domingo, 30 de janeiro de 2011

Mal-aventuranças

Hoje, 30 de janeiro de 2011, o Dom Magella deu uma dentro. Em seu costumeiro discurso no jornal A Tarde de domingo, página A3, comenta o Sermão da Montanha. Num trecho de seu texto ele afirma o seguinte:
Do ponto de vista humano, a escolha operada por Jesus parece pelo menos estranha. As bem aventuranças do senso comum, com o espírito do mundo, soariam bem diversamente: Não bem-aventurados os pobres, mas bem-aventurados os ricos! Bem-aventurados os que riem. Bem-aventurados os espertos. Bem-aventurados os que pretendem, pedem e obtêm “tudo e de imediato”. Bem-aventurados os operadores de guerras que conquistam. Bem-aventurados os violentos e perseguidores dos inocentes. Essas são as bem-aventuranças do senso comum, e são bem praticadas. Os resultados estão sob os nossos olhos: a deliquência, os subornos, a usura, as guerras etc. Jesus simplesmente inverteu as bem-aventuranças.
É verdade: vivemos um tempo de mal-aventuranças. Desta vez concordo com o Dom. Vivemos num mundo cada vez mais corrompido, cada vez mais decrépito, mais falso, mais carregado de fingimentos, de discursos ocos e vazios e propagandas sobre coisas que deveriam ser feitas no passado, que não começaram a ser feitas no presente e que, provavelmente, serão feitas num futuro incerto, depois de muitos desvios de dinheiro público. O metrô é a vergonha viva que dilacera a alma soteropolitana. Jacques Wagner, João Henrique Carneiro, denominado por Geddel Vieira Lima de “O Menino Maluquinho”, além de ACM Neto, Walter Pinheiro, Paulo Souto e tantos outros políticos baianos estacionaram Salvador e a Bahia na vaga de seus interesses particulares, eleitoreiros e partidários e todos, todos eles, quando cocupam cargos no Executivo, comemoram números fajutos sobre educação, saúde, habitação, saneamento, infraestrutura, economia e outras áreas sociais, culturais e econômicas. Não percebo as tais obras estruturais para a Copa do Mundo de 2014. Samuel Celestino, também no jornal A Tarde de hoje, página B3, divulgou trechos de um discurso do nosso admirável Jorge Portugal contra a iminente destruição do Retiro São Francisco, na rua Waldemar Falcão, aqui bem pertinho de onde moro, em Brotas. Portugal afirma que


(...) Assim (as ‘deformações’ permanecem) ameaçando a vida com seus automóveis, sua poluição, seu abismo social e, sobretudo, com a ganância insaciável dos que se julgam seus donos. Pois são esses ‘pretensos donos da cidade’ que agora afiam suas garras e dirigem seu instinto predador para a Cada de Retiro São Francisco. Como uma fera voraz capaz de rasgar as entranhas e comer os próprios filhos, essa gente insana trama a destruição de um dos últimos refúgios que resistem em uma metrópole terminal.
Deformações, insanidade, instinto predador, ganância... Cada vez mais o limite entre certo e errado está se diluindo em nossa aceitação passiva e doentia de hábitos e atitudes nada salutares para o convívio social, em nome do lucro, do hedonismo, da mesquinhez que contamina a todos e, como um câncer, devora o já combalido tecido social. Hoje também, nossa combativa Malu Fontes trata justamente sobre o impiedoso imperador do mundo contemporâneo e sua ação perversa em busca de mais lucro e riquezas: o Capital. Sob o título “Dinheiro não Tolera Tudo”, Malu Fontes critica a ganância do mercado que não dá nem tempo de sofrer o luto devido às tragédias ocorridas na Região Serrana do Rio de Janeiro. “(...) é preciso reiniciar o bota e tira das tarjetas magnéticas dos cartões de crédito senão uma nova tragédia se abaterá sobre os sobreviventes das cidades serranas.” Afirma Malu Fontes. E continua: “(...) A lógica do dinheiro é o que, de fato, move o mundo. Ela é inexorável e não é dada à perda de tempo chorando sobre a lama derramada.” (Revista da TV, página 9). Essa história de que o Brasil está crescendo esconde uma fatalidade: o brasileiro, embora esteja consumindo mais, está, também, se consumindo mais.

Não é a economia que está nos servindo: somos nós que estamos servindo à economia. Compramos mais carros para ficar estressados em engarrafamentos; compramos mais apartamentos para ficar mais apertados. O banheiro mal cabe uma pessoa na maioria dos novos apartamentos, que custam bem mais do que o que valem; devemos bem mais do que compramos e compramos bem mais do que precisamos. Não contamos mais histórias, assistimos televisão. Estamos atentos às falsas e ininterruptas liquidações e mega liquidações bastante insinuantes e elétricas a ponto de dar choques nos desatentos consumidores que se tornam escravos de tais promoções e liquidações em trocentas prestações mensais. Os consumidores oferecem alegres os seus bolsos às algemas em forma de carnês e boletos e tornam-se escravos de vitrines, de apelos comerciais, de necessidades artificiais criadas pelo deus contemporâneo.

Tudo está à venda: a começar por prefeitos, vereadores, governadores, deputados, senadores, alfinetes, lixo, bosta, armas, drogas, imagens, mentiras públicas, uma nesga de sol em sua janela, um pedaço de mar em sua varanda, deuses, sonhos, entre tantas e tantas coisas demasiadas para a humanidade. Quando adquirimos algo, pensamos que aquilo vai contribuir para nossa felicidade, como deveria ser. Mas nem sempre, ou talvez nunca, o seja. Precisamos nos esvaziar para nos encher de coisas necessárias e fundamentais. Estamos vazios de nós mesmos. Nosso coração está suspenso em um corpo cheio de roupas, perfumes, jóias (imitações e bijouterias baratas), marcas de roupas, relógios, celulares. Tapamos, ou pensamos tapar, nossas marcas do tempo com cirurgias que o dinheiro paga, fingindo que somos mais jovens e mais bonitos do que somos. Fingimos, fugimos, vamos nos escondendo de nós mesmos, adiamos o encontro conosco e vamos criando outro “sermão da montanha”. O sofá, o bar, a tv, o som ensurdecedor das músicas inaudíveis de tão pobres e ensurdecedoras, o futebol, O Bahia, o Vitória, O título desse ano, muitas vezes deixam de ser lazer para se tornarem fugas da realidade que não suportamos mais.

Bem-aventurados os que conseguem se olhar no espelho de si mesmos e dialogar com seus demônios a ponto de exorcizá-los. Bem-aventurados os que ainda lutam por uma causa nobre; bem-aventurados os que dedicam boa parte de seu tempo para estender a mão ao próximo; bem-aventurados os que são sinceros; bem-aventurados os poucos políticos que não roubam, que não se aposentam sem trabalhar, que agem com decência e dignidade.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

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