Nesses tempos sombrios que o nosso país passa, como se fosse uma travessia difícil que exige coragem para ser feita, tempos nos quais a mentira em forma de fake news, a truculência em forma de perseguição, a crueldade racista em forma de 80 tiros dados sobre um automóvel branco no qual a pele preta estava ao volante, como uma terrível ironia. Neste país um Ministro da Educação num gesto profundamente discriminatório e desrespeito aos/às nordestinos/as, fala que as universidades da nossa região não devem ensinar filosofia e sociologia. Neste país no qual uma ministra afirma que lugar de mulher é dentro de casa, submissa ao marido, que meninas devem vestir rosa e meninos devem vestir azul, e no qual uma igreja neopentecostal começa a exercer desmedido poder em conluio com o Presidente da República, um misógino, racista e violento, pouco afeito à leitura e à reflexão, que entrega nossa nação de mãos beijadas para os norteamericanos. Um país no qual dois ministros do STF utilizam de dispositivos autoritários, instaurando inquéritos à revelia do Ministério Público, característicos de períodos de exceção democrática, para silenciar e perseguir as revistas jornalísticas “O Antagonista” e “Crusoé”, tentando blindar um deles de suas ligações perigosas com o capital sempre corrupto. Tempos sombrios estes. Que precisamos atravessar.
Por isso, nesse tempo entre a morte e a ressurreição eu rezo pela ressurreição da verdade! Eu alimento a esperança na ressurreição do movimento negro! Eu espero ativamente a ressurreição do nosso povo, ferido em seus direitos fundamentais, com acesso reduzido à saúde, com a educação pública sendo ameaçada, com possibilidade de não mais obter a aposentadoria. Eu torço pela ressurreição dos movimentos populares, dos sindicatos e associações profissionais na luta contra o desmonte pavoroso do Estado a serviço da população e dos direitos fundamentais do ser humano. Eu torço pela ressurreição do sujeito político na arena do debate, defendendo a vida acima de qualquer lucro do grande capital nacional e internacional.
O Jesus Cristo no qual eu acredito é aquele que veio para que todos/as tenham vida, vida em abundância! Jesus Cristo que foi às ruas, pregou a divisão do pão e não o acúmulo ganancioso do capital; Aquele que chutou a barraca dos vendedores da fé e hoje chutaria os falsos pastores que enriquecem vendendo a palavra de Deus; Jesus Cristo que pregou a paz, colocando a orelha do soldado de volta, e não o porte de arma, no caso a espada. Eu acredito na Ressurreição de Cristo e de todos/as aqueles que com Ele se pareceram: creio na ressurreição de Paulo Freire, de Irmã Dulce e de Madre Teresa de Calcutá e de todos/as aqueles/as que lutaram para que os pobres da terra tenham maiores chances de viver e de pensar coerentemente e solidariamente sua existência; creio na ressurreição de Chico Mendes, de Irmã Dorothy Stang e de todos/as aqueles/as que morreram em defesa da natureza; creio na ressurreição de Martin Luther King, de Septima Clark, de Nine Simone, Zumbi e Dandara dos Palmares, de Malcon X e de todas as pessoas que lutaram em defesa dos direitos da negritude; creio na ressurreição de Milton Santos, de Oscar Wilde, de Charles Chaplin, do negro Machado de Assis, de Einstein, de Lima Barreto, de Carolina de Jesus e de tantos/as intelectuais que pensaram a justiça, a igualdade e um mundo melhor para todos e todas, mesmo com suas contradições humanas.
Creio, enfim, na Ressurreição do mundo no qual a utopia seja o nosso horizonte permanente de ação. São em todas essas ressurreições nas quais acredito e celebro, porque nelas e por elas, a Ressurreição que se celebra ganha todo o sentido. Creio na Ressurreição da esperança, do amor, da verdade, da justiça e da liberdade. Eu não posso celebrar uma ressurreição fora de mim, se ela não se fizer presente em mim, em minha história, em meu espaço geográfico, em minha memória, em minha luta pelo mundo que Jesus Cristo pregou, no qual o critério de sucesso e de renovação é daquele e daquela que abandona toda a arrogância, todo o preconceito, toda a discriminação, todas as armas e todas as amarras e, curvando-se, lava os pés dos seus semelhantes mais humildes. É nessa travessia do ódio para o amor, da tristeza para a alegria, da submissão para o diálogo verdadeiro que Paulo Freire propôs, da morte para a vida que eu celebro e atuo com minha existência humilde, mas persistente, porque, como o poeta Gonzaguinha, tenho fé na Vida, fé no homem [e principalmente na mulher], fé no que virá, nós podemos muito, nós podemos mais..." Feliz domingo de Páscoa para todos e para todas!
Joselito da Nair e do Zé (a quem espero reencontrar em breve), do Rafael, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.