A Campanha Criança-Esperança, promovida pela Rede Globo de Televisão, apesar de basear-se no que considera uma boa intenção, termina funcionando como mais uma ideologia que legitima a condição humana precária de milhares de crianças brasileiras. A esperança das crianças não está na doação voluntária de alguns milhares de brasileiros, numa discagem de alguns números dos seus telefones, mas na transformação da estrutura econômica e social perversa que provoca a situação de abandono das milhares de crianças deste país. Portanto, a precariedade da infância não é uma questão de falta de solidariedade, mas de falta de justiça social e de distribuição de renda que permita condições infra estruturais adequadas, para que o número de crianças afetadas pelos fatores que as levam ao abandono seja insignificante e não precise de campanhas que subtraem da população brasileira, mesmo que de forma voluntária, mais uma parte de sua renda, além dos impostos, taxas e outras contribuições obrigatórias que não servem para construir uma sociedade mais justa e equilibrada a partir da infância de seus cidadãos.
A criança brasileira, de um modo geral, já nasce sem esperança. Não há um sistema de saúde público adequado ao atendimento da criança e de seus familiares. Do mesmo modo, praticamente inexiste uma educação infantil de qualidade que atenda às necessidades das crianças, com professores bem preparados e devidamente remunerados, com equipamentos apropriados para esta faixa etária. A inexistência de parques infantis na maioria das cidades é outro indício que corrobora a tese de que a criança é um ser invisível nas políticas públicas do Estado, apesar dos Referenciais Curriculares Nacionais e toda sorte de discursos ocos de lideranças políticas, agentes administrativos e técnicos do Estado. A sociedade vive um “faz de conta” em relação às suas responsabilidades no desenvolvimento de uma infância saudável, equilibrada e plena de potencialidades, omitindo-se na construção de uma verdadeira esperança pautada no atendimento às necessidades infantis através de investimentos econômicos, culturais, sociais, pedagógicos e tecnológicos que assegurem o desenvolvimento das potencialidades humanas a partir do cuidado com a criança.
A esperança não pode ser somente um slogan de uma campanha periódica que atende apenas a alguns poucos incluídos de um imenso contingente de excluídos que perecem todos os dias nas ruas das cidades, nos becos das favelas, aliciados pelo tráfico de drogas, pela prostituição e atirados às feras humanas que espreitam a inocência desprotegida. A verdadeira esperança não espera resignadamente, ou mesmo displicentemente. Ela antecipa-se ao abandono infantil e projeta um futuro acolhedor no presente que já acolhe e protege, não apenas a uns poucos, mas, senão a todos, pelo menos a maioria. A esperança não cruza os braços e faz discursos, nem apelos simplórios, ela age e combate a negligência social, a inoperância e também a negligência criminosa do Estado. A esperança pesquisa e constata, denuncia e propõe, cria, constrói e acolhe a criança que chora suas faltas que depois cobrará no adulto cuja crueldade tem raízes na criança cruelmente abandonada por todos nós, pois os filhos da rua são também os nossos filhos. Isso tudo pode ser sintetizado no que afirmou certa vez, num de seus artigos, o excelente intelectual Cristovam Buarque: O Brasil era o país do futuro, agora o Brasil é o país que tem medo do futuro. Antes acreditávamos que o futuro traria o Brasil que desejávamos em nossas utopias, agora tememos os desdobramentos que o presente nos dará, tal qual um cavalo de tróia, de cujo ventre devem sair os cruéis seres humanos que foram abortados já em vida pela sociedade brasileira negligente.
Portanto, a Campanha Criança-Esperança, não traz mais esperança porque não toca nas raízes das tantas desesperanças e desesperos que a infância brasileira criminosamente é submetida dia após dia, todos os anos, através de uma contra campanha criança-desesperança permanente em nome do abandono, pautada pela negligência dos poderes públicos e pelo esquecimento social que tornam a criança um ser invisibilizado nas ausências de infra estrutura, saúde, educação, serviço social e acolhimento profissional adequado à infância brasileira que ainda geme as dores do pós-parto.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
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