Politicidade e Coletividade Institucionalizada
Precisamos de uma politicidade implicada coletivamente,
tecida por laços de solidariedade no reconhecimento de nosso pertencimento a um
grupo, a uma classe social concebida pela negação de seus direitos fundamentais
e pela história de organização e lutas pela afirmação de nossos direitos a
existência decente, porque cansamos de trabalhar, comer e dormir em benefício
do lucro alheio; porque cansamos dessa vida de gado e queremos bebida, diversão e
arte.
A
gente não quer só comida
A
gente quer comida, diversão e arte
A
gente não quer só comida
A
gente quer saída para qualquer parte
A
gente não quer só comida
A
gente quer bebida, diversão, balé
A
gente não quer só comida
A
gente quer a vida como a vida quer
Bebida
é água!
Comida
é pasto!
Você
tem sede de quê?
Você
tem fome de quê?
A
gente não quer só comer
A
gente quer comer e quer fazer amor
A
gente não quer só comer
A
gente quer prazer pra aliviar a dor
A
gente não quer só dinheiro
A
gente quer dinheiro e felicidade
A
gente não quer só dinheiro
Demo, (2006, p.10) entende “[...] como politicidade a habilidade humana de, dentro das circunstâncias
dadas, tomar o destino em suas mãos e construir a autonomia relativa possível
como sujeito.” Mas essa politicidade necessária não é construída no plano
individual, pois este, sozinho, não possui os recursos intelectuais necessários
para identificar as estruturas que atuam em seu processo de empobrecimento, nem recursos políticos e econômicos para elaborar e executar ações consistentes de enfrentamento bem sucedido a tais estruturas.
Somente como sujeito coletivo e institucional é que essa politicidade sai do
plano do lamento e da resignação e entra efetivamente na cena da desconstrução política, econômica e ideológica das estruturas que o empobrecem.
Nesse sentido, Bakhtin (2002, p.116) demonstra que
De
maneira completamente diferente será experimentada a fome pelos membros de uma
coletividade unida por vínculos objetivos (batalhão de soldados, operários
reunidos no interior da usina, trabalhadores numa grande propriedade agrícola
de tipo capitalista, enfim toda uma classe social desde que nela tenha
amadurecido a ‘noção de classe para si’). Nesse caso dominarão na atividade
mental as tonalidades do protesto ativo e seguro de si mesmo; não haverá lugar
para uma mentalidade resignada e submissa. É aí que se encontra o terreno
favorável para um desenvolvimento nítido e ideologicamente bem formado da atividade
mental.
A noção de “classe para si”
somente é elaborada no interior da participação política do sujeito em grupos,
movimentos e instituições que identificam as estruturas de poder e as
ideologias da legitimação do domínio num processo dialógico intenso, promovendo assim o surgimento da força coletiva estabelecida em fundamentos políticos e éticos
que move uma multidão rumo à busca da transformação das estruturas que a empobrece. E assim poderemos sair do lamento, da pobreza política e começarmos
o processo de ruptura, passando a cantar, dialeticamente, o trecho seguinte do “Sangue
Latino”, com o mesmo Ney Matogrosso:
Rompi
tratados
Traí
os ritos
Quebrei
a lança
Lancei
no espaço
Um
grito, um desabafo
E
o que me importa
É
não estar vencido
Minha
vida, meus mortos
Meus
caminhos tortos
O horizonte da qualidade
política guia nossa luta ativa, rompendo velhos tratados, traindo ritos que nos
aprisionam, lançando nosso grito, nosso desabafo, jogando para fora do nosso espaço a lança ideológica alheia que nos fere a subjetividade ampla que nos caracteriza, nos une, nos estimula a criar formas de luta e enfrentamentos, não mais como indivíduos
solitários, renunciados e frágeis, batendo a cabeça no muro da vergonha individual, mas como
sujeitos políticos engajados em movimentos, associações, sindicatos e
instituições que nos fortalecem enquanto sujeitos coletivos, porque o que
importa é não estarmos vencidos, nem humilhados diante da arrogância do ethos capitalista, mas tecendo caminhos tortos diante dessas asas retas
de Brasília que não pode sair do chão enquanto nossa emancipação e nosso bem-estar coletivo não estiver postos em
seu plano de voo.
Joselito da
Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de e com Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel com o apoio de:
DEMO, Pedro. Pobreza política: a pobreza mais intensa da pobreza brasileira. Campinas. SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
TAVARES, Conceição. Vozes-mulheres. Cadernos Negros 13; Quilombhoje. São Paulo, 1990.
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