segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pai, Filho e Corrupção: Amém

Ao fim da novela um filme sem graça permitiu a continuidade da conversa até a hora do sono.

- Mas meu filho, você não está exagerando? Não existem políticos honestos? Não existem religiosos, das diferentes religiões, comprometidos com sua fé e coerentes com suas convicções? 

- Claro que existe pai. Mas, do ponto de vista social e cultural estão ficando cada vez mais irrelevantes. A corrupção no Brasil não é um problema particular, faz parte de sua cultura, está entranhada em todas as instituições, sejam de caráter jurídico, sejam de natureza religiosa ou política, tanto faz. É reproduzida dentro da própria família na base do lema “farinha pouca meu pirão primeiro.” Nesse país as Leis são feitas para serem burladas, seja por recursos jurídicos, seja pelo jeitinho, seja pela propina. No trânsito as estatísticas em torno da relação entre bebidas alcóolicas e acidentes fatais não impede que as pessoas bebam e dirijam. Nem as blitz’s conseguem ter ação efetiva de punição, pois tem lei, habeas corpus, liminares, entre outros recursos jurídicos, contra a própria “lei seca”. Lei seca. Seca de justiça. E fica o seguinte: Todo cidadão é igual perante a Lei, desde que tenha dinheiro para pagar fiança e advogados. E, na prática do trânsito fica assim: para quem mata no trânsito, réu primário, crime sem intenção de matar, etc., não há grandes consequências. Para quem morre e para quem é parente de quem morre, fica a dor, o desamparo e a injustiça. A lei que impera em nosso país é a lei do mais forte, a lei da selva de pedra, asfalto, velocidade e aço mortal. 

E, provocado pela inspiradora realidade nacional o garoto continua. – Apesar da ineficiência dos cartórios na Bahia, por exemplo, a privatização dos mesmos é vista de forma negativa pelos desembargadores e juízes. Isso porque eles não perdem toda a manhã para apenas reconhecerem uma firma, ou autenticar um simples documento. Juiz pode matar, vender sentenças e roubar que não vai preso: é aposentado, ganhando a mesma quantia que ganhava, só que sem fazer nada e continuando com o direito inalienável de cometer crimes sem ser incomodado pelos seus pares. Pai, isso é surreal!!! Os juízes e desembargadores constituem uma classe especial acima do bem e do mal. Nem a justiça os atinge. Estão acima da justiça que deveriam preservar e defender. 

- É meu filho. É duro reconhecer, mas, infelizmente, é isso mesmo. Não existe instituição que escape. Nem a Igreja. 

- Pois é pai. Já tão vendendo as imagens de Irmã Dulce. É preciso capitalizar o momento sagrado da venda. Já detectaram apressadamente dois milagres para João Paulo Segundo, que vai ser tornado santo pouco em breve pelos poderes de Ratzinger. Aliás, ninguém mais comenta que este Papa, o Bento XVI, quando Cardeal, foi informado dos abusos sexuais contra crianças e não tomou providência alguma sobre isso. 

- Lá vai a corrupção e a negligência mundo afora. Diz, preocupado, o pai.

- Mas é claro meu pai! A Igreja Católica é a maior e mais antiga multinacional cultural no Brasil, desde que foi fundado. Fala-se muito da Coca Cola, mas a Igreja Católica é a multinacional mais bem sucedida da história brasileira! E não me venham com a velha ladainha que isso tudo faz parte das fraquezas humanas. É? Não é não! O humano também tem a possibilidade de transcender, de romper com vícios e mudar o rumo da história. Mas a Igreja, na verdade, pouco se interessou pela mudança desse rumo, já que esta mudança lhe era inconveniente. A Igreja, apesar de repetir a ladainha de que devemos nos apegar ao eterno e renunciar o histórico, tem a estranha tendência de se afinar aos poderes políticos históricos a fim de manter sua hegemonia a partir do campo do controle do espiritual.

