quinta-feira, 14 de novembro de 2013

RELATÓRIO DE DISCIPLINA



A partir da disciplina Educação e Diversidade, desenvolvida com professoras e professores da Rede Pública Municipal de Saúde, Jacobina e outros municípios teve como objetivos:

·         Analisar aspectos que singularizam a prática pedagógica comprometida com a inclusão de pessoas com deficiência;
·         Compreender a importância da formação docente para o atendimento de educandos com deficiência das escolas públicas das cidades interioranas do Estado da Bahia;

  • Discutir a relevância das políticas públicas da União e do Estado para assegurar a educação aos portadores de necessidades especiais;

  •  Analisar alguns métodos, técnicas e instrumentos mais utilizados na contemporaneidade para atendimento educacional das pessoas portadoras de necessidades especiais;
  •   Examinar empiricamente a inserção dos educandos portadores de necessidades especiais nas escolas públicas municipais e estaduais da região de Jacobina;
  • Refletir sobre a condição de aprendizagem dos educandos com deficiências frente à infraestrutura e aos recursos disponibilizados pelas escolas públicas.

 Comecei recolhendo os saberes prévios dos (as) estudantes, o que foi muito útil em função da experiência docente de alguns (mas) deles (as) com educandos portadores de necessidades especiais. Inclusive, um educando de um desses educadores foi um convidado especial, Ademilson dos S. Oliveira, que compartilhou sua experiência conosco como portador de cegueira na sociedade contemporânea.
Outro dado importantíssimo dessa experiência como educador nesta disciplina de Educação e Diversidade foi a identificação de inquietações, equívocos, ignorâncias, saberes e potencialidades explicativas que tentei aproveitar como matéria prima curricular, para “temperar o caldeirão” epistemológico, político, afetivo, técnico e social envolvidos nesta aventura de ensinar aprendendo e aprender ensinando.

A metodologia que parte do princípio de que para ensinar um saber novo é preciso partir dos saberes velhos, ou melhor, já estabelecidos como verdade no conforto epistemológico que o educando construiu para si, revela a sua importância na orientação dos melhores rumos a tomar como mediador, na medida em que possibilita caminhos inesperadamente ricos de compartilhamento de saberes e de interações que produzem o crescimento dos que se envolvem de forma fecunda no processo educativo. Meu papel, nesta perspectiva epistemológica, claro, é provocar, intencionalmente, desequilíbrios cognitivos que levem os estudantes da disciplina a sair do seu “conforto epistemológico”, através da dúvida sistemática, forçando-os a transitarem para um patamar superior de compreensão dos conteúdos relativos à educação e diversidade, reinaugurando assim um campo discursivo de reconstrução do que se acreditava como verdade definitiva e assim naturalizada.
E problematizei os “achados” levantados na avaliação diagnóstica – Questionário do Eu – com perguntas elaboradas com certa precisão, visando esse deslocamento da certeza naturalizada e, portanto, morta, para a incerteza que gera a dinâmica da busca pelo equilíbrio perdido, somente sendo alcançado numa zona de desenvolvimento proximal que necessita da vontade de saber mais sobre o que sabemos que se sabe ainda precariamente, da interação e da mediação atenta aos processos que foram ocorrendo em sala de aula.
Alguns obstáculos nos acompanharam em todo o processo, como o cansaço – devido a fatores como deslocamentos longos, calor, desmotivação de alguns, e também por algumas dinâmicas por mim aplicadas que não deram certo como provocadoras de motivação e interação. Assim como há inesperadas revelações salutares para o desenvolvimento do pensamento individual e coletivo também ocorre o seu contrário. E esse fenômeno, para um educador experiente, já é esperado, como constituinte do fazer humano em sociedade. Este fenômeno, inclusive, serve como conteúdo curricular, identificando os seus elementos principais e analisando e interpretando os motivos de sua ocorrência, a fim de entender o contexto de seu surgimento e sua manifestação fugaz ou duradoura.


A exibição do filme, “Como estrelas na Terra”, cujo roteiro de orientação encontra-se em anexo, provocou a sensibilidade dos educandos-educadores da disciplina Educação e Diversidade. A falta de compreensão da família e da escola, provocando sofrimento na criança e levando-a ao afastamento da família e à depressão Fo compartilhada por todos (as) na medida em que foram tocados naquilo que deveriam aprender na disciplina: a escola inclusiva precisa, em primeiro lugar, acolher o educando (a) como ele (a) é. Com suas limitações, investigando e descobrindo suas potencialidades, motivando-o (a) a superar, no que for possível, suas limitações e, de fato, educando a pessoa em sua inteireza. Esta atividade já permitiu e motivou a turma a refletir e discutir seriamente a questão do educador que inclui, aproximando-nos dos objetivos acima delineados:
·         Analisar aspectos que singularizam a prática pedagógica comprometida com a inclusão de portadores de necessidades especiais, e;
·         Refletir sobre a condição de aprendizagem dos educandos com deficiências frente à infraestrutura e aos recursos disponibilizados pelas escolas públicas.

