como as horrorosas propagandas da Ricardo Eletro ou da Insinuante: É só esta semana! Vai acabar! Últimos dias! É Deus ou o diabo! Escolha logo. Pegue deus na promoção da igreja mais próxima de você! Nada melhor que a pedagogia do inferno para nos conduzir até os braços de "deus". O "deus" do pastor ou do padre.
Além disso, há uma
vigilância social, um policiamento contra a descrença, contra o cansaço, contra
a chateação, contra a reclamação diante de Deus. O mundo apodrece e Deus parece
não estar nem aí pra nós. Sempre vem algum idiota, com ares de autoridade santa
e com sua suposta “certeza inabalável” querer explicar para mim, ou para outrem,
que tudo isso tá escrito, que o Apocalipse prevê isso, que nos fim dos tempos,
e blá blá blá. Ora, ora. O que eu vejo é muita hipocrisia! O que eu identifico
é a mesma cultura do “farinha pouca meu pirão primeiro”, sobrepujando a tão “inabalável
fé” em Deus. Quando os interesses pessoais estão envolvidos esse deus vai “pras
cucuias”! Aí se apela para políticos – deuses terrenos que resolvem tudo pra
nós. Que colocam a gente na frente das filas e nos transferem pra onde
queremos, passando-nos na frente dos outros, porque somos "amigos do rei". Nesse
exato momento a política ultrapassa a outrora inabalável fé, pois política e fé
não se misturam, não é mesmo fiel?
Agora eu vejo na própria
internet uma confissão de fé que se repete, que se repete, que se repete, que se repete, como se a pessoa
precisasse convencer as outras de que acredita em Deus e que sua fé é
inabalável e que Deus vai lhe dar conforto, dinheiro, sucesso, enfim, tudo o
que a colocar no topo de algum lugar aonde, pela glória em si, as outras
pessoas, os infiéis, os descrentes, verão a deus. Depois alguns
idiotas, fingindo-se "sãos e sábios", ainda me perguntam porque eu rio tanto. Idiotas
que adoram apontar o dedo para a loucura aparentemente evidente dos outros,
enquanto suas loucuras aparentemente invisíveis são cultivadas em seu ser. Essas pessoas pensam que eu não saco elas enquanto rio. Rio delas, percebendo a manobra simplista e idiota das mesmas, pobres coitadas, que pensam muito pouco, e, por isso mesmo, adoram aproveitar o tempo para apontar para a suposta loucura alheia. Dois tipos que detesto: idiotas reunidos em nome de deus e idiotas reunidos em nome da normalidade.
Porque
não pedimos a Deus para sermos felizes com o que temos e com o que nos falta?
Por que não pedimos a Deus somente aquela paz que emana da simplicidade? Por
que não pedimos a Deus somente a força para sermos honrados e decentes,
honestos e sinceros quando as tentações nos provocarem? Por que não pedimos a Deus
a força para evitar passar na frente dos outros pelo acostamento, pelo sinal
vermelho e nas filas da vida? Deus deve ficar chateado com tanta gente que reza por obrigação, por contrato. Por que está na hora marcada de rezar. Desde criança eu ouço que Jesus está voltando. Ô Viagem demorada! Jesus deve morar muito longe, pois já se vão algumas décadas e nada dele chegar. Afinal, ele está lá, de onde está voltando, ou cá, no meio de nós, como um Deus Conosco? Um Emanuel?
Ouvi em algum lugar que, no
Brasil, temos muitos cristãos de discurso e ateus de ação. Constato. Todo dia Deus
é colocado de lado no trânsito, por exemplo. Quantas vezes eu não vejo o
símbolo da divindade num fundo de um automóvel, como o terço que estaciona no passeio e que não avisa que vai mudar de faixa, etc. O Brasil não é sério nem com Deus. Não que
não possamos errar, cair em contradição, afinal, a humanidade é isso também.
Mas isso também não nos impede de tentar agir conforme nossas palavras, nossas
crenças, nossas convicções, se é que temos alguma em direção à virtude. Assim,
nessa hipocrisia nossa de cada dia, eu prefiro não acreditar nesse deus conveniente,
que só aponta para a conquista do carro, da moradia, do “sucesso”. Um deus
capitalista, vendido em qualquer prateleira eletrônica, pois, depois da tv, “deus”
está fazendo muito sucesso também, tendo o inferno e o chifrudo, como parceiro
de fé. Ah. E antes que os cristãos de araque torçam para que a espada do deus deles caia sobre mim, para que eu sirva de exemplo para os "infiéis", torçam para que ela caia antes sobre os políticos brasileiros. Assim ficarei satisfeito. Mas estou bem, gozando que só, no maior paraíso.
Joselito da Nair, do Zé, do
Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
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