quarta-feira, 29 de junho de 2011

SOBRE A SANTIDADE

O que é ser santo (a)? Quando criança ouvia minha mãe referir-se muito a eles e elas. Os católicos e os que não podiam ser classificados desta forma, como Santa Bárbara, cuja imagem ficava pregada na parede de taipa. Não lembro mais que cômodo. Acho que era na sala. Os santos faziam milagres, foi assim que aprendi. E a cor da pele de quase todos os santos eram, invariavelmente, brancas, com fisionomia serena, pois estavam bem distantes dos problemas que a pobreza extrema, e seus desdobramentos, trazia. Na casa de minha avó materna havia uma Santa Maria negra e um santo, creio que São Benedito. Só. Santo para mim era uma pessoa cheia de virtude e que não flertava com o pecado. Mas eu nunca quis ser santo. Não queria ser nada disso que fica distante do mundo, com aquela expressão serenamente alienígena, que pertencia a um mundo muito diferente do meu. Acho que pensava assim. Aprendi que devemos apelar para os santos nos momentos difíceis da vida. Minha poderosa mãe contara uma história e, em meio às suas palavras, havia um sentimento muito forte de fé. O caminhoneiro, vendo a morte em forma de acidente de trânsito, gritou na hora crucial: - Valei-me Nossa Senhora! E o milagre ocorreu. Aquela história marcou minha memória “para sempre, e ainda depois”.

O mundo é um lugar muito perigoso. A morte anda perscrutando nosso caminhar e os santos servem de escudo protetor contra o mal que nos espreita a toda vez que saímos de casa. – Deus te acompanhe! Minha mãe dizia sempre que meu pai saia ligeiro e decidido para o trabalho. Eu achava meu pai muito forte. Pois ele saia com suas botas sob uma chuva torrencial, enfrentando o frio e o aguaceiro em busca do nosso bem-estar. Meu pai não era um santo, era um guerreiro. Travava lutas consigo mesmo para ver quem vencia: o seu eu ou o seu outro. E minha mãe era a santa. Ela ficava conosco e o seu colo e o seu braço trazia calor e aconchego. Inventava refeições e café quente com farinha e margarina. E nos aquecia completamente, por fora e por dentro da pele. Ela não tinha defeitos para nós. Só virtudes. Quando morresse, certamente iria pro céu, nos esperar com o mesmo amor imenso que concretizava a cada dia. E eu pergunto: o que é ser santo (a)?

Há dois processos em andamento atualmente a que tenho acesso sobre a questão do caminho para a santificação de João Paulo II e de Irmã Dulce. Apareceram sinais concretos de suas forças milagrosas. Mesmo respeitando tudo isso, ando meio desconfiado. Fico pensando em como os investigadores eclesiásticos conseguem determinar a origem do milagre, com tantos santos e santas que já existem. Quem foi o “pai da criança”? Foi aquele (a) cujo nome foi pronunciado na hora que a morte se avizinhou como inexorável. Hum. Fico pensando numa conversa celestial entre os santos: - Ei, aquele milagre foi meu. Você mal chega aqui e já quer ser beatificado? – Não, não. Eu fui papa, um bom papa, e, por isso, tenho certos privilégios com o Senhor. Foi através de minha mediação que o milagre foi concedido. Nisso, outro santo que estava assuntando a conversa, reage com veemência: – Qué qué isso!!! Ora bolas, esse milagre é o de número “y”, devidamente registrado no livro dos milagres com a minha autoria. Minha santidade não vem de hoje, não. Tenho experiência no ofício desde o século II e foi através de meu trabalho que os apóstolos conseguiram êxito em sua empreitada. E, nisso, a discussão lá de cima em nada interfere na condução cá de baixo. Disseram que o milagre já tem dono e acabou. Deus, o verdadeiro milagreiro, fica até esquecido nesse processo. Queremos uma santa baiana e acabou! Na Bahia de todos os santos e as santas precisamos de uma que carregue o nosso DNA, pra gente ficar orgulhoso frente aos santos internacionais que já não fazem milagres como antigamente.

Mas eu desconfio que Irmã Dulce não precisa da poderosa Igreja pra ser santa. Já era santa mesmo. Sua mensagem, como diria outro santo: Gandhi, foi a sua vida. A santidade não vem da magia inexplicável do milagre, vem do exemplo, do modo de viver, de ser-estar no mundo. A obra de Irmã Dulce já é um milagre e sua santificação vem de Deus, o Deus de todos nós e não apenas o Deus dos católicos. Eu não vou comprar imagem alguma da Santa Dulce, porque sua memória já é a lembrança mais importante que nos salva das desgracenças que nos perscrutam dia a dia. Cada santo tem seu fã-clube, seu campo de poder que aparece em forma de “milagre” e não de exemplo de vida.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

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