terça-feira, 13 de março de 2012

MEDIAÇÃO NA AVALIAÇÃO

Corrigindo a avaliação que apliquei semana retrasada, deparei-me com uma boa resposta da aluna Naiane Oliveira Damercê, à seguinte pergunta: “Quando uma pessoa aprende algo, ela domina o que aprendeu e sabe fazer muito bem os procedimentos necessários que envolvem aquele aprendizado. Explique, de maneira sucinta, algo que você aprendeu bem, e explique isso utilizando uma, ou mais, abordagem (ns) teórica (s) estudadas em nossa disciplina: Teorias do Desenvolvimento." A resposta foi a seguinte:

Aprendizado requer persistente busca do conhecimento, quer desvendar o sentido de determinado objeto e explicar de maneira simples o conhecimento obtido. Foi partindo dessa perspectiva que aprendi sobre a história do Cangaço, ancorada no modelo relacional, onde a curiosidade adquirida a partir de histórias contadas pelos meus pais instigou-me a buscar conhecer mais profundamente esse momento histórico. Nessa ânsia de aprender, aconteceu no colégio em que eu estudava a Semana de Cultura. Foi então que minha professora, percebendo o meu desejo, assim como de outros colegas, propôs o tema “Cangaço”, orientando-nos nas pesquisas, decoração da sala, tornando, dessa forma, o aprendizado prazeroso e simples. Esse Interacionismo professor-aluno contribuiu significativamente para meu bom desempenho nas questões e debates relacionados com o tema.

Bem, como concebo a avaliação como mais um momento privilegiado de aprendizagem e de ensino, procurei dialogar com Naiane a fim de potencializar a reflexão descritiva que se encontrava naquela resposta. Fui, assim, desenvolvendo o diálogo.

Nesta questão você, Naiane, descreveu um caminho de aprendizagem, com passos necessários para que tal aprendizagem se configure em seu potencial cognitivo. Vamos enumerar esses passos?

1.    PERSISTENTE BUSCA DO CONHECIMENTO.

Verdade. O conhecimento não cai do céu. É preciso buscá-lo. E essa busca é que gera conhecimento e autoconhecimento. O conhecimento não está dado nos livros didáticos, na internet, nos cd´s, nas emissoras de rádio e tv. O conhecimento é construído em sua busca. E parte dele está nas informações disponibilizadas nas emissoras de rádio, tv, na internet, nos cd´s, nos livros, enfim. Mas a parte principal está na qualidade de quem busca o conhecimento, tanto de quem ensina, quanto de quem aprende. Decorre daí que o professor deve também buscar o conhecimento, e não colocar-se numa posição daquele que possui o conhecimento, utilizando-o como legitimação de seu poder sobre os educandos. A relação professor-aluno é transformada qualitativamente em função da própria maneira de se lidar com o conhecimento, que deixa de ser um produto dado e pronto, para ser uma aventura permanente em busca da incessante disposição do ser humano para transformar o mundo a seu favor sem, no entanto, destruí-lo. O conhecimento não cessa, porque, simplesmente, não cessam os problemas que exigem da humanidade sua adaptação criativa diante do fenômeno de nossa existência nesse planeta-mãe.

É no sujeito epistemológico (a pessoa que pode e quer conhecer algo) com suas indagações, inquietações, desconfianças e intuições que está a qualidade do conhecimento a ser construído. Uma pessoa desorganizada, sem método, sem persistência, com pouca leitura e parca curiosidade, provavelmente terá pouco sucesso em sua empreitada intelectual, seja na escola, seja na universidade, seja no que quer que faça. A persistência vem da vontade, do desejo da pessoa que quer, verdadeiramente, aprender. É uma característica básica de qualquer pesquisador, institucionalizado ou não: persistir, buscar com afinco e não desistir nos primeiros fracassos.

2.    O QUERER DESVENDAR O SENTIDO DO OBJETO EM ESTUDO

É uma atitude natural do ser humano, querer desvendar o segredo das coisas, o que Paulo Freire denominava de “curiosidade natural”. O grande problema é que a escola e o currículo, ao formalizar o objeto de estudo, retira-lhe o ser de si, para si. Destitui a ontologia histórico-social que engendrou o mistério contido no objeto, retirando-lhe sua energia simbólica que pulsa em sua existência, fazendo com os educandos percam a vontade de conhecer o que, aparentemente, já é por demais conhecido. Por que estudar algo que não tem segredos, nem magia? Por que examinar e refletir sobre algo que já está, aparentemente exposto e morto? Fica para o educando um objeto de conhecimento esvaziado de sentido. Querer desvendar o sentido do objeto requer uma atitude investigadora, que começa com o espanto (filosófico) inicial, partindo para perguntas e levantamento de pistas para ir verificando empiricamente o objeto da nossa curiosidade epistemológica. Finalmente, tiramos nossas conclusões provisórias e as compartilhamos com parentes, amigos, outros curiosos ou o que Thomas Kuhn denomina de “comunidade científica.”

O conhecimento é a busca da construção mental da ordem. E aqui não desejo entrar na discussão filosófica sobre a ordem e a desordem. Reconheço perfeitamente o papel da desordem em nossa existência.

