segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ABRA O PRESENTE “ABENÇOADO”... ABENÇOADO?

Quando eu era menino, fui levado a acreditar em Deus através da fé de minha mãe. E, por tabela, vieram os anjos, os santos, os padres, os pastores e as freiras. Tinha um homem, pastor Isidório, do qual minha mãe falava com admiração pela fé que esse homem expressou. Segundo ela, no dia em que esse homem foi “se converter” uma dor muito forte o atacou no estômago. Mas ele permaneceu firme. Orou, orou e conseguiu concretizar, em sua vida, a sua fé. Sempre lembrei dessa história como uma lição para muitas outras coisas. Quando minha mãe contou, ela estava me dando um presente. Muito embora receber e desembrulhar o presente, como o faço agora, sempre dependeu da minha vontade. E ela me deu. Sem saber se eu iria gostar.

E lá venho eu, depois de sua morte. E lá venho eu, tendo que lidar comigo mesmo, sem mãe e sem pai. E agora sendo pai e tendo elaborar presentes para que meu filho possa desembrulhar, quem sabe, algum dia. Tenho de continuar a história de minha família, tenho de continuar a história da minha vida. Mas, será que nós percebemos o valor dos presentes que recebemos? Será que nós pensamos em desembrulhar-los para aproveitar as suas dádivas?

No bairro onde morei alguns conhecidos me chamam, seguindo o campo semântico de enunciação deles, de “abençoado”. Eu escuto e finjo que não ligo, pois entendo – pode ser equívoco meu – que “abençoado”, significa relativamente bem sucedido no mundo material da existência. Caso o sentido seja esse, não me considero “abençoado”. Porque em breve a doença e a morte irão tornar essas “bênçãos” insignificantes, do ponto de vista espiritual. Mas isso não significa que eu faço uma ode à pobreza como forma de "salvação", de expiação necessária para alcançar o Reino de Deus. Isso é ideologia fajuta dos donos do poder e do dinheiro! Quero que todos e todas tenham uma vida boa, com moradia decente, acesso a bens e serviços públicos e privados de qualidade, etc. 

Faz-me lembrar de um poema que escrevi ao final de uma prova de Psicologia da Educação, muitos anos atrás...

DE REPENTE RIO

De repente acontece e,
nessa corrente,
desaparece.
O que fica?

O rio caminha serenamente
Silencioso
Vai vagaroso
e eternamente fundir-se ao mar...

Ele me ensina que,
devagar e sempre
em minha sina
eu vou chegar eternamente.

O que fica? O que fica dessas “bênçãos”? Penso.
E hoje, quando acordei, uma leveza revelou-se em meu ser. Acordei como se estivesse acordando mesmo! Acordando de um eu que, dormindo, não percebia certas coisas preciosas. Percebi que Deus não abençoou-me quando fui relativamente “bem sucedido” em minha vida material. Não foi salvando a minha vida de algum acidente, ou curando-me de alguma doença, nem foi possibilitando-me acesso ao dinheiro ou ao poder que Deus me abençoou. Foi possibilitando melhorar o meu ser, avaliar minhas carências espirituais, meus atrasos como pai, como marido, como padrasto, como amigo, como professor, como uma pessoa, um ser humano, que Deus foi me mostrando o seu presente, não apenas para mim, para a humanidade inteira, a fim de que eu me tornasse uma mensagem Sua. Uma mensagem de amor, de compreensão, de paciência comigo e com os outros, de cuidado com a natureza, com as forças vivas do universo enfim.

Eu quero abrir esse presente que me foi dado. Um presente que me tornará uma pessoa melhor nesse mundo e nos outros. Um presente que eu só abro se eu mesmo me abrir para ele. Só assim poderão me chamar de abençoado.



