A Universidade do Estado da
Bahia, tem um papel destacado e pioneiro na interiorização do ensino
superior em nosso estado. Enquanto só havia uma universidade federal na Bahia,
situada quase que exclusivamente em Salvador, atendendo aos jovens das classes
média e alta da capital, a UNEB atendeu e atende milhares de jovens e adultos
que necessitavam do ensino superior mas não tinham condições de deslocar-se
para Salvador a fim de que suas necessidades fossem atendidas. A maioria dos
jovens e adultos que foram e são atendidos pela instituição de educação superior citada são pessoas mais pobres,
muitos das zonas rurais de cidades próximas aonde a instituição supracitada
está instalada, e que, portanto, sem esta universidade, estariam relegados a
estacionar no ensino médio sem perspectivas de aperfeiçoar seus estudos através
de um curso superior.
A UNEB, nesse contexto,
desempenha uma função social, política e cultural importantíssima: propicia, de
certa forma, a um contingente de jovens e adultos, para os quais a sociedade
baiana não reconhece o direito, o acesso ao ensino superior.
Sob a luz desses fatos e números, o
que podem fazer as instituições de educação superior para contribuir para a
redução da desigualdade radical da sociedade brasileira? [...] A resposta mais
óbvia é que as instituições de educação superior, ao ampliar a base social e econômica
da sua população estudantil, podem tornar lugares extremamente escassos nas
altas camadas da sociedade brasileira disponíveis em uma base mais equitativa
para os rapazes e moças com idade de estar numa universidade. Esta é certamente
uma meta compensadora, e num país do tamanho do Brasil, a distribuição mais
justa de oportunidades de vida existentes pode significar muito para milhões de
pessoas. (WOLFF, 1993, p.16)
A Universidade do Estado da
Bahia, UNEB, de fato, significa muito para milhares de pessoas que moram no
interior desse estado. Significa, sobretudo, deslocar a geografia e a história
do ensino superior na Bahia para lugares e pessoas que, a se crer nas elites
econômicas do estado, deveriam sempre ficar em seus devidos lugares culturais,
políticos e intelectuais: os jovens e adultos pobres do interior da Bahia. A
UNEB, inevitavelmente, é um fato político inusitado neste estado lamentável de
coisas denominado Bahia.
Através de seus estudantes o
aboio, o curral, a fazenda, o cavalo, a vaca, o cachorro e o boi, o latido, o
canto do galo e o mugido, entram na UNEB; através do sabor entram o doce, a
rapadura, o queijo e a manteiga de garrafa, entra a pinga, a mandioca e a
farinha; através da memória – interditada por processos didáticos e
metodológicos definidos por uma epistemologia politicamente preconceituosa e
autoritária – entram o sisal, a organização política, social e econômica
daqueles que resistem a processos econômicos usurpadores do jeito comunitário
de viver a vida no interior da Bahia. Na UNEB entra o forró, entra o xaxado que
levanta poeira no salão de barro batido. Mas não entra de mãos vazias. Traz a
vida significada pela mediação do objeto que revela e oculta os segredos da
vida no interior baiano.
Mas na UNEB entra também o
latifúndio, o absurdo, e os resquícios do coronelismo. Entra o preconceito e o
conflito; entra o poder e a cultura de decidir, entra o perigo, entra o abrigo,
e se instaura a contradição no coração da educação superior. Na UNEB entra
também o privilégio sem mérito, entra o estudante semianalfabeto, entra o descaso
com a formação, entra professor sem compromisso e tudo isso compõe a UNEB que
se conhece e se desconhece em seu processo de construção. Entram processos de
privatização do espaço público e publicização do que foi privatizado por
mecanismos escusos, patrimonialistas.
E é por causa desses
processos contraditórios que é preciso, cada vez mais, democratizar a
Universidade do Estado da Bahia, lançando luz nos corredores por onde transitam
desejos de mudança e de conservação, ampliando a participação nas salas onde
reuniões decidem o seu futuro e direcionam o seu presente, modificando os modos
de decisão, as instituições e representantes que decidem, além de monitorar a
efetividade social que a universidade produz. É por reconhecer a importância da
UNEB para cada um e todos nós que devemos lutar por ela, como se luta por um
bem precioso, como se luta pela escassa água no deserto abundante de areia e
aridez. E os estudantes dessa instituição têm um importante papel nesse
processo.
