terça-feira, 19 de março de 2013

O Papa é Argentino. Mas Deus não é brasileiro

Por causa da recente eleição do Papa, um argentino, alguns brasileiros, famosos ou não, utilizam da velha máxima de que Deus é brasileiro, desdenhando jocosamente da nacionalidade do novo Papa. Acredito que essa afirmação de que Deus tem uma preferência especial por nós talvez venha do reconhecimento de que nosso país não tem os problemas naturais que outros países têm, como terremotos, furacões, vulcões nem tornados, capazes de aniquilar milhares de seres humanos em tempo bastante curto. Nosso país é cheio de riquezas naturais, minerais, com um clima apropriado para o desenvolvimento agrícola, para a pecuária, com grandes reservas e a maior floresta do mundo, entrecortada por rios e mais rios, sendo a maior reserva de água doce na superfície do mundo, senão me engano. Assim, Deus, por abençoar estas paragens, estaria oferecendo um indício claro de sua predileção pelo nosso país e pelo seu povo. Logo, para nosso júbilo – para utilizar uma palavra bem religiosa – Deus é brasileiro.

Contudo, desconfio que Deus não tem predileção por povo algum na face da terra, apesar de alguns acharem isso. Deus tem predileção pelo ser humano. Pensa na humanidade, em qualquer lugar do mundo onde a mesma esteja. E, segundo se conta e reconta, faz um esforço tremendo para se aproximar dela. Porque a ama. Quando a gente ama é assim. Queremos estar perto, queremos abraçar e partilhar as maravilhas de todas as coisas e acontecimentos. Teve um na Índia, que construiu até um famoso palácio para homenagear sua saudosa esposa amada. O amor produz forças insuspeitas.


Nesse território do mundo denominado de Brasil, tem muitas riquezas e belezas naturais e minerais, também tem muita coisa ruim. Melhor: tem muito “coisa ruim”. Este país tem sucessivos governos que mentem, que compram propagandas para divulgar sobre o que não existe, sobre o que não fizeram. A maioria das obras está “em andamento”. Exceto obras como aqui na Bahia, a Nova Fonte Nova ou o Maracanã, no Rio de Janeiro. Que não trarão benefício significativo para a população, só circo, porque o pão está garantido pelo “bolsa família”. Deus não pode ser brasileiro. Sendo amoroso e onipotente Ele não aceitaria crianças soterradas no Rio de Janeiro e crianças esfomeadas no Nordeste, porque nossos governantes alegam não ter recursos para cuidar de seu povo, ou pior: ao invés de socorrerem sua gente, fazem propaganda afirmando que estão socorrendo, liberando verbas tardiamente – porque não liberaram antes? –, mobilizando a Defesa Civil, os Bombeiros, o diabo a quatro. Ou seja: mentindo.


Sérgio Cabral mente tanto quanto Jacques Wagner, tanto quanto Geraldo Alckmin. São todos uns mentirosos. E Dilma também aprendeu essa principal, usual e fundamental ferramenta política: a mentira oficial. A tão debatida, discutida e imposta transposição do Rio São Francisco, está virando ruína, bem como o metrô – metrinho, quase centímetro – de Salvador; e tantas e tantas obras que enferrujam e apodrecem a céu aberto, esperando mais dinheiro para irrigar a ganância de empreiteiros, políticos e banqueiros. As imagens e as fotografias mostram a morte, o abandono, o desespero, a violência – Bahia está em 4.º lugar no ranking de homicídios (Fonte: Instituto Sangari e Ministério da Justiça, levando em consideração estatísticas de 2010 – o desmatamento, a poluição, o cinismo, a corrupção, a impunidade, a falência das instituições, entre outras tantas mazelas, mas a propaganda oficial afirma que vai tudo bem. Quem é esquizofrênico? Caso tudo fosse bem, como se propagandeia, o governo poderia retirar o Bolsa Família e,voilá! Muitos brasileiros poderiam andar com as próprias pernas.


Deus passa bem longe disto tudo, de toda essa mentirada oficial, de todo esse cinismo político. O que temos aqui é muita farsa. Farsa na saúde pública. Quem precisa de hospitais, médicos e emergências que o diga. No Rio de Janeiro, segundo a reportagem de uma emissora televisiva, crianças estão morrendo porque o único hospital do Estado que fazia transplantes de rins não mais o faz, por causa do pedido de demissão de médicos especializados, com certeza insatisfeitos com as condições de trabalho e de piso salarial; farsa na educação, porque o analfabetismo funcional avança universidade adentro; farsa na segurança pública, porque a Secretaria de Segurança Pública da Bahia já admitiu seu fracasso em combater o crime ao sugerir que levemos o “bolsa ladrão” para que não sejamos espancados ou mortos. Aliás, os dados falam por si. Nosso IDH, no ranking do Programa das Nações Unidas, não alcança a média da América Latina, ficando abaixo de países como o Chile, o México e o país do Papa. Farsa, ilusionismo, enfim, mentira mesmo, mentira em todas as emissoras de rádios, de tv e também nos jornais.


Como é que Deus pode ser brasileiro num mundo onde as enchentes, enxurradas, secas, violências de todos os tipos produzem um grande sofrimento com a produção de corpos e mais corpos de anciãos, jovens, crianças e adultos que sucumbem diante das forças satânicas dos nossos governantes? Nunca vi um governante nosso pedir desculpas pelo sofrimento do seu povo. Quanta gente não morreu e quantas não estão morrendo e, ano que vem, vão morrer pelas chuvas que cairão e que não cairão? A morte virá. Depois as verbas serão liberadas e os governa dores irão, de helicópteros, sobrevoar a área atingida. E Deus, acima deles, não tem nada a ver com isso. Ele não é brasileiro, nós não o elegemos e não é Sua vontade a morte prematura – ou o assassinato por negligência mesmo! – de inocentes. A maior catástrofe de nosso país não vem da natureza, nem da seca, nem da chuva.

Joselito Manoel 

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