Além destes dois objetivos a atividade forneceu elementos que permitiram também

·         Examinar empiricamente a inserção dos educandos portadores de necessidades especiais nas escolas públicas municipais e estaduais da região de Jacobina;

Leituras, reflexões, aulas expositivas com a utilização de slides, além dos momentos de aplicação de avaliações foram se sucedendo, levando ao aprofundamento de questões, levantamento de novas dúvidas e inquietações, e novas explicações, palpites do senso comum e da experiência empírica de alguns e algumas estudantes, etc. Mas acredito que o ponto culminante foi a conversa que tivemos com Ademilson dos S. Oliveira, conforme relatarei abaixo.
Oliveira revelou-nos que um dos primeiros problemas enfrentados foi a desmotivação de seus pais em relação às suas capacidades de inserção social com êxito, certamente um dos fatores que os levaram à superproteção em torno de Oliveira. Mas este problema constituiu-se num desafio para o outrora garoto portador de cegueira parcial – ele só consegue enxerga com 25% de sua capacidade – o que o levou à recusa em ser tratado como “coitadinho”, ou como “animal de estimação”, pois segundo ele, as pessoas que iam à sua casa, procuravam-no como se ele assim o fosse, algo estranho, que despertava a curiosidade da família e dos vizinhos.
A discriminação sofrida o levou a concluir que foi “vítima de um sistema que não me propiciou o meu desenvolvimento. Tive que desistir da escola”, afirmou ele insatisfeito, ainda expressando a mágoa de sua negação num determinado momento de sua vida. Um dos impactos na formação de sua subjetividade, principalmente na dimensão afetiva Fo seu sentimento de exclusão, pois, segundo Oliveira, “o que me deixava mais deprimido/constrangido era ouvir meus primos falarem de escola, de professor, e eu não tinha nada a falar sobre isso.” Observe que Oliveira utilizou duas palavras para referir-se ao mesmo fenômeno: a sua negação como pessoa com deficiência. O termo deprimido revela um sentimento de dentro pra fora, uma emoção negativa advinda do modo como a sociedade concebeu e tratou a si, na base da discriminação assentada na ignorância, situação semelhante à vivida pela criança do filme anteriormente exibido e discutido. A segunda palavra foi “constrangido”, revelando uma pressão social, “de fora pra dentro”, sobre o indivíduo.
Contudo, como a realidade não é progressivamente linear, nem a história acabou, Oliveira foi transformando a sua subjetividade no contexto de uma realidade contraditória, produzindo a negação da negação num processo dialético de afirmação, em que a afetividade e inteligência foram se revezando num processo de complementação e rejeição, na construção da pessoa em que Oliveira foi revelando e revelando-se. As mesmas instituições que o negavam tinham suas brechas, permitindo-lhe uma pequena margem de ação para que a sua rebeldia fosse exercendo sua dignidade. Nesses momentos fui aproveitando para enfatizar a questão das políticas públicas contemporâneas, apontando para outro objetivo buscado na disciplina:

·         Discutir a relevância das políticas públicas da União e do Estado para assegurar a educação às pessoas com deficiência;

Uma das brechas institucionais identificadas na fala de Oliveira, foi uma educadora que o acolheu, acreditou em seu potencial e, com os precários recursos de que dispunha, exerceu uma mediação tão significativa naquela outrora criança, que se constituiu em um dos marcos de sua memória afetiva, expressa em sua gratidão. Do mesmo modo, seus próprios pais foram sendo educandos por Oliveira, na medida em que o mesmo, em seu processo de transformação humana, foi ampliando deliberadamente seu universo simbólico, econômico, político e geográfico, em direção a uma crescente autonomia responsável. Seu pai, que antes não o chamava para sair, resolver problemas da família, também foi educado, modificando o seu comportamento em relação ao filho. Atualmente a “hiperproteção” transformou-se em “hipernecessidade”, a ponto de Oliveira orgulhosamente reclamar: “- Gente, eu não sou advogado não!”  
A transformação dialética de Oliveira, na qual sua vontade poderosa teve um papel destacado, revela um fenômeno histórico extremamente belo e fecundo, a sua afirmação de uma pessoa com deficiência diante de uma sociedade com deficiência de inclusão, resultando na transformação dessa pessoa e na transformação de instituições e pessoa dessa sociedade no espaço geográfico aonde o fenômeno aconteceu, gerando desdobramentos emancipatórios que só enriquecem as pequenas e fecundas revoluções que ocorrem à nossa volta, mas que, muitas vezes, não nos damos conta por não termos a oportunidade, ou a capacidade, de ouvir pessoas que negam as negações sociais e, nessa dialética cotidiana, afirmam-se, altivamente, num processo de transformação de si mesmas e do contexto a que pertencem.

Um dos belos traços da rica personalidade de Oliveira pode ser identificado quando ele afirma que “o estado brasileiro trabalha contra a população”, na medida em que cria e oferece benefícios como esmola, caridade social, deixando de criar condições de inserção social das pessoas com deficiência com decência e dignidade, pela via do trabalho e da produtividade. Embora o mesmo reconheça a importância do benefício para certas situações e condições, acredita que a melhor política pública de inclusão é inserir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois, segundo ele mesmo diz, “eu quero me ver livre desse benefício”.
O mesmo deu dicas simples e importantes de como lidar com uma pessoa com cegueira, entre as quais não falar alto, “porque cego não é surdo”, e ter alguns cuidados ao oferecer-se para auxiliar uma pessoa com cegueira ao atravessar a rua, tais como: identificar-se, perguntar se a pessoa com cegueira quer ajuda e como quer a ajuda, pois, segundo Oliveira, algumas pessoas pegam o cego pelo braço e simplesmente saem puxando-o para o outro lado como se o mesmo não fosse uma pessoa, mas um objeto qualquer. Entre risos, indignações e reflexões, Oliveira foi nosso educador naquele momento em que paramos para ouvir aquele que vive a sua condição humana numa existência rica e singular.

Joselito Manoel de Jesus, Pedagogo.

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