A partir da disciplina Educação
e Diversidade, desenvolvida com professoras e professores da Rede Pública Municipal
de Saúde, Jacobina e outros municípios teve como objetivos:
·
Analisar aspectos que
singularizam a prática pedagógica comprometida com a inclusão de pessoas com
deficiência;
·
Compreender a
importância da formação docente para o atendimento de educandos com deficiência
das escolas públicas das cidades interioranas do Estado da Bahia;
- Discutir a relevância das políticas públicas da União e do Estado para assegurar a educação aos portadores de necessidades especiais;
- Analisar alguns métodos, técnicas e instrumentos mais utilizados na contemporaneidade para atendimento educacional das pessoas portadoras de necessidades especiais;
- Examinar empiricamente a inserção dos educandos portadores de necessidades especiais nas escolas públicas municipais e estaduais da região de Jacobina;
- Refletir sobre a condição de aprendizagem dos educandos com deficiências frente à infraestrutura e aos recursos disponibilizados pelas escolas públicas.
Comecei
recolhendo os saberes prévios dos (as) estudantes, o que foi muito útil em
função da experiência docente de alguns (mas) deles (as) com educandos
portadores de necessidades especiais. Inclusive, um educando de um desses
educadores foi um convidado especial, Ademilson dos S. Oliveira, que
compartilhou sua experiência conosco como portador de cegueira na sociedade
contemporânea.
Outro
dado importantíssimo dessa experiência como educador nesta disciplina de
Educação e Diversidade foi a identificação de inquietações, equívocos,
ignorâncias, saberes e potencialidades explicativas que tentei aproveitar como
matéria prima curricular, para “temperar o caldeirão” epistemológico, político,
afetivo, técnico e social envolvidos nesta aventura de ensinar aprendendo e
aprender ensinando.
A metodologia
que parte do princípio de que para ensinar um saber novo é preciso partir dos
saberes velhos, ou melhor, já estabelecidos como verdade no conforto
epistemológico que o educando construiu para si, revela a sua importância na
orientação dos melhores rumos a tomar como mediador, na medida em que
possibilita caminhos inesperadamente ricos de compartilhamento de saberes e de
interações que produzem o crescimento dos que se envolvem de forma fecunda no
processo educativo. Meu papel, nesta perspectiva epistemológica, claro, é
provocar, intencionalmente, desequilíbrios cognitivos que levem os estudantes
da disciplina a sair do seu “conforto epistemológico”, através da dúvida
sistemática, forçando-os a transitarem para um patamar superior de compreensão
dos conteúdos relativos à educação e diversidade, reinaugurando assim um campo
discursivo de reconstrução do que se acreditava como verdade definitiva e assim
naturalizada.
E
problematizei os “achados” levantados na avaliação diagnóstica – Questionário
do Eu – com perguntas elaboradas com certa precisão, visando esse deslocamento
da certeza naturalizada e, portanto, morta, para a incerteza que gera a
dinâmica da busca pelo equilíbrio perdido, somente sendo alcançado numa zona de
desenvolvimento proximal que necessita da vontade de saber mais sobre o que sabemos
que se sabe ainda precariamente, da interação e da mediação atenta aos
processos que foram ocorrendo em sala de aula.
Alguns
obstáculos nos acompanharam em todo o processo, como o cansaço – devido a
fatores como deslocamentos longos, calor, desmotivação de alguns, e também por
algumas dinâmicas por mim aplicadas que não deram certo como provocadoras de
motivação e interação. Assim como há inesperadas revelações salutares para o
desenvolvimento do pensamento individual e coletivo também ocorre o seu
contrário. E esse fenômeno, para um educador experiente, já é esperado, como
constituinte do fazer humano em sociedade. Este fenômeno, inclusive, serve como
conteúdo curricular, identificando os seus elementos principais e analisando e
interpretando os motivos de sua ocorrência, a fim de entender o contexto de seu
surgimento e sua manifestação fugaz ou duradoura.
A
exibição do filme, “Como estrelas na Terra”, cujo roteiro de orientação
encontra-se em anexo, provocou a sensibilidade dos educandos-educadores da
disciplina Educação e Diversidade. A falta de compreensão da família e da
escola, provocando sofrimento na criança e levando-a ao afastamento da família
e à depressão Fo compartilhada por todos (as) na medida em que foram tocados
naquilo que deveriam aprender na disciplina: a escola inclusiva precisa, em
primeiro lugar, acolher o educando (a) como ele (a) é. Com suas limitações,
investigando e descobrindo suas potencialidades, motivando-o (a) a superar, no
que for possível, suas limitações e, de fato, educando a pessoa em sua
inteireza. Esta atividade já permitiu e motivou a turma a refletir e discutir
seriamente a questão do educador que inclui, aproximando-nos dos objetivos
acima delineados:
·
Analisar aspectos que
singularizam a prática pedagógica comprometida com a inclusão de portadores de
necessidades especiais, e;
·
Refletir sobre a
condição de aprendizagem dos educandos com deficiências frente à infraestrutura
e aos recursos disponibilizados pelas escolas públicas.
Além destes dois objetivos a atividade
forneceu elementos que permitiram também
·
Examinar
empiricamente a inserção dos educandos portadores de necessidades especiais nas
escolas públicas municipais e estaduais da região de Jacobina;
Leituras, reflexões, aulas expositivas com a
utilização de slides, além dos momentos de aplicação de avaliações foram se
sucedendo, levando ao aprofundamento de questões, levantamento de novas dúvidas
e inquietações, e novas explicações, palpites do senso comum e da experiência
empírica de alguns e algumas estudantes, etc. Mas acredito que o ponto
culminante foi a conversa que tivemos com Ademilson dos S. Oliveira, conforme
relatarei abaixo.