Na arena pública não se ouve
um discurso que se manifeste contra mudanças na UNEB. Entretanto, tudo parece
morno e frio, perdido nas rotinas de aulas e notas, de reuniões de Colegiado,
de Departamento e de área que pouco mexem com o modus operandi da instituição de educação superior existir. Mesmo
em períodos de greve não conseguimos discutir com tenacidade questões
importantes sobre democracia, participação, compromisso. Do ponto de vista
político professores e estudantes se encontram em estado vegetativo, respirando
por aparelhos, cujo oxigênio o governo baiano reduz a cada semestre, a cada
ano, na tentativa de asfixiar a instituição que considera um peso para o
estado.
No entanto, atualmente
começo a vislumbrar uma reação dos estudantes, insatisfeitos com o Diretório
Central dos estudantes, com o CONSU, com pagamento de bolsistas, com uma
pesquisa mal financiada, com a estrutura física dos campi no interior do estado, enfim, com o estado em que se encontra
a UNEB neste momento do nosso tempo histórico. Há sujeitos políticos acordando
de um sono letárgico aqui no Campus
IV e no Campus XI. Ouço bocejos, ouço
vozes querendo “buscar o dia”, como diria o saudoso avô do colega Edvaldo
Hilário, Seu José Hilário. Ouço um amanhecer ainda nesta noite desta
instituição de educação superior, desejando livrar-se de um esquema montado
para uma “maioria” fingir decidir a favor da decisão já tomada por uns poucos.
Ouço discursos que se rebelam contra a estruturação político cultural da UNEB
como uma “capitania hereditária”, eivada de patrimonialismos que caracterizam o
espaço público baiano e brasileiro e contamina todo o tecido social.
Nós temos de estar atentos
para isso, porque quanto mais luz e claridade é jogada num processo de decisão
e ação, mais avançaremos na publicização do privado, reduzindo ou eliminando
oportunidades de corrupção e privatização do público de forma nociva,
principalmente na UNEB. Não é algo fácil, que dependa apenas da vontade deste
ou daquele indivíduo. É preciso a criação de movimentos e grupos oriundos fora
das instituições já criadas, tais como DCE, CA’s (Centros Acadêmicos) e DA’s (Diretórios
Acadêmicos), para fugir dos vícios e de “lideranças” que mais representam
interesses ideológicos de partidos que ainda pensam estar no século XIX do que
os interesses e necessidades dos estudantes.
É preciso reivindicar uma
avaliação institucional séria, aberta, verdadeiramente democrática, onde o
conflito necessário seja encaminhado produtivamente para a efetividade social
da UNEB, para a desconstrução das velhas formas de decidir, encaminhar,
implementar e acompanhar os seus processos, a fim de que a Instituição supracitada se fortaleça cada vez mais na função social que vai se delineando com o
contexto que não cessa de exigir decifração.
É preciso que olhos atentos,
estejam bem abertos e vigilantes sobre os processos institucionais. Ressalto,
mais uma vez, a importância da participação
nesse processo de luta entre a privatização do público e a publicização do
privado. Participar, segundo Habermas, “significa que todos podem
contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação
discursiva da vontade.” interpretando-o, Gutierrez e Catani (1998) nos diz
que “participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso
quanto a um plano de ação coletivo.” A participação, portanto, é fundamental
para que a publicização do privado, a continuar com estudantes acordando de um
sono letárgico desde a última ditadura, adquira robustez política, ou seja,
avance na arena de poder contra a privatização do público na Universidade do estado
da Bahia.
Joselito da Nair, Zé, do Rafael,
de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com o auxílio de
Com o auxílio de
GUTIERREZ, Gustavo Luiz & CATANI, Afrânio
Mendes. Participação e gestão escolar:
conceitos e potencialidades. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.). Gestão
democrática da Educação: Atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez,
1998.
WOLFF, Robert Paul. O ideal de universidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulita, 1993.
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