- Olha pai, continua o filho, aquele comentário sobre os adesivos em automóveis sobre Deus ser fiel, aponta para um deus que opta pelo carro como solução para as pessoas transitarem, e não pelo transporte coletivo de qualidade. O carro individual é o inferno do trânsito atual. Polui, atrasa, ocupa a passagem dos pedestres e estraga os passeios. E Deus colabora com isso? A fidelidade de Deus está numa vida decente para todos e todas ou na conquista pessoal de um bem individual? A ética protestante impera. Pensava que Deus poderia ser encontrado em homens e mulheres simples, pessoas mais preocupadas em cultivar os dons humanos mais sublimes e valores como honestidade, solidariedade, respeito às diferenças, ética, moralidade, compaixão, entre outros. E essa visão se espraia e contamina todo o tecido social. Aqui na Bahia mesmo, importa mais para o Governo construir uma ponte bilionária entre Salvador e Itaparica do que aplicar os escassos recursos na melhoria de questões básicas como saúde, educação. Aqui na Bahia os resultados do IDEB foram pífios, refletindo uma educação fingida, estampada na propaganda do “agora tem tem tem...” E no Brasil serão previstos, como Lula sonhou, 30 bilhões para a concretização do “Trem Bala”. “Agora trem trem trem”. E para a educação, a saúde e a infraestrutura públicas, “não tem não tem não tem”, nem agora, nem no próximo governo. Simplesmente porque queremos estádio novo de futebol, doravante denominado “arena”, pela FIFA. Mas a verdadeira arena é o campo social, político e econômico onde se confrontam ideias gladiadoras de mundo. Ideias de uns mundos divididos em bárbaros e civilizados e uns mundos onde as divisões sejam superadas pela solidariedade criativa e trabalhosa dos seres humanos em busca de reconciliação consigo, com os outros e com a natureza.

- É meu filho. São apostas. E o que faremos nesse tempo em que vivemos? Podemos ser coerentes com esse discurso? Podemos atirar a primeira pedra? Nós, das gerações mais velhas, percebemos nossas contradições e isso nos paralisa. Percebemos nossa implicação nesse tecido cultural que nos enreda a todos. Ficamos com as pedras na mãos sem saber bem em quem atirar e se a devemos atirar. Talvez temamos nos tornar terroristas hipócritas, que acreditam em sua pureza contra a sujeira dos outros que não seguem cegamente nossos princípios, ideias e ideais. Às vezes penso se não devia atirar tais pedras contra mim mesmo.

- Hum. Mas meu pai, alguma coisa deve ser feita! Não somos santos, nem queremos, afinal, não somos Papa. Não podemos pensar mais como classe social? O capitalismo deixou de existir? Não seria ainda o capitalismo selvagem que coordena os podres poderes que nos colocam nessa situação? Agora o senhor me traz uma preocupação: por onde começar? Eu terminei de assistir “Cidades e Soluções”, e um dos entrevistados, um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendeu que o grande problema da desigualdade no mundo é a distribuição dos ativos. Mas não ativos materiais. Ele até dá um exemplo cômico de um país que fez uma revolução distributiva e deu uma vaca para cada habitante. Bem, comeram todas as vacas e este animal nunca mais foi visto por aquelas paragens. Bem, ele defendia que um dos principais ativos do mundo contemporâneo é a educação. E a educação é um ativo básico para a construção de uma sociedade baseada na cultura da igualdade, do desenvolvimento zero, da limitação do consumo, da qualidade de vida ao invés da quantidade de bens. Pai, eu quero ser educador. Acredito que o educador é o sacerdote do novo mundo. É por ele que vai passar o caminho de um admirado mundo novo. Um mundo admirado pelas suas belezas naturais, pela educação dos seus ocupantes, pela simbiose cuidadosa entre ambos, viajando pelos “mistérios do sem-fim” (Cecília Meireles) do universo nessa Mãe Gaia, de acordo com a vida pulsante que ela traz em sua fecundidade entranhada de mulheres e homens grávidos de mundo.

O pai, sentindo-se estranhamente tocado pela sensibilidade e pelo idealismo do garoto, o abraça como nunca antes havia feito e um poderoso sentimento de paz e amor lhe enchem de uma alegria também nunca tida antes. O admirado mundo novo começava ali mesmo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.    

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