domingo, 20 de janeiro de 2013

BONFIM: QUEM TE VIU?

No final da ladeira que fica ao lado da Igreja da conceição da Praia um transeunte fez uma afirmação que me acordou para uma realidade que estava passando despercebida diante dos meus olhos. A Lavagem do Bonfim está em decadência. Ele falou: - Quem te viu Bonfim!!! E eu comecei a rever o trajeto que havia feito até ali e a comparar de quando eu era menino e mais jovem. É. Terminei concordando: Quem te viu, Bonfim! Parafraseando o velho e bom Chico Buarque...

“Quem te viu. Quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer.”

Hoje, domingo, 20 de janeiro de 2013, no jornal A Tarde, página B1, Samuel Celestino constata:

A decadência do ciclo de festas populares da Bahia, como pode ser observada ano após ano, pode ter como marco a Lavagem do Bonfim. Trata-se de um nítido reflexo do desleixo dos governos, estadual e municipal, em relação à política cultural que, praticamente, inexiste, em especial na capital.
Do ciclo de festas resistem a Lavagem do Bonfim e o 2 de fevereiro, em homenagem à Iemanjá, no Rio Vermelho. As demais quase não são lembradas.

Eu constatei isso também. Depois da Corrida Sagrada 2013, a turma do Clube de Corrida Equilibrium veio voltando o trajeto, celebrando mais um ano e “abrindo os trabalhos” deste 2013 que traz excelentes expectativas e futuras realizações pessoais. Esperava ver aquelas velhas manifestações culturais, as charangas, as bandinhas, as carroças ornamentadas, os personagens peculiares adornados de alegria espontânea que se expressam de forma desautorizada pelo discurso dominante. Vi. Mas raros. E fui ficando triste, porque mais ouvia Silvano Sales e aquele "pagode véio", do que o samba que pede a roda, o requebrado e as palmas dos que param para comungar daquela hora ensolarada que estava parando seus ponteiros naquele asfalto, fechado para os automóveis e aberto para a comunidade de homens e mulheres de fé. O trânsito deveria ser outro. Nada contra Silvano Sales, o cantor e seu sucesso. Nada contra a manifestação espontânea de quem queira ouvir sua canção qualquer que seja. Mas não era da Lavagem do Bonfim. Não era samba. E havia uma morte cultural anunciando seu trajeto de fim melancólico.

O Bonfim não estava bom. Estava fim. Muita cerveja e propagandas de cerveja, como sempre, muito tapume, poucos sanitários, muito mijo nos pedindo muros e lançando seu mal cheiro na redondeza. Esse ano vi poucas baianas com suas roupas alvíssimas e suas flores vermelhas trazidas em jarros de magia de onde emana o cheiro da Bahia, anunciando que o povo de santo traz mensagem de paz, de harmonia e de beleza. Segundo Samuel Celestino 


A festa da Lavagem do Bonfim se transformou num mero acontecimento de exibição dos políticos, de tal modo que são eles que agora marcam o horário do início do cortejo, quando, antes, ficava por conta das baianas, com roupas belíssimas, carregando potes com água de cheiro para a lavagem do adro da igreja. (CELESTINO, A Tarde, domingo, 20 de janeiro de 2013, página B1)

As manifestações culturais estavam raras. Os políticos vieram passando com suas roupas brancas e alvas, cercados de puxa sacos e seguranças disfarçados de povo. Passaram em branco, acho. Vão à festa do Bonfim com outros objetivos. Alcançar outros votos. E os militantes, cada vez mais raros, ainda carregam bandeiras vermelhas de um tempo pretérito, onde havia políticos decentes de um lado e de outro, tecendo discursos pela hegemonia de um novo mundo a partir de cada perspectiva. Havia esperança no futuro.

Mas parece-me que o futuro está acabando. Ou melhor, estamos acabando com o futuro. Lembro-me sempre de Renato Russo: “O futuro não é mais como era antigamente”. Precisamos reinventar o futuro. Mas, como reinventar um tempo que está sendo abortado nesse presente sem graça e repetitivo em que existimos? Será que nossa geração ainda consegue? Ou somos uma geração perdida? Encheram-nos de drogas e estamos meio zonzos, com o pensamento medíocre, com a invenção desbotada, com a criatividade moribunda e com ideias tolas. Encheram-nos de drogas nos rádios, nas emissoras de tv e até nos jornais tem drogas. E vamos consumindo-as, rindo das tolices que tocam e que filmam. Poucos jovens hoje discutem política, cultura e lazer. Nem discutem e, portanto, não fazem acontecer. E a Lavagem do Bonfim reflete essa realidade.

Uma amiga minha e de Ana, Ivana, no aniversário dos cinquenta anos de Amélia, contou-nos como ficou surpresa quando, num “aniversário de boneca” de uma garotinha lá em Recife, esta garotinha dançou frevo, maracatu e samba, tudo aprendido numa escola pública de lá. Ivana ficou alegre com a menina e com o povo de Pernambuco, e triste, ao lembrar da Bahia em decadência cultural. O povo pernambucano preserva suas raízes culturais e produz a renovação a partir dessas matrizes. Mas aqui na Bahia não temos esta mesma disposição. As nossas matrizes vão sendo abandonadas, simplesmente. Um “axé” paupérrimo, erotizado, vazio de sentido, hegemoniza as emissoras de rádios mais populares, sendo imposto por DJ’s anônimos com seus automóveis trios elétricos em cada esquina de nossa cidade.

“Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer.”

De fato, quem não a conhece deve ficar espantando com a Bahia e suas festas de largo de que se fala mundo afora. Não podem mais ver para crer, mesmo que a gente conte, eles e elas devem ficar imaginando que somos um bando de mentirosos (as). Quem jamais esquece, fica triste. Vai morrendo no trajeto a dor da falta daquilo que esperavam como exuberante beleza e singular manifestação cultural da nossa gente e, infelizmente, que não mais existe. 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

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