segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

BRASIL NOITE E DIA

A noite estava chegando e a gente preparava-se para sua grande sombra. Fui, sem pressa, porém objetivo, para a cozinha. Já precisava de iluminação artificial para organizar cada passo. O pó de café aguardava em silêncio no silêncio daquele momento. Acendi o fogão e coloquei água para esquentar até um ponto indefinido, antes de ferver.

Era preciso preparar a casa para a noite que já adentrava. A casa devia ser um farol para orientar os que erravam no escuro do oceano brasileiro. Quem nela morava também devia estar aceso, com as palavras quentes para receber os passantes. Em breve, a noite os levaria para dentro delas. Não sem um pouco de calor, da brasa humana que restava da fogueira da existência, para sobreviverem até o amanhecer. O Brasil anoitecia.

Palavras esperariam o café e passariam adiante significados esquecidos, aquecidos de esperança. Quem sabe a noite não nos acordaria definitivamente? Desde sua descoberta, este espaço geográfico denominado Brasil parece ter vivido sempre à luz do dia. A luz de sua história ofuscava sua verdade. A gente via, mas não entendia. Ou quem sabe a verdade estava tão clara, que a gente não aceitava a injustiça, a perversidade, o cinismo e a verdadeira mentira que nos contavam. E a alegria cínica caracterizou o nosso carnaval. Cinco dias para “esquecer” a nossa carne, 360 para sofrer na pele o espírito selvagem do nosso capitalismo doentio.

A noite está aí. Em todo o país. Ela vem sendo gestada desde a nossa colonização. Mas agora ela anoiteceu diferente. Será que agora haveria um povo brasileiro? Ou será que a partir desta noite amanheça um povo para construir uma nação? Por não saber, ofereci o café com silêncio. A noite falaria de modo suficiente eloquente para todos (as) entenderem, ou fingirem. No fundo, nossa cultura talvez seja um ventre que gesta fazedores (as) de noites. Talvez a noite fosse cada um (a) de nós. E, dentro da noite, quem sabe, nós nos sentiríamos mais confortáveis. Talvez a noite nos trouxesse a paz. Aquela cegueira apaziguadora de não ver de fato quem somos.

Depois do café e do silêncio, eles (as) adentraram a noite. Eu fiquei olhando-os (as) sendo engolidos (as) pela escuridão. Apaguei a luz, acendi meus pensamentos e fiquei ali, deitado, sem saber o que era melhor pra nós neste país: o crepúsculo ou o alvorecer.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. 

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