A morte violenta de jovens em Salvador
não pode ser entendida historicamente nesta frase. Somente se acrescentarmos a
palavra negros (as), aí começamos a explicar o fenômeno social, político, econômico
e cultural no Brasil e, em especial, na Bahia. O racismo em nosso país,
desdobramento perverso do processo de escravatura que aqui enriqueceu essa
elite ordinária, expressa a sua lógica em números bem claros, levando-se em
consideração inicialmente dados educacionais.
Desses 981.964 estudantes da Rede
Estadual de Ensino na Bahia, 312.963 estão no Ensino Fundamental, 596.909 estão
no Ensino Médio e 72.092 no Ensino Profissional. A tais dados acrescentem-se os
recortes abaixo, por gênero e por cor/raça.
Os pardos estão em primeiro lugar em
número de matrículas, não necessariamente de frequência às aulas, vindo em
seguida os que não têm identidade racial, os brancos e os negros em seguida. Mas
vamos verificando mais dados fornecidos pelo Censo/INEP 2014.
Nos dados acima vamos percebendo o
cruzamento de dados que vai refletir na reportagem especial do jornal Correio de
hoje, quinta-feira, 18 de dezembro de 2014, páginas 22 e 23 no especial “Tempo
Perdido”. Observamos que os homens estudam menos que as mulheres, isso eu
percebo nas salas de aula que frequento, do Ensino Fundamental ao Doutorado. Como
vimos no gráfico acima no Ensino Fundamental tudo bem. A lei obriga as famílias
a colocar seus filhos e suas filhas na escola e, associado ao Programa Social
Bolsa-Família, há um resultado muito bom de acesso e frequência à instituição
escolar.
Contudo, à medida que avança o nível de
ensino as mulheres brancas e os homens brancos vão sendo a maioria dos
estudantes. Mesmo no Ensino Médio o número de homens brancos já é maior que o
de mulheres negras, delineando-se uma situação que irá piorar no Ensino
Superior, com apenas 10,9 % das mulheres negras e 7,4 % dos homens negros ou
pardos neste nível de ensino. Ora, ao olharmos novamente para o número de
matriculados na Bahia, de um total de 3.767.970 estudantes, com 1.632.145 de
pardos e 291.928 de negros, o que juntos dá um total de 1.924.073 estudantes
pardos e negros e a maioria dessas crianças e jovens vão sendo excluídos do
sistema de ensino baiano até que, somente poucos deles e delas consigam acesso
ao ensino superior, um importante indicador nos dias de hoje para alguma
esperança de ascensão social e econômica.
Entre
pedras e passarinhos.
Misturando os renomados poetas Mário Quintana
com Carlos Drummond de Andrade, perguntaria: que pedras são essas que atravancam
o caminho desses e dessas jovens pardos (as) e negros (as)? Segundo o jornal
Correio, página 3, de hoje, numa reportagem de Naiana Ribeiro e Agências, sobre
a queda da taxa de fecundidade das mulheres baianas e brasileiras
O índice dos chamados “nem-nem” –
geração de jovens entre 15 e 29 anos que nem estudam nem trabalham – é de 20,3%
no Brasil, já no Nordeste vai para 35,2%; na Bahia os “nem-nem” são 23,9% e na
Região Metropolitana de Salvador (RMS) 21,6%, diz Joilson. O funcionário do
IBGE observa que esse fenômeno acontece em todos os estratos sociais. “É uma
figura que, tendo uma formação básica ou até mesmo superior, não conseguiu
encontrar as atividades profissionais desejadas. Entre as pessoas de classes sociais mais baixas, tem a ver com a baixa
qualificação e exclusão da atividade de trabalho. Entre as mulheres, que são
69% dos “nem-nem”, tem a ver com atividade doméstica, por terem filhos,
explica. (RIBEIRO, p.3, 2014)
Os “nem-nem” negros e pardos e mulheres
negras vão deixando de frequentar as escolas, deixando de perceber a educação
como caminho viável para a conquista de uma vida digna. Eles e elas em sua
maioria vão abandonando a escola no Ensino Médio e vão para onde mesmo? Reportagem
supracitada do Correio, feita por Alexandre Lyrio e Edvan Lessa – p.22 e 23 –
nos ajuda a responder boa parte dela.
Há algo estruturante socialmente que
está na raiz da produção desse fenômeno, que não pode ser compreendido apenas
por um recorte de cor/raça, de gênero, nem mesmo de classe. E esse “algo
estruturante” tem um nome bem específico: racismo institucional. Esta praga
ideológica, alimentada pelas brasas vivas da escravidão e do modo como ela
ocorreu no Brasil, produz efeitos perversos sobre milhões de jovens que não
conseguem oportunidades e possibilidades de prosseguir suas vidas adiante. E a
maioria esmagadora desses jovens, como bem o demonstram os gráficos acima
elaborados pelos jornalistas do Correio, são negros (as). Somente este ano em
Salvador foram 115 adolescentes, prestem bem atenção: adolescentes! Assassinados
na capital da Bahia.
Da minha geração foram vários
conhecidos, jovens ou ainda adolescendo, que desapareceram pela violência
crescente que nos cerca. O racismo institucional não está apenas na polícia
baiana. Está na escola, está nas igrejas, nas famílias, nas universidades, nos
hospitais e postos de saúde. A polícia é violenta porque temos uma sociedade igualmente violenta que legitima as execuções. A ideologia perversa que legitima a morte de
milhares de jovens e adolescentes negros por ano, é retroalimentada, atualizada
e aperfeiçoada em muitos espaços institucionais, produzindo cadáveres e
sofrimentos daqueles que deveriam ser orientados amorosamente por nós para
ocupar a nossa história no mais alto grau de dignidade.
Este texto, fala pra mim também.
Perguntando-me sobre o meu modo sutil e muitas vezes inconsciente, de
participar desse processo de negação do outro por conta da cor de sua pele, de
sua raça, de sua identificação. Se a gente não se dispuser a perceber como
estamos enredados nessa trama macabra, jamais conseguiremos superar esse
fenômeno que nos nega ao negar o outro, julgando-o e encaminhando sua execução
para a naturalidade de nosso cotidiano. Por isso meu caro licenciando, minha cara licencianda, que agora está adentrando o sistema de ensino baiano. Pense neste fenômeno com cuidado e examine os seus passos em sala de aula, a fim de combater o racismo institucional. Ele, de fato, como afirmou Fátima, mulher negra comprometida com as causas raciais e de gênero, não é recorte. É estruturante!
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de
Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel com o auxílio de
LYRIO, Alexandre; LESSA, Edvan. Sangue amargo: Adolescentes são mortos mais que matam. Correio. Caderno MAIS, Especial Tempo Perdido. Salvador, quinta-feira, 18/12/2014, p.22-23.
RIBEIRO, Naiana e Agências. Menos Mães. Correio. Salvador, quinta-feira, 18/12/2014, p.3.
LYRIO, Alexandre; LESSA, Edvan. Sangue amargo: Adolescentes são mortos mais que matam. Correio. Caderno MAIS, Especial Tempo Perdido. Salvador, quinta-feira, 18/12/2014, p.22-23.
RIBEIRO, Naiana e Agências. Menos Mães. Correio. Salvador, quinta-feira, 18/12/2014, p.3.