sábado, 11 de abril de 2020

ATIVIDADE MENTAL DO NÓS

O lugar mais seguro agora é nossa atividade mental. Mas essa atividade não é nossa, de cada indivíduo em particular em seu mundo privado. Nossa atividade mental não é uma atividade isolada em nosso cérebro privilegiado. Quanta falta faz a educação agora!!! Segundo Bakhtin toda elaboração interior de uma expressão verbal é organizada pela orientação social de quem se expressa. Por isso, nada do que digamos é uma criação única e primeira de uma individualidade primordial e absoluta, à frente ou acima do seu tempo. Somos todos paridos pelo mundo! E, por isso, é que somos humanos. E, por isso, é que somos históricos e sociais. Nascemos biologicamente do ventre de nossa mãe e nascemos socialmente e historicamente do ventre de nosso mundo.

Isso nos leva a saber que quanto mais interagimos, mais a gente renasce! Mais temos dúvidas, mais estranhamos o mundo e, por conta disso mesmo, mais o apreendemos. É um paradoxo maravilhoso! quanto mais renascemos, quanto mais ampliamos o nosso ventre-mundo, mais crescemos e adquirimos saber e sabedoria: sofia e episteme de mãos dadas!

Se nosso ventre-mundo é pequeno, ou seja, se a gente só interage nas margens de nossas crenças, de nossas bolhas, de nossas certezas absolutas, mais envelhecemos e ficamos pequenos e nossa atividade mental enferruja e desaba. Outro sintoma é afastar cada vez mais as pessoas de nossa presença, porque a gente começa a ficar intransigente, rabugento, sectário. Nos tornamos uma espécie de vírus. Porque estamos certos e fim! Alcançamos a verdade absoluta! E, sinceramente, não há mais nada a discutir. Somos deuses!

Se, ao contrário, no mundo da cibercultura, nós invadimos o ciberespaço na humilde procura de entendimento, e perguntamos, com mais dúvidas do que com certezas, provavelmente o universo em rede pode nos oferecer possibilidades de descobertas, não respostas prontas, mas possibilidades. Possibilidades criadas no debate aberto, sincero, de frente, num mundo ampliado no qual sua atividade mental, que é sempre, como diria Bakhtin, uma "atividade mental do nós", em contraposição a uma atividade mental do eu", amplia suas possibilidades de entendimentos, porque orientada socialmente.
Bakhtin (2002, p. 115) explica que:
A atividade mental do nós não é uma atividade de caráter primitivo, gregário: é uma atividade diferenciada. Melhor ainda, a diferenciação ideológica, o crescimento do grau de consciência são diretamente proporcionais à firmeza e à estabilidade da orientação social. Quanto mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será seu mundo interior.
É do envolvimento do indivíduo nas práticas sociais desenvolvidas por diferentes formas de coletividade organizada que a atividade mental deste indivíduo vai refinando e ampliando suas capacidades intelectuais, críticas e operativas. Sua percepção categorial, por exemplo, como uma das suas funções psicológicas superiores, amplia suas possibilidades de percepção, identificação e organização de problemas que afetam sua existência, que passariam despercebidos não fosse a sua participação nos grupos, comunidades e instituições que provocam e exigem o desenvolvimento da atividade mental do nós.

Nossa atividade mental do nós, que é sempre nossa e não minha, nem sua, nem dele, nem de outras pessoas, mas porque de outras pessoas também é nossa, deve procurar sempre dialogar, estabelecer interlocução, conversando com uma, conversando com outro. Tem um ditado que diz: “Quem anda com porcos, farelos come”. Quem fala com porco também. Por que? Porque quando nós falamos com alguém que pensa de certa forma, e se reduz a somente ouvi-lo e somente a dialogar com ele ou com um grupo que pensa e age do mesmo modo, certamente que os efeitos produzidos pelas conversas nos levarão a agir e a se comportar como aquelas pessoas, constituindo um fenômeno sociolinguístico que nos levará a comer farelos, como o alimento mais saboroso ou, ao menos, o mais nutritivo do universo contido em nossa bolha. Por isso, além de porcos, precisamos conversar com gatos e gatas, cachorros e cadelas, aves e peixes, ursos e leões, insetos, vírus e bactérias! Pois é na diversidade que fortalecemos nossa atividade mental, sempre aberta a ouvir os sinais, a interpretar os signos, a utilizar os ícones para nos apropriar de nossa cultura e comunicar/comungar nossas ideias com as ideias alheias. Pois, nos ensina Bakhtin (2002, p.115): “Quanto mais forte, mais bem organizada, e diferenciada for a coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o seu mundo interior”. A forma que temos de fortalecer nossa atividade mental tornando-a cada vez mais sofisticada, é interagindo, participando de diferentes grupos e instituições, abrindo nossa mentalidade para uma dialogia permanente com diferentes interlocutores, fundando, enfim, novas gestações de nosso próprio ser no mundo, com o mundo, paridos por ele.

Portanto, se você apenas ouve os porcos, pensará apenas em chiqueiros e coisas que tais. Se você se comunica apenas com o leão, saberá apenas de savanas e do comportamento dos predadores alfas; se você interage tão somente com formigas, saberá das folhas e do trabalho na devida estação; se com cigarras, aprenderá a importância do sinal sonoro para sua existência; se com abelhas, a relevância dos odores para a sobrevivência e, assim, é preciso interagir com todos e todas, pois, desse modo, vamos tornando distinto e complexo o nosso mundo interior, ampliando nosso ventre-mundo e refinando nossa presença nele. Estourar as bolhas nas quais nós estamos, é uma atitude essencial para não nos alienarmos do mundo, para não nos tornamos amargos e agressivos, degradando nossas conquistas civilizatórias e mergulhando no obscurantismo que nos isola, nos ameaça a saúde mental. Precisamos, neste tempo de confinamento forçado pela pandemia do corona vírus, pronunciar o mundo juntos aos outros e às outras, numa dialogia elaborada na atividade mental do nós.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes que pronunciam o mundo comigo, e de Jesus, A Palavra pronunciada que gerou a Vida e o Mundo.

Com o auxílio de
BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9.ed., São Paulo, SP: Editora Annablume, 2002.

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