Problema duplo por toda parte: o da necessária e difícil mistura, confrontação, da ordem e da desordem. O desenvolvimento de todas as ciências naturais fez-se, desde meados do século passado, por meio da destruição do antigo determinismo e no confrontamento da difícil relação ordem e desordem. As ciências naturais descobrem e tentam integrar aleatoriedade e desordem, quando eram deterministas a princípio e por postulado, enquanto, mais complexas por seus objetos, mas mais atrasadas em sua concepção de cientificidade, as ciências humanas tentavam expulsar a desordem. (MORIN, 1999, 197-198)

Entretanto, meu objetivo aqui não é discutir a relação entre a ordem e a desordem, mas dialogar com sua descrição sobre seu processo de aprendizagem e fazê-la avançar no domínio dos conceitos fundamentais e das categorias teóricas estudadas em nossa disciplina, Teorias do Desenvolvimento, a fim de que tais abordagens teóricas a auxiliem em seu trabalho docente, potencializando sua formação profissional nesse campo.

Para viver o ser humano precisa da ordem, pois a desordem não permite a previsão, a preparação para os eventos. Sem esta ordem criada socialmente, o ser humano é o mais frágil de todos os animais e logo seria extinto. É por isso que a busca da ordem, através da construção permanente do conhecimento, deve ser uma necessidade concreta e simbólica e não uma mera obrigação didática ou acadêmica enfadonha que muitas vezes nós, educadores e educadoras, impomos sobre nossos educandos e educandas, tornando a escola um espaço indesejável. Sobre isso, Rubem Alves (2006) afirma que “a ciência é uma função da vida. Justifica-se apenas como órgão adequado à nossa sobrevivência. Uma ciência que se divorciou da vida perdeu sua legitimação.” (p. 40). A “desordem” é um problema para o ser humano. E toda investigação começa com um problema. Um desses que nos espanta e atiça a nossa vontade de compreensão. “Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.” (ALVES, 2006.p. 43).

A descrição de sua experiência de aprendizagem foi perfeita nesse sentido, revelando-se e revelando uma educadora sensível, atenta e comprometida com a assunção cultural dos seus educandos e suas educandas envolvidos (as) no processo educativo. Este processo descrito por você começou a partir do desejo pulsante, engendrado em sua história familiar e no modo dessa família de partilhar histórias entre seus membros. Vocês ampliaram sua visão sobre a História do Cangaço sem perder de vista o rigor acadêmico que a disciplina exige. Isso traz esperança, que constitui a metodologia dialógica freiriana. (FREIRE, 1999). A esperança é um elemento permanente da aprendizagem. É preciso sonhar alegrias com a aprendizagem de algo, é preciso nutrir o espírito da espera ativa que busca o saber para ser mais feliz, mais realizado (a), mais ser humano. A esperança é a força viva que me impele a escrever nessa hora, mergulhado em sua experiência e em seu saber saboroso, a partir de minha experiência e meu saber, emergindo, não mais como era antes dessa majestosa e dignificante interação, através do compartilhamento solidário de saberes que se encontram nessa avaliação.

EXPLICAR DE MANEIRA SIMPLES O CONHECIMENTO OBTIDO

Dizem que sábia é aquela pessoa que consegue explicar as coisas mais complexas de formas simples, para que todos e todas tenham acesso a esse saber. Verdade. Assim como a ordem e a desordem, o simples e o complexo fazem parte de uma mesma realidade, complementar e contraditória. Outro dia estava pensando nos papéis que circulam aqui em casa. O filtro que faz o café, por exemplo. É tão simples que e ao mesmo tempo me faz pensar na sua textura, na sua constituição molecular e em como esse conhecimento foi sendo obtido para transformá-lo nesse uso específico. Ele filtra, mas não rasga, funciona perfeitamente para o seu fim, inclusive, a depender da situação e da necessidade, pode ser usado mais de uma vez. De fato, o conhecimento deve ser explicado, comunicado, a fim de desdobrar-se em novo conhecimento, desde que a realidade material da sociedade e o avanço tecnológico o permita.
Mas há casos de pessoas que não têm capacidade de explicar bem o que sabem. Algumas delas não são professores, nem o querem ser. Que bom. Mas há outras que, infelizmente, desprezam a didática e tudo aquilo que é relativo a ser professor, mesmo quando são professores. Hipervalorizam a ainda frágil pesquisa em função da desvalorização do ensino, o que vem a causar sérios problemas para a formação profissional docente.

O conhecimento obtido é sempre uma construção humana, histórica e, como tal, deve ser sempre submetido ao debate, à desconstrução, o que é essencial para o seu avanço. Nas suas afirmações acima acrescentaria um item e modificaria a ordem que você apresentou inicialmente, deixando em aberto para que outro (a) também proponha modificações e faça avançar nossa discussão, afinal, o conhecimento não está em mim, mas em nossa comunhão solidária em busca de saber mais para sermos ainda mais durante nossa curta estadia na existência.

1.    Problema que incita e provoca a curiosidade;
2.    Vontade de desvendar o sentido do objeto;
3.    Persistente e rigorosa busca do conhecimento;
4.    Constatação e explicação de maneira simples o conhecimento obtido.

Um abraço esperançoso,
Joselito M. de Jesus, com o apoio de:

ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 11. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 3. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

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