Tergiversamos
constantemente a verdade. Dizer a verdade, ou, pelo menos, ter a coragem de
encará-la, não é para qualquer um. E é esse o principal motivo de nossas “desgracenças”.
Mentimos para nós mesmos e para os outros, pensando que a mentira nos resguarda
de nossos pecados, de nossos defeitos, de nossos erros e até mesmo do nosso
eros. A mentira é a saída mais fácil que buscamos para fugir da difícil
realidade de nos encarar no espelho. E a mentira circula livremente em nosso
desempenho profissional, em nossa relação conjugal, em nossa vida pública e
privada, como num grande “contrato social” elaborado e renovado todos os dias,
em todas as instituições.
O
governo mente na propaganda, exaltando o que considera seus feitos e omitindo
as suas insuficiências e os impactos negativos de seus pactos para continuar
governando. Nas propagandas da prefeitura e do estado, Salvador é o melhor
lugar pra se viver e a Bahia é a terra de todos nós. As Câmaras de Vereadores,
as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional são instituições políticas
fundamentadas na mentira. Os que nelas entraram, no mínimo mentiram. Mas se
fossem somente os políticos profissionais que mentissem o Brasil já estaria num
patamar superior de civilização. O sistema educacional mente deslavadamente.
Seus resultados são interpretados com mentiras ainda mais estupendas pelas
autoridades desse campo. As universidades também são antros de mentira. As
igrejas então, essas mentem alicerçadas no discurso sagrado para milhões de
fiéis que crêem em padres, pastores, missionários, obreiros, freiras, “irmãos”
e adjacentes.
É
preciso ter muita coragem para não fugir da verdade. Para não contorná-la sem
precisar recorrer ao suicídio. Sei que há, como me ensinaram alguns religiosos sérios,
a “mentira bondosa” ou o silêncio bondoso. Mas eu percebo que a verdade dificilmente
vem de frente em nossas práticas discursivas. Ela sempre vem no fundo das
nossas tramas linguísticas, apagada pela força coercitiva das formações
discursivas que determina o que pode e o que deve ser dito. Por isso precisamos
de psicólogo. Porque mentimos tanto, tanto, tanto, que as vezes a verdade reprimida
retorna poderosa, causando estragos inesperados nas relações que temos, por
causa dos comportamentos erráticos, esquisitos, que nossa estratégia mentirosa
calculou erroneamente, mesmo que inconscientemente. Erguidos pela mentira, estruturados em suas tramas maléficas, só apodreceremos como indivíduos e sociedade. Sem o reconhecimento das mentiras que contamos para nós mesmos todos os dias, todas as semanas, todos os meses e todos os anos, jamais conseguiremos sair do sequestro que fizemos de nosso ser, atando nossa boca, amarrando nossos braços e pernas, furando nossos olhos.
A mentira,
portanto, é o Windows ou o Linux de nossos comportamentos. Coloridos, exatos,
lineares, fáceis de serem usados e descartados. Mas a verdade é o MS-DOS, no qual
os sistemas operacionais “rodam”. Assisti a entrevista de Luciano – da dupla
Zezé de Camargo e Luciano – e percebi como aquele cara é arrogante, como mente
para si mesmo com uma facilidade espantosa, acreditando-se ser o que todos
sabem o que ele não é: um grande artista. Ele é o irmão de uma artista mediano,
e só. Da mesma forma mentimos sobre pessoas, sobre nossa cidade, estado, país.
Para além do “complexo de viralatas” que dizem o brasileiro ter, o que temos é
a percepção imediata de um país sem nação, de lideranças políticas que se
comportam como os portugueses do século XVI, que somente sonhavam em fazer
riqueza com a exploração dessa “Terra de Santa Cruz” para voltar para a Europa.
O nosso sistema educacional é de mentira, a nossa segurança pública é de
mentira, a nossa saúde pública é de mentira, as obras públicas são de mentira, a
arte é uma mentira, o nosso sistema prisional é de uma mentira “pavorosa”, um
verdadeiro “acidente” e até deus foi usado como mentira para arrecadar dinheiro
de tolos. O presidente Temer é uma mentira, os partidos políticos são de
mentira, nossas empresas mentem para seus clientes, e a maioria das coisas por
aqui terminam sendo uma propaganda mentirosa, que projetam produtos e serviços
como se fossem impecáveis, maravilhosos e, na prática, são armengues feitos a
serviço do/a mentiroso/a que adquire e se satisfaz com a mentira entregue para
o seu hedonismo. "Dizei a verdade e a verdade vos libertará".
Joselito
da Nair, do Zé, da Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel