quarta-feira, 5 de março de 2014

DEMOCRACIA DE ATADURA


Vivemos num tempo de democracia de atadura. O que é uma democracia de atadura? É um sistema político frágil, baseado em propaganda, pão e circo para o povo, mantendo-o na ilusão de que ganha espaço e amplia sua participação nas decisões principais que se referem à gestão do município, do estado, do país, quando na verdade recebem apenas umas migalhas da mesa farta dos governantes e seus apaniguados. Uma democracia de atadura cobre a ferida, mas não a cura, porque não é de seu feitio curar, mas deixar a ferida aberta da América baiana e brasileira a fim de alimentar-se dela, como o médico canalha fazia para ter sempre o paciente pagando pela consulta.

Na democracia de atadura a educação é apenas uma promessa a ser realizada num futuro. Aliás, nunca vi um estado e um país para ter tanto futuro e tão pouco presente. Nossa educação é de fingimento, de diploma, de comemorações e festas de formaturas sem mérito. Nossos estudantes estão chegando à universidade praticamente semianalfabetos. Nossa cultura valoriza muito uma bunda bonita e dançante, mas pouco uma mulher inteligente, sensível, firme, elegante e também com uma bunda bonita e dançante. Uma coisa não exclui a outra, Graças ao Pai! O problema é que tanto nosso povo, quanto nossa imprensa e governos, valoriza apenas a bunda. E corre o perigo da mulher tornar-se apenas sua bunda, e nada mais. Com uma educação nesse nível, de bunda de fora, poucos se interessam pela inteligência, pelos livros, pelas ideias e ideais. Tesão? Só quadril abaixo da linha do umbigo ou acima da linha do meio de campo. Biblioteca? Espaço marginal, investimento jogado fora. A grande ignorância vai crescendo em meio ao povo e uma educação de atadura vai envolvendo os seus lábios, borrando sua pronúncia, sufocando suas palavras, atando sua percepção da realidade e permitindo-lhe um espaço restrito de interpretação.

A saúde pública no Brasil também é de ataduras. Ai de quem precisa de atendimento sério nesta Bahia e neste Brasil. Meu filho fez uma cirurgia no braço que havia quebrado, mas começou a sangrar por causa de sua teimosia em fazer movimentos bruscos. Então um cheiro desagradável começou a exalar. Saí à procura de atendimento aqui na Manoel Dias da Silva, Pituba. Nada de COT, nada de ECO, nada de atendimento. Disseram que não mexem em cirurgia feita por outra instituição de saúde. “– Tem de ir no local.” Recomendaram. Só que o “local” fica no Canela que, em pleno carnaval, não dá pra chegar. Tive de esperar até hoje, quarta-feira de cinzas, pois percebi que Rafa não apresentava estado febril. E isso para quem tem o PLANSERV! Fico imaginando uma pessoa mais desprovida de recursos, como será o tratamento?

A segurança pública no Brasil é só para turista e para instituições financeiras. Os ricos do nosso país se viram com segurança privada. E sobre as instituições financeiras do interior nem segurança pública têm. As explosões de caixas eletrônicos Bahia adentro é sinal claro de que a bandidagem deita e rola em nosso estado, cuja inteligência policial não me parece muito inteligente, pois não preparou-se devidamente para o impacto da expulsão dos traficantes dos morros cariocas. Aqui em Salvador cada esquina de um bairro de periferia tem um “dono da boca”, onde clientes de classe média e classe alta vão realizar suas comprinhas semanais, atrás da ilusão química que impulsiona suas ideias e realiza suas fantasias. E todos ganham! Menos os futuros defuntos jovens negros que ocupam as pontas do sistema.

Na democracia de atadura o governo não pede desculpas pelo que não fez, muito pelo contrário: espera aplausos pelo que deixou de fazer, mas um dia, quem sabe, fará. Coloca uma atadura, em forma de tapume, nas obras paradas e espera a chuva passar. Em nossa democracia de atadura o governo não tem plano, faz programa. E faz programa desde a campanha eleitoral até o último dia de seus desgovernos. Aqui, na democracia de atadura, os partidos não têm programa, fazem programa, como diria uma crítica feita ao PMDB. Quem está no governo oferece cargos em secretarias criadas especialmente para isso. Os partidos que vão formar a base aliada baixam suas calcinhas e cuecas e se oferecem desavergonhadamente para o governo cheio de tesão pelo controle do dinheiro público, com o qual “come” a lealdade oferecida em cada esquina das assembleias legislativas, das câmaras de vereadores e do Congresso Nacional. É um puteiro só!

E o povo, com sua bolsa família, vai comendo as migalhas que lhe oferecem os governos. E o povo quando se revolta, recebe um dedo sui generis que somente a charmosa, elegante e fina primeira dama do estado pode oferecer a partir de seu principado. É nesse momento que me lembro de Chico Buarque, um Chico de outro momento, mas que agora, nessa democracia de atadura, parece-me tão atual, tão realista...

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
 
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
muita mutreta pra levar a situação
 
que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
e a gente vai tomando que, também, sem a cachaça
ninguém segura esse rojão.
 

Joselito da Bahia e do Brasil,

Com uma ajudinha de Chico Buarque do passado.

2 comentários:

  1. Seus textos são sempre muito ricos de saber e de dizeres.

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    1. Obrigado pela sua bondosa leitura Eilane. Você só percebe a riqueza porque ela está você, em forma de procura que atiça suas leituras.

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joselitojoze@gmail.com