terça-feira, 29 de junho de 2010

Nesta Data Querida

Vá de bem e de bom sendo tu.

Vá de amor e de arte

Vá de leve e macio e arrepie os seus dias

dentro dos dias dos outros

que te rodeam e te rodopiam.

Beije sua esposa com paixão

e beba um vinho

de boa safra.


Faça amor devagar

escutando e sentindo

afiando, rolando,

subindo, descendo

mexendo...


Ora, deixa embolar!

Vá de graça no gozo

vá de vida em plenitude

na atitude decente

de ter nascido e ser gente.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

São João: Nada de santidade, tudo de consumo e individualismo

Lembro-me daqueles São Joões que a minha memória poética guarda carinhosamente nos lugares mais claros e abertos de meus sentimentos. Nesses lugares de mim, há fogueiras acesas, cantigas, fogos de artifício, danças e, como dizia Manuel Bandeira, risos. Lembro-me bem que a gente se juntava, meninos de fogo, Eu, Binho, Bertinho, Cacau, Fernando, Buzigo, Zito, entre outros, e saíamos de casa em casa, visitando a pretexto de comer canjica, milho assado, amendoim e tomar um tiquinho de licor. As casas ficavam abertas, com luzes acesas em frente e o forró “comendo no centro” – expressão utilizada por meu pai e muitas outras pessoas para dizer que uma coisa estava muito boa. Expressando o exemplo joanino de solidariedade e partilha - alguns dos fundamentos para se construir um mundo novo - os pais dos coleguinhas abriam as portas e janelas de suas casas e as iluminavam, colocando no centro uma mesa forrada, geralmente com tecido quadriculado, cheia de fartura oferecida para os esperados e desejados visitantes.

Esperávamos os festejos juninos com ansiedade. Aprendíamos que nossas casas também deveriam estar enfeitadas e abertas, com fartura sendo oferecida para quem entrasse. A fartura a que me refiro era abundante, a despeito da pobreza em que nos encontrávamos. No São João, mais do que no Natal, nossos pais sempre davam um jeito de apresentar a casa como uma dádiva aos olhos e ao apetite. Alguém sempre fazia uma fogueira e aquele fumaceiro, aliado à fumaça dos fogos de artifício e à temperatura fria, para os padrões de Salvador, incensava o nosso mundo dos males e criava o clima mágico daqueles dias cheios de graças. A fogueira espantava o frio e aquecia nossa esperança e nossas mãos, que esfregávamos e passávamos no rosto frio daquelas noites. “Olha pro céu meu amor, vê como ele está lindo...” Daqui da terra olhávamos para o céu procurando balões, que àquela altura ainda eram permitidos. A gente vestia calças com retalhos costurados em cima dela, lembrando e celebrando nossas origens interioranas. Éramos, sem preconceitos, todos matutos, comumente chjamados de "tabaréus". Tinha quadrilha com tamanco de madeira e paqueras infantis. “Anarriê! Rapazes cumprimentam as damas! Olha a chuva!” E toda aquela simbólica forma da gente se apresentar unia, aproximava e criava um certo espírito de comunidade que celebra a vida.

Era tanta alegria! Mais tarde, nos despedíamos e retornávamos às nossas casas, onde encontrávamos nossos pais conversando alegremente com os vizinhos, contando histórias divertidas, curiosas e assombradas, que nos arrepiavam os ossos e entretiam nossa presença cheia de curiosidade, medo e diversão. Ficávamos como que hipnotizados com as histórias do adultos e esperávamos o desfecho de cada história que a oralidade dos nossos ancestrais nos presenteava. Era melhor que cinema. Hoje o cinema nem me causa mais curiosidade. Os desfechos e as “culhudas” já são bem conhecidas. Lembro de uma história que minha mãe contara sobre uma filha que bateu no rosto da mãe. Ela, como era de se esperar por aquelas datas, fora amaldiçoada e, toda sexta-feira à noite, transformava-se num pássaro gigante, com garras mortais que arrastavam o que estivesse pela frente e saia gritando de forma horrenda: - “Eu sou Aquela! Eu sou Aquela! Eu sou Aquelaaaaaa!” As pessoas que moravam no povoado eram obrigados a entrar no curral e ali dormirem até o fenômeno tenebroso cessar, pois, segundo minha mãe, o curral, onde ficavam bois e vacas, era abençoado. Aquilo assombrava-me muito. Depois dessa e de outras histórias, que a gente não cansava de ouvir, íamos dormir e rezávamos exageradamente alguns Pais Nossos e Ave-Marias como forma de proteção daquelas maldições tão distantes e, ao mesmo tempo, tão próximas.

