quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ALADOS


Todos os dias nós podemos ter pequenos paraísos ao nosso redor. Mesmo em meio à agitação das cidades e seu tempo apressado que nos empurra na fila dos seres humanos insensatos. Quando a vida passa, traz com ela paraísos camuflados no cotidiano, que muitas vezes não percebemos. Mas, quando estamos atentos, montamos no cavalo selado que a história nos oferece e cavalgamos, nem que seja apenas por algumas horas, ou mesmo alguns minutos, no gosto que a oferenda da eternidade sugere.
 
E a vida segue. E se a gente segui-la, quem sabe não encontremos nos vestígios deixados pelo seu traçado o princípio certeiro dos nossos sentidos, de onde a gente para e dispara em busca da felicidade. E caminhamos, seguimos, buscamos o supremo a fim de cumprir uma tarefa que não sabemos direito a que se destina, mas confiamos e desconfiamos que há algo de perene, que não seca jamais, contido em tudo o que quer que façamos e deixamos de fazer, mesmo quando erramos. E quando não temos essa disposição desse saber, ficamos, em virtude de nossa imaturidade, nos culpando e nos desculpando sobre tudo o que acontece e que nos envolve, amargurando o trajeto do mundo a partir do ponto em que nos encontramos.
Há um samba famoso que em seu refrão pede pra que deixe a vida o levar. Compreendo. Mas penso que a vida sempre me leva. Mesmo quando eu me recuso a ir. Pode ser que, nesse caso, ela me arraste, o que pode doer um pouco, mas talvez nesse arrasto a vida esteja me levando com ela para sua fonte, onde o amor e a justiça se fazem presente e onde tudo se explica sem palavras, sem a linguagem artificial que mais oculta que esclarece. É o paraíso. 
E o paraíso não se encontra refém de nenhuma religião, de nenhuma crença e nem de nenhum sistema montado, como uma gaiola, para aprisionar o paraíso e seu Senhor. O destino de todo pássaro é voar e, como diria nosso saudoso Damário da Cruz,

A possibilidade de arriscar é que nos faz homens
Voo perfeito no espaço que criamos
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.

Eu desconfio de todo arranjo que tente controlar os eventos correntes da vida, pois a história demonstra que esse controle busca apenas o poder de dirigir o ser humano para apenas um caminho: o da reprodução do status quo dominante, seja no campo religioso, seja no econômico, seja no político, seja no cultural, seja na associação entre eles, confinando-o numa esperança mesquinha e destinada à escravidão do ser humano em suas astes sedutoras da segurança da certeza produzida como ração animal.
Então, eu recuso a gaiola tecida por instituições falidas, que não mais respondem às indagações dos humanos na contemporaneidade, e monto no cavalo alado das minhas escolhas em busca da fonte onde a justiça e o amor dão a régua e o compasso para os nossos traçados alados. Bem, pra terminar o interminável, deixo-lhes com a composição de Lucina e Luli, com interpretação magnífica de Ney Matogrosso.

Fossem ciganos a levantar poeira
A misturar nas patas
Terras de outras terras, ares de outras matas
Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado
Na mão direita o fado
Jogando sementes nos campos da mente
E se falasses magia, sonho e fantasia
E se falasses encanto, quebranto e condão
Não te enganarias, não te enganarias
Não te enganarias, não!
Fossem ciganos a levantar poeira
A misturar nas patas
Terras de outras terras, ares de outras matas
Eu, bandoleiro, no meu cavalo alado
Na mão direita o fado
Jogando sementes nos campos da mente
E se falasses magia, sonho e fantasia
E se falasses encanto, quebranto e condão
Feitiço, transe-viagem, alucinação

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Nenhum comentário:

Postar um comentário

joselitojoze@gmail.com