Era uma vez uma país que estava morrendo. O nome dele era
Brazil. Sua
doença era “viroses”. Viroses de todos os tipos. Desde sua “fundação”, ele
começou a ser afundado. É que seus pretensiosos “fundadores” eram, na verdade,
“afundadores”, pois queriam a colônia apenas para explorar, para retirar suas
riquezas e enviá-las para o exterior. Nesse momento, implantaram um vírus
mortal nesse “novo mundo” na paisagem, mas bem velho nas ideias. Trouxeram,
entre outros, o vírus do patrimonialismo, que Muniz Sodré, em seu livro Claros
e Escuros, além de Bernardo Sörj, denunciam.
O tempo foi passando e o vírus do patrimonialismo só foi
multiplicando no corpo social, político e cultural desse pobre país, gigante
apenas por natureza, mas pequenino em relação às ideias que fomenta em seu
seio. Infeccionado, sempre teve ideias esdrúxulas sobre desenvolvimento, sobre
justiça, sobre qualidade de vida – que envolve nocivamente ideias associadas
sobre acesso do seu povo à educação, saúde, segurança, habitação, transporte, cultura,
esporte e lazer -. Isso tudo fez com que seu povo, na maioria do trajeto da
história, sempre fosse um povo frágil, com sonhos mesquinhos, admiradores de um
status quo
falido, degradado, improdutivo. Isto afetou a principal instituição educativa
da sociedade brasileira, reproduzindo esse modo de pensar e fazer. Segundo
Romanelli (1991, p. 23):
As instituições educativas nascidas da necessidade de as
gerações mais velhas transmitirem às mais novas os resultados de sua
experiência e, também, com o objetivo de preservar e recriar esses produtos,
sofrem todavia, na cultura transplantada, uma minimização de suas funções. E
que o que se tem em vista, na cultura transplantada, é a imposição e a
preservação de modelos culturais importados, sendo pois, diminuta a
possibilidade de criação e inovações culturais. A escola, nesse caso, é
utilizada muito mais para fazer comunicados do que para fazer comunicação e
este papel é desempenhado tanto mais eficazmente, quanto mais o que se pretende
com a ação escolar é formar o espírito ilustrado, não o espírito criador.
Vivemos, até hoje, desse fantasma “ilustrado”, melhor,
para não sair do tema, desse “vírus ilustrado” que nos mata a cada dia. Exemplo
claro disso foi o dinheiro que o governador tomou de empréstimo a uma agência
financeira internacional para equilibrar as contas do estado, mas terminou
utilizando boa parte na “Arena Fonte Nova”. Mais uma vez a contaminação exibe
seus efeitos nocivos. A nossa racionalidade prefere um estádio de futebol
“moderno”, cópia mal feita de outras realidades, de outras arenas exibidas nos
clássicos europeus pelas imagens sedutoras da tv, do que um investimento em
nossa infraestrutura em frangalhos, do que em nossa cultura abandonada e em
degradação, cercada de mau gosto por todos os lados. É como afirma José de
Souza Martins:
A modernidade nos chega, pois, pelo
seu contrário e estrangeira, como expressão do ver e não como expressão do ser,
do viver e do acontecer. Chega-nos como uma modernidade epidérmica e
desconfortável sob a forma do fardo nas costas do escravo negro, ele mesmo
negação do capital e do capitalismo, embora agente humano e desumano do lucro
naquele momento histórico. (MARTINS, 2010, p.24)
O resultado é que nos tornamos um país de fingimento. A
polícia finge que prende, a justiça finge que julga, o sistema penitenciário finge
que recupera o delinquente. Aliás nem finge mais. O legislador finge que
elabora leis que assegurem o rigor da lei, a justiça. Nossa educação é de
fingimento, nosso sistema de saúde é de fingimento, a festa da formatura,
muitas vezes, é de fingimento, e o diploma, representa o “espírito ilustrado”,
poucas vezes, o “criativo”. É só trabalhar na correção de provas do ENEM que a
gente constata o fingimento da educação brasileira.
Vivemos admirando o além–mar, como os índios de 1500.
Ainda não saímos da beira daquela praia em Porto Seguro. Estamos inseguros
nessa “afundação” desse país que deveria ser “redescoberto”, refundado. O crime
tomou conta, definitivamente, de nosso país. O nosso Congresso, para começar, é
um antro de marginais, de facínoras, canalhas, medíocres, hipócritas! Eles são
o exemplo em que se espelham os demais malandros brasileiros, que atiram para
matar numa senhora somente para roubar um carro, ou outro miserável em Jacobina
que utiliza de um ato terrorista na tentativa de matar a namorada e fere
gravemente até mesmo uma criança. É. Até isso estamos copiando: o ato
terrorista! Aqui uma tal de “polícia pacificadora”, ao invés de buscar o apoio
da comunidade, pratica os mesmos atos de execução e intimidação que os traficantes que antes imperavam
nesses territórios dos morros cariocas. “Pacificadora”, de fingimento. Amarildo
que o diga. Agora mesmo o jornal noticia outro desaparecimento sob responsabilidade da "polícia pacificadora", de um jovem
chamado Laércio.
Maluf mandou boa parte de nossas riquezas, surrupiadas de
uma obra de um viaduto em São Paulo, para um "paraíso fiscal", fora
do país, tal como os portugueses faziam quando mandavam nosso ouro para
Portugal, repetindo o mesmo gesto de séculos atrás. Ó como somos antigos!
Foi preciso que a justiça de Jersey, dos Estados Unidos, mandasse devolver em torno
de U$ 4 milhões para os cofres públicos da prefeitura de São Paulo, pois nossa
“justiça” fingida não tem condições para fazê-lo. Eu sou brasileiro, não nego.
Mas as vezes gostaria de negar. Negar um país que me nega, que me abandona, me
maltrata, me recusa. Um país que fica admirando qualquer um que "fale
embolado" e seja branco de além-mar. Não sou contra a vinda e a recepção
agradável aos estrangeiros, nossos irmãos. Sou contra a atitude boba de querer
copiar o que não é nosso, o que não é engendrado em nossa cultura, nossa
ternura, nossa amargura e, sobretudo e cada vez mais, nossa esperança numa
redescoberta e numa refundação desse país que ainda não existe para seu povo. De um país que não existe, não existe seleção brasileira. Existe um monte de jogadores cuja maioria reside em outras nações e vestem a camisa da seleção enquanto ela representar algum status para eles. Chegará o dia em que eles serão convocados como nós somos convocados para as eleições dos nossos representantes de fingimento, através da obrigatoriedade.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de
Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. Com o auxílio de...
MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do
homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. 2.ed. rev. e
ampliada; São Paulo: Contexto, 2010.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação
no Brasil. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
SODRÉ, M. Claros e Escuros:
identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.
SÖRJ, Bernardo. A democracia
inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
joselitojoze@gmail.com