Joselito da Nair (Grande Mãe!), do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. 

domingo, 2 de novembro de 2014

A HISTÓRIA NA COZINHA AQUI DE CASA

Hoje, estava auxiliando Rafael nos estudos de História e de Matemática, pois ele estava encontrando dificuldades para entender a dinâmica da história e suas ressonâncias na economia, na política e na cultura. Nos estudos de História fomos analisando O reinado de D. Pedro II: modernização e imigração. Nesta análise fomos percebendo que o Brasil não foi dividido pelo PT, como alguns ideólogos querem nos fazer crer.

O Brasil não saiu dividido das urnas. Na verdade, ele sempre esteve dividido e qualquer um que tenha estudado a nossa história deveria saber que nunca existiu um “povo brasileiro” em abstrato, mas senhores e escravos, brancos e negros e trabalhadores e patrões, e isso não é uma genial invenção do PT. O que acontece hoje em dia, ou melhor, o que vem acontecendo desde que o PT assumiu o governo, e que se acirrou ainda mais a partir das jornadas de junho de 2013, foi que os setores subalternos se deram conta de que o país nunca foi de todos e então partiram para cobrar sua parte no butim. (SENA JÚNIOR, 2014, p.A2)

Fui orientando Rafinha a perceber a formação histórica de nossa divisão entre sudestinos e nordestinos, norte/sul, negros, índios e brancos, trabalhadores e patrões, etc, como o historiador Sena Júnior apresenta acima. E, lendo, fomos percebendo os indícios históricos dessa divisão:

Durante o longo reinado de D. Pedro II (1840-1889), o Liberal e o Conservador eram os partidos políticos com maior poder no Brasil. Seus líderes eram fazendeiros, comerciantes, funcionários públicos ou militares; pertenciam às elites e tinham interesse em manter a maioria da população excluída da vida política nacional. (BOULOS JÚNIOR, 2012, p.221)

Assim fui mostrando as raízes do Brasil e de sua divisão nascida do modo como nossas relações étnico-raciais, econômicas, políticas e culturais foram sendo delineadas, atravessadas pelos inúmeros preconceitos, pela escravidão e pela exclusão da maioria da população do acesso à riqueza nacional, produzida por todos. “O Brasil é o café e o café é o negro”. – Frase que circulava no Império pelos idos de 1875.

Aproximava-se o horário do almoço e a fome foi nos convocando para a cozinha. Ana preparou um delicioso almoço. Concluímos o primeiro tempo do estudo e almoçamos. Bom, depois do almoço, fui lavar os pratos e as panelas e solicitei que Rafinha fizesse o mesmo com o seu prato. Ao que ele retrucou: – Mas meu pai, porque a gente não deixa aí na pia se a moça – a senhora que vem duas vezes na semana, segunda e quinta-feira nos ajudar na limpeza da casa – vem amanhã? Eu lhe respondi: – Meu filho, você não entendeu a história que a gente acabou de estudar? Você quer continuar num passado em que as elites deixavam ao povo o trabalho pesado e ainda usufruíam da produção dessa riqueza? Você quer que, nesta cozinha, do dia 02 de novembro de 2014, a história de negação do povo brasileiro se repita, colocando-se no lugar do privilegio e da negação do trabalho e do trabalhador? Como você se vê na história brasileira? Como um "filhinho de papai" a ser servido em seus mesquinhos desejos?

Então, fomos refletindo sobre a história como processo permanente de luta, de posicionamento ideológico baseado em convicções firmes que nos exigem coerência, e não em estudos abstratos descomprometidos com as mudanças e transformações históricas, essas sim, que exigem comportamentos diferentes em todos os âmbitos e situações, desde a cozinha de nossa casa e da qualidade das relações que estabelecemos com o outro até a gestão nacional dos recursos de nosso território.

Joselito do Zé, da Nair, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. Com o auxílio de:

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania, 8.º ano. 2. ed. São Paulo: FTD, 2012.

SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias. Os anéis e os dedos. Salvador. A Tarde do sábado, 1/11/2014.