domingo, 24 de setembro de 2017

O DES-CONFORTO DE dEUS NA TEOLOGIA DO “ME-DAR-BEM”

Nesse país tão cristão, há tantos cristãos que, desconfio que, se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fizer uma séria “recontagem de votos”, teremos mais cristãos que seres humanos. Com tantos jovens negros assassinados nas periferias de Salvador, Bahia, deve haver mais soldados que cristãos, muito embora isso seja paradoxal do ponto de vista do racional IBGE. Porque um soldado não pode ser cristão, já que ele é o braço armado do estado. E na cidade mais negra do Brasil, os números também devem mentir, porque devem ser soldados brancos, orgulhosos de sua raça, limpando Salvador de sua juventude negra. Ou, então, podemos inferir que um soldado não tem cor, não tem religião, nem tem fé. Quando aquele ser coloca a farda, ele se torna um agente do estado e, como tal, sua humanidade se submete às ordens de um poder inquestionável, um poder controlado, não pelos brancos (não é isso?), mas pelo estado incolor, inodoro e, principalmente, insípido que o caracteriza. E o estado, convenhamos, não tem nada a ver com a misericórdia e a piedade divina. E o estado, por ser “incolor”, prende, arrebenta e mata apenas marginais, sujeitos que roubam o povo, todos negros e pobres, como cantava Gil e Caetano. Embora me pareça muito estranho o braço armado do estado não arrebentar nem prender, muito menos matar, e o braço jurídico do estado não manter presos os brancos congressistas que roubam o povo de todo o território nacional.
Que deus é esse? Que lei é esta? Que fé conveniente é esta que se apresenta como uma propaganda comercial, como qualquer outra. Com a teologia da prosperidade inventaram um deus conveniente para cada um. Há um deus que traz meu marido ou minha mulher de volta; há outro deus que me faz ter sucesso no trabalho; existe um deus que faz meu/minha filho/a deixar o vício das drogas e há um deus emergente que cura milagrosamente meu/minha filho/a do homossexualismo, o deus-cura-gay. A fé virou moeda de troca: se eu fizer isso, deus me dará aquilo; se eu rezar três a quatro vezes ao dia aumento a minha possibilidade de obter melhorias divinas na minha situação financeira, que foi o meu pecado, e não o injusto, desigual e cruel sistema econômico e político desse mundo que me jogou nessa condição.
A partir daí vamos criando definições como “abençoado”, que seria aquele/a que está em melhores condições financeiras, políticas e econômicas. Nesse caso, deus está diretamente proporcional à minha posição no mercado. Se tenho um carro, foi deus quem me deu. Quem não tem carro certamente foi o diabo quem providenciou o transporte coletivo. Se tenho uma casa para morar, foi deus quem me deu. Quem mora embaixo da ponte ou nos alugueis da cidade, foi deus quem vetou, por que quem mora de aluguel é mais pecador do que eu. Diziam que a fé não tinha como ser medida. Agora, com a teologia da prosperidade, tem. A medida da fé pode ser em dólar, em real, em euro, em posses que expressam o quanto de fé eu tenho. Pensando no carro ano 2012 que restam 18 parcelas ainda a pagar e nas tantas outras coisas cujo dono é o banco do Brasil e o bando do Brasil, minha fé deve ser bem pequena, quase um ateu. Nada de poupança, dois empréstimos... Huuum. Minha situação tá mal com esse deus emergente das lucrativas igrejas da fé de resultados financeiros. Num país de uma cristandade tão forte, devo ser um herege. Dá até pra medir minha distância desse deus: uns dois a três milhões... de dólares. Porque real não é moeda pra se medir nada com respeito, quando mais tendo um presidente como Temer.  
Creio que muitos “cristãos” devem se imaginar um “Noé”, ou um “Moisés”, os novos super-heróis das novelas, filmes e seriados na base do eu, o bem, o belo e o bom, contra todos os maus. Haverá algum filme de algum santo negro? E quem seriam esses "maus"? Esse é o grande problema desta falsa dialética: os maus são os negros que professam a umbanda e o candomblé; os homossexuais e travestis que contrariam nossas medidas exatas do corpo e do seu gozo; os/as ativistas políticos que reclamam desse suposto estado sem cor e sem raça, sem sexo e sem graça, que torna a nossa vida uma desgraça. Os maus seriam as pessoas que não acreditam em Deus, principalmente nesse deus de resultados imediatos inventado para atender a cada cliente, conforme suas necessidades específicas – desemprego? Separação? Problemas familiares? Problemas de ereção? Temos um deus para o seu caso! Ligue já! Assista nossa programação e venha à nossa igreja, a única que tem um pastor/padre especializado em seu problema e que tem ligação direta com as repartições celestes. Os maus também são os pequenos traficantes, jovens negros que, ali no bairro, matam e morrem a sua esperança numa vida melhor. Os consumidores brancos são "vítimas" do tráfico e merecem o apoio e a misericórdia divina.

É tão fácil usufruir desse deus! É tão prático “aceitar Jesus”! Um deus que vai me dar tudo que eu quero. É tão difícil reconhecer e abandonar a hipocrisia! É tão fácil apontar abençoados e amaldiçoados aqui e ali, é tão difícil identificar que somos preguiçosos e covardes em reconhecer que nosso cristianismo é falso e superficial! Num Brasil com tantos cristãos, não deveria haver mais tantos assassinatos; num Brasil com tantos cristãos não deveria haver tanto feminicídio; num país com tantos cristãos não deveria ocorrer tanta especulação financeira. Num Brasil com tantos cristãos não deveria haver mais pedofilia, como no caso do assassinato de Lucas Terras entre tantos outros e outras. Num país com tantos cristãos não deveria haver tanta corrupção; num território assim “abençoado” é muito estranho essas coisas ocorrerem. E assim, esse nosso cristianismo de resultados do terceiro milênio vai nos salvando da pobreza, da doença, da violência, da morte, da separação, porque deus financia o homem justo com automóveis, apartamentos com piscinas, contas milionárias, harmonia na família e sucesso no trabalho e, com isso tudo, não tem "abençoado" que reclame, muito embora, segundo o IBGE, o número de “abençoados” cristãos venha caindo assustadoramente com a nova política econômica do estado incolor, inodoro e insípido politicamente. Essa política econômica deve ser coisa do "diabo".

Joselito Manoel de Jesus, Sem religião alguma. 

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