O São João era assim. Não tinha mega, nem demasia. Havia fartura para ser partilhada. Não tinha banda, nem tinha festas particulares só para jovens que se encontram distantes de suas famílias, aliás, preferem desencontrar-se delas. Há menos histórias, partilhas, causos, solidariedade e um forrozinho bom de fazer gosto. Agora o São João, pelo menos o que está na moda, virou lugar para poucos dançarem, para poucos se divertirem, para poucos usufruírem. O mundo atual é apenas dos mais jovens, dos mais espertos, dos mais cínicos. As casas, suas fogueiras, suas luzes, apagaram-se com o vento do capital que depreda, precariza, mancha, individualiza, fragmenta e apaga as luzes que aqueles dias acendem ainda em mim. Viva São João!!!

Joselito da Nair, do Zé, de Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sábado, 19 de junho de 2010

Que país não é este?

Eu ainda não tenho um país
eu ainda não sou cidadão,
como posso ser algo
se ninguém me ensinou
se não aprendi?

Que país não é este?
Que endereço
tem essa nação?
Onde fica a Bahia
onde fica o Brasil
que passa na televisão?

Aonde reside a verdade?
Aonde encontro a decência?
Como procuro
Se não há referência?
A propaganda eleitoral propaga
o que não foi feito
o que não tá direito
no governo atado
nos nós
de todos os "carlos"
de todos os calos
e cala-te's da história.

Aonde encontro a nação?
O gigante afetuoso, alegre,
rico, verde, criativo,
produtivo, saboroso.
Aonde existe educação?
De qualidade, com compromisso,
sem artifícios de números falsos.

Eu quero apreender meu país
na realidade concreta
da escola pública,
da saúde de qualidade
que atenda a todos
primeiro os mais pobres.
Eu quero aprender meu país
no respeito às leis
no cuidado com a terra,
com  o verde das matas,
com o azul do céu,
com o incolor das águas.

Creio que só uma mulher,
com jeito menina,
pode me dizer
meu país
pode me contar a história
por uma outra glória
por uma outra via.
Uma tal de Marina
que não se pintou.
Marina me embala
menina da floresta.
No seu colo verde
de espera, esperança
adormeço ninado
nas histórias que me contas
de um novo país: ecológico,
ético, justo, equilibrado.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Felicidade não é Mercadoria

O ser humano precisa de muito pouco para viver. Na verdade o ser humano não vive, convive. Vive com, sempre, caso contrário não seria humano, pois, como sabemos, através dos estudos de psicologia, de antropologia, de sociologia e de arqueologia entre outros, o homo sapiens sapiens é humanizado no processo sócio-cultural em que se insere e é inserido assim que nasce. Assim, o ser humano precisa de muito pouco para sobreviver. Um pouco de alimento, umas poucas roupas, água, teto, proteção, afeto e convivência salutar. Seria perfeito se tudo fosse assim simples. A felicidade estaria dada sem muito consumo, sem muita destruição, sem fruição demasiada. Mas não o é. A felicidade é reconstruída por uma lógica individualista e consumista que cria necessidades cada vez maiores e frustrações ainda maiores e mais potentes na causa das infelicidades ambulantes que espiam as vitrines do shopping’s dos grandes centros urbanos. Nesse contexto a própria felicidade se torna um produto, uma mercadoria a ser consumida, com prazo de validade e demais atributos que uma mercadoria tem, principalmente o lucro, embutido não em seu valor de uso, mas em seu valor de troca.

No processo sócio-cultural numa sociedade capitalista há um defeito gravíssimo na formação humana. A ontogênese se torna esse monstro chamado indivíduo que nunca sacia o seu desejo, que corrompe a sua vontade, inclinando-a para o consumo egoísta. A criatura sócio-histórica desta contemporaneidade torna-se um Frankenstein que a tudo devora e assombra com sua peculiar selvageria, ocupando os espaços de maneira egoísta, pensando apenas no seu prazer imediato, invadindo sinais vermelhos, agredindo a convivência. Criatura deplorável, gestada cotidianamente no ventre desse mundo também deplorável em suas estruturas sociais e econômico-culturais. A felicidade desse mundo, desse tempo e do ser que nele é humanizado, se assim se pode dizer, é uma felicidade grotesca, assim como o é o Frankenstein. A felicidade imediata, pronta para ser consumida, usada e jogada fora, pois uma felicidade assim tem duração breve. Dura o tempo em que o indivíduo ainda sente os efeitos fugazes de sua ação. E não refiro-me apenas às drogas. Envelhece rápido, principalmente quando novas felicidades são fabricadas, substituindo velozmente as felicidades anteriores, que são abandonadas num canto da casa e da memória.

