sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Salvador: o pé inchado da Bahia

Hoje, o artigo de João Ubaldo Ribeiro no jornal A Tarde, página A2, está uma beleza de reflexão. Fala sobre a pseudo ponte Salvador - Ilha de Itaparica. Vou destacar alguns trechos...

Conheço esse progresso. É o progresso que acabou com o comércio local; que extinguiu os saveiros que faziam cabotagem no Recôncavo; que ao fim dos saveiros juntou o desaparecimento dos marinheiros, dos carpinas, dos fabricantes de velas e de toda a economia em torno deles; que vem transformando as cidades brasileiras, inclusive e marcadamente Salvador, em agregados modernosos de condomínios e shoppings acuados pela violência criminosa que se alastra por onde quer que estejamos enfurnados, ilhas das quais só se sai de automóvel, entre avenidas áridas e desertas de gente.


Uma das grandes questões trazidas neste trecho é o debate sobre modelos de desenvolvimento. É preciso discutir que desenvolvimento baseado em construções megalômanas, shopping’s, condomínios, casas de show, etc, não significa desenvolvimento. Creio que desenvolvimento seja o povo com assistência à saúde, lazer, transporte, cultura, trabalho, esporte, abastecimento de água e demais serviços, como telefonia, energia elétrica e saneamento. E o povo baiano não tem esse acesso facilmente. Penso com Boaventura de Sousa Santos quando afirma que
Se por desenvolvimento se entende o crescimento do PIB e da riqueza dos países menos desenvolvidos para que se aproximem mais dos países desenvolvidos, é fácil mostrar que tal objectivo é uma miragem dado que a desigualdade entre países ricos e pobres não cessa de aumentar. Se por desenvolvimento se entende o crescimento do PIB para assegurar mais bem-estar às populações não depende tanto do nível de riqueza quanto da distribuição da riqueza. A falência da miragem do desenvolvimento é cada vez mais evidente, e, em vez de buscarem modelos de desenvolvimento alternativo, talvez seja tempo de começar a criar alternativas ao desenvolvimento. (SANTOS, 2001, p.28) 
A dinheirama na construção da ponte vai custar, segundo o jornal A Tarde, 1,5 bilhões de reais. E só, como apontei em outra ocasião, Salvador tem, tem, tem. O interior da Bahia não tem, não tem, não tem, principalmente as cidades e microrregiões que são consideradas inviáveis economicamente. Essas podem sobreviver à mingua. Eu vou tirar umas fotos e enviá-las para este espaço, mostrando os micro-ônibus de várias cidades do interior paradas aqui em frente ao Hospital Aristides Maltez. O que é preciso não são pontes de dinheiro público que atravessam rumo ao capital privado, mas de pontes que aproximem as condições de acesso a serviços públicos de qualidade, como os elencados acima, para que todos os baianos tenham acesso e não apenas os que residem em Salvador. Esse modelo de desenvolvimento que faz com que tolos e ingênuos fiquem deslumbrados com os monumentais edifícios da capital e desejem ardentemente vir partilhar dessa maravilha do século XXI, incham a capital, tornando-a inviável, esquecendo-se da diferença entre crescimento e desenvolvimento. Um pé inchado, por exemplo, cresceu, ficou maior do que era, mas não passa de uma anomalia, pois o outro pé não cresceu da mesma forma, provocando um enorme desconforto numa simples caminhada, na base do “aqui tá raso aqui tá fundo”. Nesse caso houve crescimento, porém sem desenvolvimento. Salvador é o pé inchado da Bahia. Desenvolvimento se dá quando todo um corpo cresce proporcionalmente, evidenciando saúde, equilíbrio, bem-estar. Fazer obras faraônicas e desvinculadas de projetos de desenvolvimento sustentáveis, aproveitando o tempo eleitoral, que é o tempo privilegiado dos políticos profissionais, só corrobora a tese do inchaço, contra todo o legítimo desenvolvimento.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

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