O lugar mais seguro agora é nossa atividade mental. Mas essa atividade
não é nossa, de cada indivíduo em particular em seu mundo privado. Nossa
atividade mental não é uma atividade isolada em nosso cérebro privilegiado.
Quanta falta faz a educação agora!!! Segundo Bakhtin toda elaboração interior
de uma expressão verbal é organizada pela orientação social de quem se
expressa. Por isso, nada do que digamos é uma criação única e primeira de uma
individualidade primordial e absoluta, à frente ou acima do seu tempo. Somos
todos paridos pelo mundo! E, por isso, é que somos humanos. E, por isso, é que
somos históricos e sociais. Nascemos biologicamente do ventre de nossa mãe e
nascemos socialmente e historicamente do ventre de nosso mundo.
Isso nos leva a saber que quanto mais interagimos, mais a gente renasce! Mais temos dúvidas, mais estranhamos o mundo e, por conta disso mesmo, mais o apreendemos. É um paradoxo maravilhoso! quanto mais renascemos, quanto mais ampliamos o nosso ventre-mundo, mais crescemos e adquirimos saber e sabedoria: sofia e episteme de mãos dadas!
Se nosso ventre-mundo é pequeno, ou seja, se a gente só interage nas margens de nossas crenças, de nossas bolhas, de nossas certezas absolutas, mais envelhecemos e ficamos pequenos e nossa atividade mental enferruja e desaba. Outro sintoma é afastar cada vez mais as pessoas de nossa presença, porque a gente começa a ficar intransigente, rabugento, sectário. Nos tornamos uma espécie de vírus. Porque estamos certos e fim! Alcançamos a verdade absoluta! E, sinceramente, não há mais nada a discutir. Somos deuses!
Se, ao contrário, no mundo da cibercultura, nós invadimos o ciberespaço
na humilde procura de entendimento, e perguntamos, com mais dúvidas do que com
certezas, provavelmente o universo em rede pode nos oferecer possibilidades de
descobertas, não respostas prontas, mas possibilidades. Possibilidades criadas
no debate aberto, sincero, de frente, num mundo ampliado no qual sua atividade
mental, que é sempre, como diria Bakhtin, uma "atividade mental do
nós", em contraposição a uma atividade mental do eu", amplia suas
possibilidades de entendimentos, porque orientada socialmente.
Bakhtin (2002, p. 115) explica
que:
A atividade mental do nós não é uma
atividade de caráter primitivo, gregário: é uma atividade diferenciada. Melhor
ainda, a diferenciação ideológica, o crescimento do grau de consciência são
diretamente proporcionais à firmeza e à estabilidade da orientação social. Quanto
mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a coletividade no interior
da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será seu mundo
interior.
É do envolvimento do indivíduo nas práticas
sociais desenvolvidas por diferentes formas de coletividade organizada que a
atividade mental deste indivíduo vai refinando e ampliando suas capacidades intelectuais,
críticas e operativas. Sua percepção categorial, por exemplo, como uma das suas
funções psicológicas superiores, amplia suas possibilidades de percepção, identificação
e organização de problemas que afetam sua existência, que passariam
despercebidos não fosse a sua participação nos grupos, comunidades e
instituições que provocam e exigem o desenvolvimento da atividade mental do
nós.
Nossa atividade mental do nós, que é
sempre nossa e não minha, nem sua, nem dele, nem de outras pessoas, mas porque de outras pessoas também é nossa, deve
procurar sempre dialogar, estabelecer interlocução, conversando com uma,
conversando com outro. Tem um ditado que diz: “Quem anda com porcos, farelos
come”. Quem fala com porco também. Por que? Porque quando nós falamos com alguém
que pensa de certa forma, e se reduz a somente ouvi-lo e somente a dialogar com
ele ou com um grupo que pensa e age do mesmo modo, certamente que os efeitos
produzidos pelas conversas nos levarão a agir e a se comportar como aquelas
pessoas, constituindo um fenômeno sociolinguístico que nos levará a comer
farelos, como o alimento mais saboroso ou, ao menos, o mais nutritivo do
universo contido em nossa bolha. Por isso, além de porcos, precisamos conversar
com gatos e gatas, cachorros e cadelas, aves e peixes, ursos e leões, insetos,
vírus e bactérias! Pois é na diversidade que fortalecemos nossa atividade
mental, sempre aberta a ouvir os sinais, a interpretar os signos, a utilizar os
ícones para nos apropriar de nossa cultura e comunicar/comungar nossas ideias com as
ideias alheias. Pois, nos ensina Bakhtin (2002, p.115): “Quanto mais forte,
mais bem organizada, e diferenciada for a coletividade no interior da qual o
indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o seu mundo interior”. A
forma que temos de fortalecer nossa atividade mental tornando-a cada vez mais
sofisticada, é interagindo, participando de diferentes grupos e instituições, abrindo nossa
mentalidade para uma dialogia permanente com diferentes interlocutores, fundando, enfim, novas gestações de nosso
próprio ser no mundo, com o mundo, paridos por ele.
Portanto, se você apenas ouve os porcos,
pensará apenas em chiqueiros e coisas que tais. Se você se comunica apenas com o leão,
saberá apenas de savanas e do comportamento dos predadores alfas; se você interage tão somente com formigas, saberá das folhas e do trabalho na devida estação; se com cigarras,
aprenderá a importância do sinal sonoro para sua existência; se com abelhas, a
relevância dos odores para a sobrevivência e, assim, é preciso interagir com todos e todas, pois, desse modo, vamos tornando distinto e
complexo o nosso mundo interior, ampliando nosso ventre-mundo e refinando nossa
presença nele. Estourar as bolhas nas quais nós estamos, é uma atitude essencial
para não nos alienarmos do mundo, para não nos tornamos amargos e agressivos, degradando
nossas conquistas civilizatórias e mergulhando no obscurantismo que nos isola,
nos ameaça a saúde mental. Precisamos, neste tempo de confinamento forçado pela pandemia do corona vírus,
pronunciar o mundo juntos aos outros e às outras, numa dialogia elaborada na atividade
mental do nós.
Joselito da Nair, do Zé,
do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes que pronunciam o mundo comigo, e de
Jesus, A Palavra pronunciada que gerou a Vida e o Mundo.
Com o auxílio de
BAKHTIN,
M.; VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem. 9.ed., São Paulo, SP: Editora
Annablume, 2002.
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