Antes de morrer, posso dizer: eu vivi no tempo de Nelson Mandela. Tenho profunda admiração por esse homem. Mandela, conheço pelas notícias, pelos filmes, pela mídia. Quando ele esteve em Salvador, não fui recebê-lo, nem mesmo vê-lo pessoalmente, mesmo que de longe. Era muito mais tolo do que sou agora, acho. O homem que mudou a história da África do Sul com suas convicções firmes, sua simplicidade, sua liderança bondosa e sua profundamente esperançosa atitude pela emancipação humana e pela reconciliação deste com o outro, seu diferente, para mim, é o maior líder do meu tempo. É nesta perspectiva que Nelson Mandela deixa de ser um cidadão sulafricano e torna-se cidadão mundial. Se alienígenas aparecessem por aqui e, para não destruir a terra, exigissem pelo menos a apresentação de um ser humano na contemporaneidade que justificasse nossa continuidade - Como no filme O Dia em que a Terra Parou - eu apresentaria Nelson Mandela. Sua luta, em favor dos homens, mulheres, crianças e anciãos negros, não tinha como suporte o ódio pelos brancos sulafricanos. Não. Nelson Mandela é um educador e, como tal, não excluía os brancos de sua mensagem emancipatória, de que os seres humanos devem encontrar-se no lugar do respeito e do diálogo para construírem uma nova história. Seus longos anos de cárcere e de maus tratos e perseguição pelos racistas sulafricanos, serviram-lhe, como diria Guevara, para endurecer-se sem perder jamais a ternura.
Nelson Mandela é um verdadeiro líder, um homem como poucos, uma peça rara, uma orquídea negra que nasceu em solo africano. Um líder é uma pessoa que faz a gente acreditar que é possível um mundo novo, apesar de todas as desgraças que nos ameaça. Um verdadeiro líder é aquela pessoa que, apesar de todos os cárceres, de todas as mazelas, de todas as feridas, de todas as tentações, vê além do seu sofrimento presente e mantém-se inflexível diante das torturas, das ameaças e das seduções, inclusive a do poder político, para guiar o seu povo rumo à sua ascensão humana plena. E, agora que tenho 40 anos, sei disto muito melhor, visto que pareço não ter convicções. O que, para meu desgosto, talvez seja verdade. Por isso mesmo minha admiração por Mandela. Ele é o que eu gostaria de ter sido. Gostaria de ter sido mais firme e mais claro. Gostaria de dizer mais a verdade, ser mais sincero sem, contudo, ter a pretensão de ofender, nem de excluir. Gostaria de, sem a presença de ninguém dando-me apoio, manter-me firme em minhas convicções, se é que tenho alguma. Gostaria de ter algum amigo em quem confiar, mas, infelizmente, não tenho. Sei que algumas pessoas que lerem este texto podem ficar ofendidas, mas, neste espaço, pretendo ser o que talvez não venha sendo durante muito tempo: sincero. E talvez não tenha amigos porque eles e elas também não confiem em mim, e tenham suas razões, plenamente justificáveis. Quando era mais jovem, era mais sincero e tinha firmeza em minhas convicções. Não penso que tenha sido ingenuidade, nem ideologia. Penso que naquele tempo acreditava mais e lutava pelas minhas crenças. Agora estou mais pragmático. Talvez minhas convicções estivessem ligadas à minha situação social e Marx estivesse certo em suas predições científicas, baseadas no conflito entre a sociedade de classes. Ou talvez o tempo que vivi tenha passado e com ele aquele jovem tenha se transformado neste homem que agora exprime sua angústia, demonstrando empiricamente o que Heráclito de Éfeso já havia afirmado faz mais de dois mil anos: um homem não se banha duas vezes num mesmo rio. Não tenho, portanto, capacidade para ser líder e, por isso, tanto admiro Nelson Mandela e o exemplo que ele representa especialmente para mim e para toda a humana contemporaneidade.
Mas também tem alguns outros pseudo líderes que representam exatamente o oposto para mim. Dom Geraldo Majella é um desses. Mas não é só ele. Jacques Wagner, Paulo Souto, Geddel Vieira Lima, ACM Neto, César Borges, Antonio Imbassaí, Walter Pinheiro, João Henrique Carneiro, entre outros, são líderes frágeis, forjados na bonança, sem convicções e sem firmeza em suas ações em favor de seu povo, de sua gente. São líderes que se vendem por algumas vantagens imediatas e fogem velozmente dos combates mais duros. Enquanto o mundo discute a violência crescente, as tragédias do Haiti, a morte prematura dos jovens negros em Salvador, a corrupção desenfreada dos “homens públicos”, entre outros, os textos dominicais de Dom Majella são de uma mediocridade e de uma superficialidade cristã que me enoja. Ele parece falar a todos, mas quase ninguém o escuta, porque suas palavras estão desgarradas da história que se desenrola no seu tempo e no espaço em que vive, Salvador da primeira década do século XXI. As almas dos jovens negros gritam nas calçadas ensangüentadas pela sistemática do crime oficial, muitas pessoas pobres morrem prematuramente por falta de um sistema de saúde público aceitável, mas ele fala de um Cristo tão distante que chego a confundir o seu Cristo com o próprio Papai Noel. Bem, Dom Majella logo será substituído por outro “Dom primaz qualquer” e isto não fará, na prática, diferença alguma. Rubem Alves tem um texto que fala da diferença entre eucaliptos e jequitibás. O eucalipto cresce rápido e uniformemente. Quando um é cortado, ninguém sente a sua falta, pois será substituído com facilidade. Penso ser o caso do primaz. Quem se lembra do “Dom” anterior? O dom que me recordo agora é do filme bobo que assisti recentemente, “Doom: uma porta para o inferno”. Já o jequitibá não. Ele cresce com a floresta. Tem uma relação íntima com todos os entes daquele lugar e sua história está entrelaçada com o seu tempo. Se for cortado, toda a floresta sente sua ausência e sofre dolorosamente a sua perda. Nelson Mandela é um jequitibá do mundo contemporâneo! E eu posso repetir, orgulhosamente: eu vivi no tempo de Nelson Mandela, o líder, o educador, a orquídea negra de todas as áfricas!
Autoria: Joselito do Zé, da Nair, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
Lí esse texto e gostei bastante, é interessante como a mídia e nós mesmo valorizamos personagens como: Michael Jacson, Tom Cruz, os vencedores do Big Bosta Brasil, etc.
ResponderExcluirPrecisamos é valorizar mais os homens que não se venderam ao dinheiro, a corrupção, ao preconceito, e que concomitantemente lutaram, sofreram e até morreram por uma sociedade mais justa, como é o respectivo personagem Mandela, citado por você.
parabéns Teacher.
Você está sintonizado meu jovem. Está atento e refletindo, o que o torna, infelizmente, raro. Digo isto porque a maioria dos jovens estão discutindo alegremente o Big Bosta Brasil, enaltecendo aqueles personagens inventados frente às câmeras, vazios, superficiais, lixo cultural.
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