Gosto muito das reflexões de Leandro Karnal,
mas tem momentos em que discordo completamente de suas opiniões, como foi o
caso hoje, no Jornal da Cultura, 19 de fevereiro de 2018, quando este competente intelectual falava
sobre o anarcocapitalismo. Nesta fala, ele afirma, não com minhas
palavras, que o cidadão deseja é o estado competente e organizado, independente
de direita ou esquerda, que ele considera ultrapassado associando tal identificação ao anacrônico período da Guerra Fria e, portanto, desqualificando quem assim classifica as representações políticas e as filiações ideológicas das classes sociais.
Ora, pelo que eu saiba o capitalismo não acabou e a exploração do trabalhador
continua, como sempre foi desde o princípio desse sistema, variando
historicamente de acordo com o contexto histórico de luta e organização das
classes trabalhadoras. Esse “cidadão” não é abstrato, um ser universal das
democracias também iguais.
Aí o Senhor Karnal não cortou a carne com a
navalha de compreensão correta. Porque não existe cidadania no Brasil! Porque o
Estado é seletivamente e preconceituosamente branco! E por isso o racismo é
estrutural, tratando de modo negligente e criminoso as populações negras e mestiças
desse país, muitas delas sem ter uma ideia de sua suposta cidadania e de seus
direitos elementares que, embora escritos na Constituição Federal, são apagados
no atendimento nos postos de saúde, nas escolas públicas de péssima qualidade,
na abordagem policialesca de um estado-capitão-do-mato. A guerra não é fria
professor Karnal, ela continua quente, está próxima da erupção, e o cidadão é
uma falácia que a materialidade das relações sociais, políticas e econômicas
prova.
O brilhante professor Leandro Konder, seu xará,
afirma que “ao tratar de forma idealista a realidade, muitas pessoas não
conseguem sair do plano abstrato dos conselhos e “boas ideias” e ficam numa
pregação moralista e em projetos ingênuos de reforma dos costumes e das
“mentalidades”. (KONDER, 1995, p.31). Desse modo, se o senhor não aborda a
realidade em sua materialidade dialética, porque o capitalismo não acabou e a
divisão social do trabalho permanece fazendo vítimas nas classes sociais excluídas
do acesso a esta cidadania branca, deixa de compreender a história em seu
processo dinâmico e, perde a oportunidade de colocar-se como intelectual que
identifica suas contradições principais e seu movimento dialético no
aparecimento de novos personagens que entram em cena na história em função das
determinações mais amplas de nosso tempo. É preciso, portanto, abandonar esse
idealismo que a direita brasileira e americana que impor como verdade
discursiva e aliar-se à esquerda brasileira que se renova e que não pode ser
reduzida à experiência de governo do Partido dos Trabalhadores, que foi uma
experiência muito significativa para as classes populares de nosso país.
Por fim, existe direita e esquerda sim! Sempre
vão existir enquanto houver sistemas que geram desigualdades perversas, tais
como a fome na abundância, a favela em meio aos edifícios de luxo, a miséria na
fartura, o racismo na cidadania idealista, a morte prematura em meio à
longevidade dos brancos. A direita identificada com os privilégios e com a
propriedade privada, e a esquerda com a justiça social, os pobres da terra, a
luta pela emancipação humana. A cidadania que existe - fazendo uma intertextualidade com Gilberto Dimenstein - é a de papelão, aquela com a qual se cobre o morador de rua para não morrer de frio nas noites abandonadas pelo estado desse país. Eu sou de esquerda, e estou na guerra contra a
exploração do ser humano por outro ser humano.
Joselito Manoel de Jesus, professor, poeta e membro da esquerda brasileira
e mundial.
REFERÊNCIAS
KONDER, Leandro. O que é dialética. 1.
reimpr. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1995.