O grande problema é que a felicidade passou do momento para o produto. O produto envelhece ou é substituído por outro e a memória esquece, deixando a subjetividade insaciável, sem tempo para lembrar deliciosamente do tempo que passou, mas que na verdade, continua habitando eternamente nossa memória poética. Cito Carlos Heitor Cony, que em seu livro “Quase Memória”, nos apresenta com sua singularidade poética, seu pai carinhoso e cheio de segredos a desvendar. Seu pai e o próprio Cony se tornam eternos, pelos menos para mim e para meu filho. Mas, infelizmente, o produto como mediação para a memória esvazia de sentido a subjetividade que tenta lembrar e não encontra referências seguras para tal. A nossa humanidade vai-se empobrecendo e tudo a nossa volta vai sendo demolido e reconstruído ao sabor das demandas criadas pela propaganda. Outro dia a noite fria me lembrou o aconchego de meus pais na cama com colcha de retalhos que acolhia a todos nós. Não havia produtos, não havia laptop’s, como esse no qual escrevo, nem televisores de LCD com full HD, que eu nem sei o que é. Mas havia uma coisa bem melhor, havia algo que não passou para mim e nem vai passar nunca. A noite fria me lembrou aquele gosto bom de pai, mãe, irmão e colcha de retalhos, mal iluminada pelo candeeiro, que sempre aciona as velhas e sempre novas histórias pela memória de meus pais que a oralidade oferecia afetuosamente.

Pensando desse jeito, e sentindo de um jeito inexplicável, posso afirmar que tenho felicidades imensas. E portador dessas felicidades eu as distribuo ao meu filho, à minha mulher e aos meus irmãos. Conto histórias para meu filho e me divirto com ele ao ler os gibis atuais nessas noites que esfriam o tempo e esquentam nossa relação humana quando a noite chega. Conto-lhe algumas histórias que meus pais me contaram e, enquanto conto, revivo aquele sentimento de proteção, de pertencimento, de encontro entre seres humanos dialogando curiosos sobre o mundo que outrora se apresentava para nós e também o construíamos. Penso ser este o maior presente de pai que deixo para o meu filho: um presente a ser desembrulhado com espanto, desejo e admiração por toda a sua vida, para que consiga, quem sabe, continuar sendo feliz e assim convivendo depois que a morte me carregar para o mistério do sem-fim. Eu não desejo que meu filho se lembre de mim como aquele que comprou um Playstation 2, ou que lhe fez todas as vontades mesquinhas, mas como um pai amoroso e rigoroso que lhe contou histórias felizes e compartilhou com ele novas histórias também felizes que marcarão nossa convivência.

Há uma música que tem um trecho que é elucidativo para o que estou tentando dizer aqui: “Felicidade é uma cidade pequenina, uma casinha, uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar”. Para mim isso é a mais pura verdade. Quando fui mais pobre que sou, sofria, como sofre todo aquele que não conhece o futuro. Ou pensa que sofre. Agora penso que tive muitos momentos insubstituíveis que me tocaram a subjetividade, que assimilou desse modo e assim se apresenta, nesses momentos de escrita e reflexão. Como afirmei, minha casa era pequena e a colcha era de retalhos. O candeeiro acompanhava bruxuleando aquelas histórias ricas de humanidade que meus pais traziam em sua linguagem. Marcaram eternamente a minha existência e me proporcionaram pequenas felicidades, que reverberam por todos os tempos em que existo. Terminei de perceber que tanto faz assistir o jogo da seleção numa LCD de 40 polegadas quanto na minha velha TV de 14 que fica em meu quarto. Não é o tamanho da TV nem outras qualidades que vão mudar minha emoção, minha memória, meu desejo de estar com quem quero, relembrando e esperando. Saio do sofá da sala, onde a TV de 29 tela plana exibe o mundo da copa, deito na cama, me cubro, imagino com quem amo que o frio da África do Sul adentrou janela adentro e torço assistindo no quarto a copa do mundo em minha TV de 14 polegadas. Ritual do passado que a memória deseja renovar em gestos concretos, felicidade pequenina “[...] qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar”.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas gentes e de Jesus, O Emanuel.