Oliveira revelou-nos que um dos primeiros
problemas enfrentados foi a desmotivação de seus pais em relação às suas
capacidades de inserção social com êxito, certamente um dos fatores que os
levaram à superproteção em torno de Oliveira. Mas este problema constituiu-se
num desafio para o outrora garoto portador de cegueira parcial – ele só
consegue enxerga com 25% de sua capacidade – o que o levou à recusa em ser
tratado como “coitadinho”, ou como “animal de estimação”, pois segundo ele, as
pessoas que iam à sua casa, procuravam-no como se ele assim o fosse, algo
estranho, que despertava a curiosidade da família e dos vizinhos.
A discriminação sofrida o levou a concluir
que foi “vítima de um sistema que não me propiciou o meu desenvolvimento. Tive
que desistir da escola”, afirmou ele insatisfeito, ainda expressando a mágoa de
sua negação num determinado momento de sua vida. Um dos impactos na formação de
sua subjetividade, principalmente na dimensão afetiva Fo seu sentimento de
exclusão, pois, segundo Oliveira, “o que me deixava mais deprimido/constrangido
era ouvir meus primos falarem de escola, de professor, e eu não tinha nada a
falar sobre isso.” Observe que Oliveira utilizou duas palavras para referir-se
ao mesmo fenômeno: a sua negação como pessoa com deficiência. O termo deprimido
revela um sentimento de dentro pra fora, uma emoção negativa advinda do modo
como a sociedade concebeu e tratou a si, na base da discriminação assentada na
ignorância, situação semelhante à vivida pela criança do filme anteriormente
exibido e discutido. A segunda palavra foi “constrangido”, revelando uma
pressão social, “de fora pra dentro”, sobre o indivíduo.
Contudo, como a realidade não é progressivamente
linear, nem a história acabou, Oliveira foi transformando a sua subjetividade
no contexto de uma realidade contraditória, produzindo a negação da negação num
processo dialético de afirmação, em que a afetividade e inteligência foram se
revezando num processo de complementação e rejeição, na construção da pessoa em
que Oliveira foi revelando e revelando-se. As mesmas instituições que o negavam
tinham suas brechas, permitindo-lhe uma pequena margem de ação para que a sua
rebeldia fosse exercendo sua dignidade. Nesses momentos fui aproveitando para
enfatizar a questão das políticas públicas contemporâneas, apontando para outro
objetivo buscado na disciplina:
·
Discutir a relevância
das políticas públicas da União e do Estado para assegurar a educação às
pessoas com deficiência;
Uma das brechas institucionais identificadas
na fala de Oliveira, foi uma educadora que o acolheu, acreditou em seu
potencial e, com os precários recursos de que dispunha, exerceu uma mediação
tão significativa naquela outrora criança, que se constituiu em um dos marcos
de sua memória afetiva, expressa em sua gratidão. Do mesmo modo, seus próprios
pais foram sendo educandos por Oliveira, na medida em que o mesmo, em seu
processo de transformação humana, foi ampliando deliberadamente seu universo
simbólico, econômico, político e geográfico, em direção a uma crescente
autonomia responsável. Seu pai, que antes não o chamava para sair, resolver
problemas da família, também foi educado, modificando o seu comportamento em
relação ao filho. Atualmente a “hiperproteção” transformou-se em
“hipernecessidade”, a ponto de Oliveira orgulhosamente reclamar: “- Gente, eu
não sou advogado não!”
A transformação dialética de Oliveira, na
qual sua vontade poderosa teve um papel destacado, revela um fenômeno histórico
extremamente belo e fecundo, a sua afirmação de uma pessoa com deficiência
diante de uma sociedade com deficiência de inclusão, resultando na
transformação dessa pessoa e na transformação de instituições e pessoa dessa
sociedade no espaço geográfico aonde o fenômeno aconteceu, gerando
desdobramentos emancipatórios que só enriquecem as pequenas e fecundas
revoluções que ocorrem à nossa volta, mas que, muitas vezes, não nos damos
conta por não termos a oportunidade, ou a capacidade, de ouvir pessoas que
negam as negações sociais e, nessa dialética cotidiana, afirmam-se,
altivamente, num processo de transformação de si mesmas e do contexto a que
pertencem.
Um
dos belos traços da rica personalidade de Oliveira pode ser identificado quando
ele afirma que “o estado brasileiro trabalha contra a população”, na medida em
que cria e oferece benefícios como esmola, caridade social, deixando de criar
condições de inserção social das pessoas com deficiência com decência e
dignidade, pela via do trabalho e da produtividade. Embora o mesmo reconheça a
importância do benefício para certas situações e condições, acredita que a
melhor política pública de inclusão é inserir as pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, pois, segundo ele mesmo diz, “eu quero me ver livre desse
benefício”.
O
mesmo deu dicas simples e importantes de como lidar com uma pessoa com cegueira,
entre as quais não falar alto, “porque cego não é surdo”, e ter alguns cuidados
ao oferecer-se para auxiliar uma pessoa com cegueira ao atravessar a rua, tais
como: identificar-se, perguntar se a pessoa com cegueira quer ajuda e como quer
a ajuda, pois, segundo Oliveira, algumas pessoas pegam o cego pelo braço e
simplesmente saem puxando-o para o outro lado como se o mesmo não fosse uma
pessoa, mas um objeto qualquer. Entre risos, indignações e reflexões, Oliveira
foi nosso educador naquele momento em que paramos para ouvir aquele que vive a
sua condição humana numa existência rica e singular.
Joselito
Manoel de Jesus, Pedagogo.
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