A pouco me dei conta de estar a contemplar os tênis e as meias de corrida que lavei. Na verdade não contemplava os tênis e as meias, mas o resultado do meu trabalho. Parece coisa de besta, eu ali, olhando algo aparentemente banal. Mas não é! Transformei sujeira e fedor em limpeza e cheiro bom. Coisa simples, e, profunda. As lavadeiras de roupa também são assim: transformam a sujeira e o mau cheiro das roupas em limpeza, cheiro bom, organização. Quantas pessoas passam por nós cheirando, roupas impecavelmente limpas, atraindo nossa atenção, mesmo que fugaz. Há alguém que lavou, que passou, que organizou no guarda-roupa. Esse alguém, que a gente muitas vezes invisibiliza, é uma lavadeira de roupas, que está na base da limpeza vestida que cruza nosso caminho.
Os garis, as lavadeiras de roupa, as varredeiras de ruas, todas essas pessoas são agentes de limpeza e sem elas a sociedade desmoronaria. O filme Ensaio sobre a Cegueira, adaptado do livro de Saramago de mesmo título, mostra que se perdêssemos a visão coletivamente a sujeira tomaria conta das ruas, das residências, de todos os espaços enfim. Se perdêssemos nossos garis, nossas empregadas domésticas e nossas lavadeiras teríamos que aprender a limpar nossa sujeira, e isso mudaria toda uma cultura escravagista que está na base da negação e invisibilização de pessoas que fazem esse trabalho. Assisto filmes europeus e americanos e percebo que, ao final de um jantar, quando todos e todas já foram, as pessoas que residem na casa é que vão para cozinha lavar os pratos, depois de terem limpado a mesa e varrido a casa. Aqui percebo que a sujeira fica acumulada, não por preguiça, mas por uma cultura Lady Kate: do "tô pagando" e se "tô pagando", deixa a sujeira para a nossa "escrava particular" limpar no dia seguinte, sob minha atenta e atentada supervisão. O problema de uma sociedade capitalista, racista e hedonista é que essas pessoas são invisíveis, tidas como inferiores na hierarquia de valores que a sociedade tece todos os dias, reproduzindo um status quo falido de um escravagismo muito presente nas corriqueiras atitudes que nos definem.
Percebo que muita gente quer o tal Reino de Deus. Mas esse desejo me parece contaminado pelo egoísmo e pelo racismo. Um reino só pra mim e no máximo minha família nuclear, idealizadamente branca e cristã. Desse modo, jamais alcançaremos esse Reino Universal, ou, atualizando, essa comunidade solidária de mulheres e homens, sem modificarmos nossos valores que se dizem cristãos, mas que são baseados no darwinismo social excludente aliado ao escravagismo cotidiano dos nosso lares, que tem como resultado a pobreza, a exclusão e a morte prematura dos que são considerados inferiores na hierarquia do reino do cão. É bom lembrar que Jesus Cristo não era cristão. Ele foi apropriado por uma instituição denominada Igreja Católica, que limitou a ação de Deus, Deus universal, num cristo particular, que se tornou símbolo poderoso a serviço dos interesses dessa instituição de poder autoritário e, como todo símbolo, deslocou-se agora a servir às igrejas neopentecostais de pastores de mau caráter como Edir Macedo, Silas Malafaia, R. R. Soares e Valdemiro Santiago. Quem tornou Jesus particular, aprisionando-o nos estreitos limites de uma instituição humana, que se intitulava "a religião verdadeira" em detrimento das outras formas de manifestação religiosa, afastando-o e afastando-as de Deus, não foi Jesus, foi a Igreja Católica.
Sou professor e, sem o trabalho das pessoas que limpam o espaço no qual trabalho, não há possibilidade da aula acontecer. Sou lavadeira, sou gari, sou varredeira e sou assim. Eu acredito no Reino no qual eu também sou gari, lavadeira, varredeira, empregada doméstica. Com eles e com elas eu limpo a minha própria alma, cheia de sujeira acumulada por essa história maldita que insiste em ser recontada, dentro do meu próprio lar.
Sou professor e, sem o trabalho das pessoas que limpam o espaço no qual trabalho, não há possibilidade da aula acontecer. Sou lavadeira, sou gari, sou varredeira e sou assim. Eu acredito no Reino no qual eu também sou gari, lavadeira, varredeira, empregada doméstica. Com eles e com elas eu limpo a minha própria alma, cheia de sujeira acumulada por essa história maldita que insiste em ser recontada, dentro do meu próprio lar.
Joselito Manoel de Jesus, Filho da Nair, que já lavou muita roupa para que eu chegasse até aqui.
Sem palavras.... espere, encontrei uma: perfeito
ResponderExcluirObrigado Verônica por compartilhar seu sentimento em relação às ideias que o texto apresenta e defende.
ExcluirSem palavras... espere, encontrei uma: perfeito
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