Antes eu, em minha ignorância, não percebia que a expressão artística presente neste clipe representava um estilo cultural da rica e, algumas vezes grotesca, musicalidade nordestina brasileira. Só via graça no grotesco. Mas deixava de ver esse "grotesco" como expressão inteligente dentro das condições contextuais nas quais a criação artística se insere, num Nordeste construído por olhares de "tons tão sudestes" (alô, Chico César) no qual a seca da natureza e a frieza perversa das elites rurais produzem e naturalizam a "morte severina" que é a morte de que se morre
de emboscada antes dos vinte,
(Alô
João Cabral de Melo Neto! In memoriam)
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
A morte é um fenômeno muito próximo e o cemitério um cenário de despedida e de profundo significado da existência neste contexto de ser humano, onde a resignação e a revolta se encontram dialeticamente unidas, no qual o fim da espera vã e o início da esperança ativa lutam contra o desespero, que é a esperança sem endereço (alô saudoso Mestre Paulo Freire). No horizonte de produção e reprodução social da pobreza política e econômica (alô Pedro Demo), que tem como consequência desigualdades nefastas, uma das causas da "morte severina", o cemitério pode ser a abertura de novas possibilidades de luta, de criação artística e de organização social e produção cultural que, tendo a morte como ponto de partida, conceba a vida como ponto de chegada, invertendo os pólos lineares da história e reinventando a participação, a própria luta na direção da transformação social oposta à morte e ao fim da esperança.
O Homem que canta
O cigarro, o modelo de óculos, os braceletes nos punhos, a corrente no pescoço, o corte de cabelo, a calça de feira, a blusa com o escrito em inglês, remetendo a um sujeito elaborado numa cultura de uma década machista - 1970 do século XX - reiterando um discurso que se consolidou naquela época sobre esse sujeito social que tem de "manter sua fama de mau" - seu jeito de andar e até sua voz, entre outros, são elementos que encontram perfeita harmonia com a letra, a melodia e o arranjo que compõem a música e que, por sua vez, expressam seu trajeto-mundo que o pariu.
Contudo, a criatura nascida daquele processo também cria e recria o seu mundo que o desafia à expressão artística, que é uma forma singular de luta. O que eu via apenas como sintoma de pobreza, vejo agora, na dialética da minha percepção, a contradição entre a pobreza econômica, fruto da injustiça social, e a riqueza do resistente povo de minha terra, o Nordeste. Riqueza que, embora transcenda a pobreza, é a expressão mais profunda e fecunda de seus condicionamentos, mostrando, ao mesmo tempo, que nossas mulheres e nossos homens têm uma força ancestral tão poderosa que, se não tivesse esses condicionamentos impostos pela desigualdade econômica e social que as elites burguesas impõem, voariam tão alto que nenhum preconceito - como eu já muito tive - poderia alcançá-los. Nesse sentido, o homem que canta, pode ser o homem que, também, encanta.
O cigarro, o modelo de óculos, os braceletes nos punhos, a corrente no pescoço, o corte de cabelo, a calça de feira, a blusa com o escrito em inglês, remetendo a um sujeito elaborado numa cultura de uma década machista - 1970 do século XX - reiterando um discurso que se consolidou naquela época sobre esse sujeito social que tem de "manter sua fama de mau" - seu jeito de andar e até sua voz, entre outros, são elementos que encontram perfeita harmonia com a letra, a melodia e o arranjo que compõem a música e que, por sua vez, expressam seu trajeto-mundo que o pariu.
Contudo, a criatura nascida daquele processo também cria e recria o seu mundo que o desafia à expressão artística, que é uma forma singular de luta. O que eu via apenas como sintoma de pobreza, vejo agora, na dialética da minha percepção, a contradição entre a pobreza econômica, fruto da injustiça social, e a riqueza do resistente povo de minha terra, o Nordeste. Riqueza que, embora transcenda a pobreza, é a expressão mais profunda e fecunda de seus condicionamentos, mostrando, ao mesmo tempo, que nossas mulheres e nossos homens têm uma força ancestral tão poderosa que, se não tivesse esses condicionamentos impostos pela desigualdade econômica e social que as elites burguesas impõem, voariam tão alto que nenhum preconceito - como eu já muito tive - poderia alcançá-los. Nesse sentido, o homem que canta, pode ser o homem que, também, encanta.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
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