A noite estava chegando e a gente preparava-se
para sua grande sombra. Fui, sem pressa, porém objetivo, para a cozinha. Já
precisava de iluminação artificial para organizar cada passo. O pó de café aguardava
em silêncio no silêncio daquele momento. Acendi o fogão e coloquei água para
esquentar até um ponto indefinido, antes de ferver.
Era preciso preparar a casa para a noite
que já adentrava. A casa devia ser um farol para orientar os que erravam no
escuro do oceano brasileiro. Quem nela morava também devia estar aceso, com as palavras
quentes para receber os passantes. Em breve, a noite os levaria para dentro
delas. Não sem um pouco de calor, da brasa humana que restava da fogueira da
existência, para sobreviverem até o amanhecer. O Brasil anoitecia.
Palavras esperariam o café e passariam
adiante significados esquecidos, aquecidos de esperança. Quem sabe a noite não
nos acordaria definitivamente? Desde sua descoberta, este espaço geográfico
denominado Brasil parece ter vivido sempre à luz do dia. A luz de sua história
ofuscava sua verdade. A gente via, mas não entendia. Ou quem sabe a verdade
estava tão clara, que a gente não aceitava a injustiça, a perversidade, o
cinismo e a verdadeira mentira que nos contavam. E a alegria cínica
caracterizou o nosso carnaval. Cinco dias para “esquecer” a nossa carne, 360
para sofrer na pele o espírito selvagem do nosso capitalismo doentio.
A noite está aí. Em todo o país. Ela vem
sendo gestada desde a nossa colonização. Mas agora ela anoiteceu diferente.
Será que agora haveria um povo brasileiro? Ou será que a partir desta noite amanheça
um povo para construir uma nação? Por não saber, ofereci o café com silêncio. A
noite falaria de modo suficiente eloquente para todos (as) entenderem, ou
fingirem. No fundo, nossa cultura talvez seja um ventre que gesta fazedores
(as) de noites. Talvez a noite fosse cada um (a) de nós. E, dentro da noite,
quem sabe, nós nos sentiríamos mais confortáveis. Talvez a noite nos trouxesse
a paz. Aquela cegueira apaziguadora de não ver de fato quem somos.
Depois do café e do silêncio, eles (as)
adentraram a noite. Eu fiquei olhando-os (as) sendo engolidos (as) pela escuridão.
Apaguei a luz, acendi meus pensamentos e fiquei ali, deitado, sem saber o que
era melhor pra nós neste país: o crepúsculo ou o alvorecer.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de
Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
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