segunda-feira, 13 de junho de 2011

Veja, aponte, comprometa-se e decida!


Bakhtin afirma que todo signo é ideológico. E tem razão. Não há como apontar um dedo sem estar interessado no destino do objeto. Há o inevitável posicionamento diante do que chamamos a atenção. Alguém mostra com o dedo, com o olhar, com a palavra. Há uma intencionalidade no mostrar, não adianta inventar neutralidade quando se mostra algo. O nosso Cristo da Barra aponta em direção ao Farol, mas eu ainda não consegui captar seu interesse. Só perguntando a quem o criou. A gente mostra algo que nos interessa e o olhar é dirigido intencionalmente para um ou mais ações sobre aquilo que foi mostrado. Uma paisagem bela, caso vista por um olhar ambientalista, certamente continuará a ser bela. Caso seja vista por um olhar de um turista também. Entretanto, caso tal paisagem seja captada por um olhar capitalista de caráter industrial certamente tal paisagem irá ser degradada pelo dinheiro guloso que busca mais dinheiro para saciar sua fome insaciável. Ao captar algo, o dedo aponta para o que deverá existir e, num contexto capitalista, para o que deixará de existir; para o que existe e assim seguirá e para o que não existe,e, para existir, usurpará a existência do que está posto sossegadamente pela força viva da natureza e de todo o cosmos. Boaventura de Sousa Santos afirma que

(...) a industrialização não é necessariamente o motor do progresso nem a parteira do desenvolvimento. Por um lado, ela assenta numa concepção retrógrada da natureza, incapaz de ver a relação entre a degradação desta e a degradação da sociedade que ela sustenta. (...) A falência da miragem do desenvolvimento é cada vez mais evidente, e, em vez de buscarem novos modelos de desenvolvimento, talvez seja tempo de começar a criar alternativas ao desenvolvimento. (SANTOS, 2001, p.28)

Tudo que é visto é visto sob uma ótica e tem desdobramentos sérios para a vida humana. Há uma pedagogia intrinsecamente política no mostrar algo para outrem. Quando algo é mostrado, logo, é interpretado. Ao mostrar definimos os contornos, estabelecemos os limites, definimos o objeto em sua inteireza e, assim, configuramos politicamente o ser dado pelo olhar ideológico que o define. Ensinamos a ver como vemos, inevitavelmente. Por isso, o diálogo é fundante no processo de humanização. O meu olhar não pode determinar o objeto para o outro numa relação onde o diálogo se dá de A contra B, de A sobre B, de A para B. O diálogo, como mostrava/ensinava Paulo Freire, deve ser de A com B mediatizado pelo mundo, democraticamente dialético, para que o objeto seja constituído permanentemente num processo dialógico, numa dialogia incessante. O olhar se amplia para além do si mesmo e potencializa a percepção coletiva do processo de produção do mundo.

Alguém vê e é mobilizado pelo seu ver. Quando a gente mostra a gente mobiliza ou mesmo imobiliza outrem. Lá está a prostituição infantil; ali está a violência contra a mulher; adiante está a pedofilia; acolá você pode ver a corrupção dos deputados, vereadores, senadores, ministros, sem punição. Um ser humano aponta, com a palavra, com o dedo, com o olhar, para um lugar considerado importante. Outro ser humano olha e vê o que ainda não existia para ele (a). E o que não existia mobiliza o seu ser histórico, político, social, étnico, racial, plural. E ele (a) pode fugir disso. Pode fingir que não viu ou que não existe o que supostamente viu, tratando como uma alucinação coletiva. Pode resignar-se diante do que viu, argumentando sobre a inexorabilidade da história e da inevitabilidade de suas vítimas. Pode assumir atitude de cinismo ou, ao contrário, pode engajar-se em movimentos sociais, de forças que se juntam contra a injustiça, o desamor, a impiedade e mudar aquilo que provoca a indignação dos que não aceitam uma realidade determinada pelo darwinismo social. 

Mobilizado pela sua visão e contextualizado pelo seu tempo, alguém responde de qualquer jeito, amparado na identidade que o convoca a assumir uma posição sobre a realidade percebida de determinado jeito. O posicionamento ideológico está interpenetrado pela identidade que se assume em determinado tempo, determinado lugar, determinado contexto. E daí a ação política é requerida para o enfrentamento das condições que causam a indignação. Isso significa que toda percepção é sempre social. Há, evidentemente, uma percepção individual. Mas essa percepção é também social e cultural, pois o indivíduo é construído social e culturalmente. Não podemos, entretanto, negligenciar a força insuspeita que reside em cada sujeito e que, no exercício de sua liderança poética, política, étnica, racial, religiosa, entre outras desencadeia reações muitas vezes inesperadas da coletividade que se identifica com o clamor que o sujeito exerce em nome de valores e direitos ameaçados por forças contrárias à vida decente e bela a que todos têm direito.

Ao ver algo, nos comprometemos inevitavelmente sobre os destinos do mundo que compartilhamos com os outros. Melhor, sobre os sentidos do mundo que compartilhamos com os outros. Pois a destinação de algo é dada pelo sentido que impregnou seu acontecimento. Isso exige nossos posicionamentos ideológicos e nossa consequente ação política, seja para legitimar o status quo econômico, étnico, racial, cultural, social, seja para assumir atitudes firmes de defesa da dignidade humana, do equilíbrio ecológico, da justiça e da democracia vivida em cada lugar onde os humanos constroem a realidade social. Ao apontar o dedo para algo, nos comprometemos ideologicamente com este algo e somos instados a decidir politicamente o caminho de construção da realidade e de nós mesmos nela. 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com o auxílio de
SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente: Contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum. A ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

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