Vivemos
num tempo de democracia de atadura. O que é uma democracia de atadura? É um
sistema político frágil, baseado em propaganda, pão e circo para o povo,
mantendo-o na ilusão de que ganha espaço e amplia sua participação nas decisões
principais que se referem à gestão do município, do estado, do país, quando na verdade recebem apenas umas migalhas da mesa farta dos governantes e seus apaniguados. Uma
democracia de atadura cobre a ferida, mas não a cura, porque não é de seu
feitio curar, mas deixar a ferida aberta da América baiana e brasileira a fim
de alimentar-se dela, como o médico canalha fazia para ter sempre o paciente
pagando pela consulta.
Na
democracia de atadura a educação é apenas uma promessa a ser realizada num
futuro. Aliás, nunca vi um estado e um país para ter tanto futuro e tão pouco
presente. Nossa educação é de fingimento, de diploma, de comemorações e festas
de formaturas sem mérito. Nossos estudantes estão chegando à universidade
praticamente semianalfabetos. Nossa cultura valoriza muito uma bunda bonita e
dançante, mas pouco uma mulher inteligente, sensível, firme, elegante e também com
uma bunda bonita e dançante. Uma coisa não exclui a outra, Graças ao Pai! O
problema é que tanto nosso povo, quanto nossa imprensa e governos, valoriza
apenas a bunda. E corre o perigo da mulher tornar-se apenas sua bunda, e nada
mais. Com uma educação nesse nível, de bunda de fora, poucos se interessam pela
inteligência, pelos livros, pelas ideias e ideais. Tesão? Só quadril abaixo da
linha do umbigo ou acima da linha do meio de campo. Biblioteca? Espaço
marginal, investimento jogado fora. A grande ignorância vai crescendo em meio
ao povo e uma educação de atadura vai envolvendo os seus lábios, borrando sua
pronúncia, sufocando suas palavras, atando sua percepção da realidade e permitindo-lhe
um espaço restrito de interpretação.
A
saúde pública no Brasil também é de ataduras. Ai de quem precisa de atendimento
sério nesta Bahia e neste Brasil. Meu filho fez uma cirurgia no braço que havia
quebrado, mas começou a sangrar por causa de sua teimosia em fazer movimentos
bruscos. Então um cheiro desagradável começou a exalar. Saí à procura de
atendimento aqui na Manoel Dias da Silva, Pituba. Nada de COT, nada de ECO,
nada de atendimento. Disseram que não mexem em cirurgia feita por outra instituição
de saúde. “– Tem de ir no local.” Recomendaram. Só que o “local” fica no Canela
que, em pleno carnaval, não dá pra chegar. Tive de esperar até hoje,
quarta-feira de cinzas, pois percebi que Rafa não apresentava estado febril. E
isso para quem tem o PLANSERV! Fico imaginando uma pessoa mais desprovida de
recursos, como será o tratamento?
A
segurança pública no Brasil é só para turista e para instituições financeiras.
Os ricos do nosso país se viram com segurança privada. E sobre as instituições financeiras
do interior nem segurança pública têm. As explosões de caixas eletrônicos Bahia
adentro é sinal claro de que a bandidagem deita e rola em nosso estado, cuja
inteligência policial não me parece muito inteligente, pois não preparou-se
devidamente para o impacto da expulsão dos traficantes dos morros cariocas.
Aqui em Salvador cada esquina de um bairro de periferia tem um “dono da boca”,
onde clientes de classe média e classe alta vão realizar suas comprinhas
semanais, atrás da ilusão química que impulsiona suas ideias e realiza suas
fantasias. E todos ganham! Menos os futuros defuntos jovens negros que ocupam
as pontas do sistema.
Na
democracia de atadura o governo não pede desculpas pelo que não fez, muito pelo
contrário: espera aplausos pelo que deixou de fazer, mas um dia, quem sabe, fará. Coloca
uma atadura, em forma de tapume, nas obras paradas e espera a chuva passar. Em nossa
democracia de atadura o governo não tem plano, faz programa. E faz programa
desde a campanha eleitoral até o último dia de seus desgovernos. Aqui, na democracia
de atadura, os partidos não têm programa, fazem programa, como diria uma
crítica feita ao PMDB. Quem está no governo oferece cargos em secretarias
criadas especialmente para isso. Os partidos que vão formar a base aliada
baixam suas calcinhas e cuecas e se oferecem desavergonhadamente para o governo
cheio de tesão pelo controle do dinheiro público, com o qual “come” a lealdade
oferecida em cada esquina das assembleias legislativas, das câmaras de vereadores e do Congresso Nacional.
É um puteiro só!
E
o povo, com sua bolsa família, vai comendo as migalhas que lhe oferecem os
governos. E o povo quando se revolta, recebe um dedo sui generis que somente a charmosa, elegante e fina primeira dama
do estado pode oferecer a partir de seu principado. É nesse momento que me
lembro de Chico Buarque, um Chico de outro momento, mas que agora, nessa
democracia de atadura, parece-me tão atual, tão realista...
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a
coisa aqui tá preta
muita mutreta pra levar a situação
que a gente vai levando de teimoso e
de pirraça
e a gente vai tomando que, também, sem
a cachaça
ninguém segura esse rojão.
Joselito
da Bahia e do Brasil,
Com
uma ajudinha de Chico Buarque do passado.
Seus textos são sempre muito ricos de saber e de dizeres.
ResponderExcluirObrigado pela sua bondosa leitura Eilane. Você só percebe a riqueza porque ela está você, em forma de procura que atiça suas leituras.
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