Quando
eu era menino, fui levado a acreditar em Deus através da fé de minha mãe. E,
por tabela, vieram os anjos, os santos, os padres, os pastores e as freiras. Tinha
um homem, pastor Isidório, do qual minha mãe falava com admiração pela fé que
esse homem expressou. Segundo ela, no dia em que esse homem foi “se converter”
uma dor muito forte o atacou no estômago. Mas ele permaneceu firme. Orou, orou
e conseguiu concretizar, em sua vida, a sua fé. Sempre lembrei dessa história
como uma lição para muitas outras coisas. Quando minha mãe contou, ela estava
me dando um presente. Muito embora receber e desembrulhar o presente, como o
faço agora, sempre dependeu da minha vontade. E ela me deu. Sem saber se eu
iria gostar.
E
lá venho eu, depois de sua morte. E lá venho eu, tendo que lidar comigo mesmo,
sem mãe e sem pai. E agora sendo pai e tendo elaborar presentes para que meu
filho possa desembrulhar, quem sabe, algum dia. Tenho de continuar a história
de minha família, tenho de continuar a história da minha vida. Mas, será que
nós percebemos o valor dos presentes que recebemos? Será que nós pensamos em desembrulhar-los
para aproveitar as suas dádivas?
No
bairro onde morei alguns conhecidos me chamam, seguindo o campo semântico de
enunciação deles, de “abençoado”. Eu escuto e finjo que não ligo, pois entendo –
pode ser equívoco meu – que “abençoado”, significa relativamente bem sucedido no
mundo material da existência. Caso o sentido seja esse, não me considero “abençoado”.
Porque em breve a doença e a morte irão tornar essas “bênçãos” insignificantes, do ponto de vista espiritual. Mas isso não significa que eu faço uma ode à pobreza como forma de "salvação", de expiação necessária para alcançar o Reino de Deus. Isso é ideologia fajuta dos donos do poder e do dinheiro! Quero que todos e todas tenham uma vida boa, com moradia decente, acesso a bens e serviços públicos e privados de qualidade, etc.
Faz-me lembrar de um poema que escrevi ao final de uma prova de Psicologia da Educação, muitos anos atrás...
Faz-me lembrar de um poema que escrevi ao final de uma prova de Psicologia da Educação, muitos anos atrás...
DE REPENTE RIO
De repente acontece e,
nessa corrente,
desaparece.
O que fica?
O rio caminha serenamente
Silencioso
Vai vagaroso
e eternamente fundir-se ao mar...
Ele me ensina que,
devagar e sempre
em minha sina
eu vou chegar eternamente.
O
que fica? O que fica dessas “bênçãos”? Penso.
E
hoje, quando acordei, uma leveza revelou-se em meu ser. Acordei como se
estivesse acordando mesmo! Acordando de um eu que, dormindo, não percebia
certas coisas preciosas. Percebi que Deus não abençoou-me quando fui
relativamente “bem sucedido” em minha vida material. Não foi salvando a minha
vida de algum acidente, ou curando-me de alguma doença, nem foi possibilitando-me acesso ao dinheiro ou ao
poder que Deus me abençoou. Foi possibilitando melhorar o meu ser, avaliar
minhas carências espirituais, meus atrasos como pai, como marido, como
padrasto, como amigo, como professor, como uma pessoa, um ser humano, que Deus
foi me mostrando o seu presente, não apenas para mim, para a humanidade
inteira, a fim de que eu me tornasse uma mensagem Sua. Uma mensagem de amor, de
compreensão, de paciência comigo e com os outros, de cuidado com a natureza,
com as forças vivas do universo enfim.
Eu
quero abrir esse presente que me foi dado. Um presente que me tornará uma
pessoa melhor nesse mundo e nos outros. Um presente que eu só abro se eu mesmo
me abrir para ele. Só assim poderão me chamar de abençoado.
Joselito
da Nair (Grande Mãe!), do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de
Jesus, O Emanuel.