A forma de conceber o
trajeto até o conhecimento e do próprio conhecimento, é crucial, seja para
processos emancipatórios, seja para processos regulatórios da formação humana
na escola. Sendo dado, como algo pronto a ser apreendido passivamente pelos educandos,
o conhecimento distancia-se da emancipação dos mesmos. A centralidade do livro
didático, tanto no ensino, quanto na aprendizagem, vem como um sintoma claro
desse movimento regulatório e coibidor do exercício da criticidade no processo
educativo, que torna-se contra educativo. Na educação do campo, segundo relatos
dos próprios professores da mesma, o livro didático é relativizado no processo.
Nesse caso, o ponto de
partida para o conhecimento é o local, e ainda mais, sua interpretação pelos
indivíduos que aí convivem. É no local onde se articula a experiência do
educando, os saberes da comunidade e as festas, os encontros, os acontecimentos
locais, ou globais, que adquiriram um significado próprio. No local o ser
humano pode encontrar elementos de transcendência de si próprio e fazer do mundo
o ventre dinâmico do seu nascimento/renascimento permanente. A escola se torna,
nessa perspectiva, uma instituição educativa viva, plural, construída
cotidianamente pelos sujeitos singulares. Desse ponto de vista, a escola tem
que deixar de ser do diretor “fulano” ou da diretora “sicrana”, deixar de ter
um dono, uma dona, e passar a ser de todos e todas, ou seja: de sujeitos
singulares convergindo na pluralidade, criando a necessidade concreta de
reconfiguração das relações interpessoais autoritárias, preconceituosas e
discriminatórias, obrigando os (as) educadores (as) a se reeducarem, ou seja, a
também renascerem de si, juntos aos educandos, num processo educativo
emancipatório que pode ser desencadeado por uma nova/velha Pedagogia que
começou faz muito tempo, mas ainda não pode ser concretizada em espaços
institucionais e políticos mais amplos.
E aqui, neste ponto do texto, a necessidade
de discutir a educação escolar e sua concepção de conhecimento e seu
significado se faz imprescindível. O que é conhecimento? Conhecimento pode ter
o significado de emancipação? Sim! Conhecemos porque somos curiosos e queremos
saber. Tal como Gilberto Gil...
Queremos saber,
o que vão fazer
com as novas invenções.
Queremos notícia mais
séria
sobre a descoberta da
antimatéria
e suas implicações
na emancipação do homem,
das grandes populações,
homens pobres das
cidades
das estepes dos sertões
Queremos saber,
Quando vamos ter
raio laser mais barato.
Queremos, de fato, um
relato
retrato mais sério do
mistério da luz
luz do disco voador
pra iluminação do homem
tão carente, sofredor
tão perdido na distância
da morada do senhor.
Queremos saber,
queremos viver
confiantes no futuro
por isso se faz
necessário prever
Qual o itinerário da
ilusão?
A ilusão do poder
pois se foi permitido
ao homem
tantas coisas conhecer
é melhor que todos
saibam
o que pode acontecer
Queremos saber, queremos
saber
Queremos saber, todos
queremos saber.
Pois é: “todos queremos
saber.” E do que sabemos, não queremos deixar de saber para saber um saber que
nada sabe sobre o nosso viver. Portanto, conhecimento pode ser desconhecimento
na alienação que produz em seu processo de conhecer. Esse saber eu não quero.
Porque eu sou e porque penso. Mas não como Descartes brilhantemente e genialmente
pensou. Eu penso porque vivo a minha existência encarnada num local específico
do mundo. Penso porque sem o outro eu não sou nada. Sem o outro eu não consigo ser
eu. Sem minha terra, sem o sofrimento e sem a esperança eu não sigo o meu
destino, e não consigo escrever um palmo do meu caminho. E, assim como eu, meu
educando também pensa. E quer pensar seus pensamentos, sem ser negado por uma
ordem escolar ou universitária que lhe nega seu direito mais legítimo de
pensar.
Para que tanto saber? Para que essa vontade
avassaladora de saber tudo e a tudo controlar? Perguntava Nietzsche e, depois,
Foucault. Esse saber que me nega, que me cega, que relega o meu jeito, o meu leito,
o meu peito, o meu sabor e a minha ira? Prefiro, pode pensar certamente assim o
educando, a minha sina que não me recrimina. E essa escola prepotente esvazia,
porque sua função enfastia o educando curioso. Essa escola que quer regular,
transformar em objeto o sujeito curioso, desejoso de conhecer o conhecimento de
sua gente, que lhe traga emancipação, júbilo, felicidade. É da mamona que o
educando de Val aciona o seu saber e é daí que elege o seu conhecer. E assim,
como da mamona, vem saber do abacaxi, vem saber da Feira de Cariri, vem saber
da Feira de São Joaquim, vem saber da maré e da maresia, vem saber em forma de
medo, de desejo, de segredo e de poesia. E esse saber, não controla, ele apenas
desenrola e sistematiza a vida que segue sua lida na alegria e na tristeza, na feiura
e na beleza.