[...] a totalidade tem fins não reduzíveis à soma dos fins dos membros singulares que a compõem e o bem da totalidade, uma vez alcançado, transforma-se no bem das suas partes, ou, com outras palavras, o máximo bem dos sujeitos é o efeito não da perseguição, através do esforço pessoal e do antagonismo, do próprio bem por parte de cada um, mas da contribuição que cada um juntamente com os demais dá solidariamente ao bem comum segundo as regras que a comunidade toda, ou o grupo dirigente que a representa (por simulação ou na realidade), se impôs através de seus órgãos, sejam eles órgãos autocráticos ou órgãos democráticos. (BOBBIO, 1992, p.25)
A
religião está na moda. Talvez nunca tenha saído. Cada vez mais novos adeptos
estão chegando e aumentando consideravelmente o número de fiéis. Tem muita
gente tentando encontrar Jesus, procurando-o incessantemente com o farol de sua
fé. Por isso entram em religiões. Religião significa religação. Religação entre
Deus e os seres humanos, entre céu e terra. A religião é uma ponte que o fiel
transita em direção a Deus, ao céu. Então, uma comunidade de fé se forma para
partilhar a fé no Deus Vivo, recusando as tentações, trabalhando-se solidariamente
para livrar-se do ódio, da injustiça, da ignorância, da agressividade, do
cinismo, da corrupção e de todas as ofertas que o mercado oferece com suas
falsas promessas de felicidade. Assim, deixam de procurar o tal do pecado nos
outros e dão um mergulho profundo em si mesmos (as) a fim de dialogar com seus
demônios, para exorcizá-los de si. Mas nem sempre é assim.
Percebo
que algumas religiões estão, nesta contemporaneidade que se revela, tornando-se
verdadeiras empresas capitalistas, com produtos, serviços e um forte marketing
na busca de novos (as) clientes, digo, fiéis. Percebo que indivíduos se reúnem –
pois geralmente não se unem – em busca da realização de suas necessidades
básicas e interesses individualistas, a fim, por exemplo, de enriquecer. Deus,
nesse caso, não é concebido como fonte de amor, justiça, solidariedade e
perdão, mas como solução mágica para problemas pessoais, ou, pior: como fonte
milagrosa de enriquecimento, como se a fé gerasse um cheque em branco assinado
por Deus para o privilegiado da fé. Um exemplo forte dessa mentalidade é que em nosso país os santos são venerados pelo milagre que, porventura, possam trazer para mim e meus familiares, não pela representação de fé, de perseverança, humildade, convicção e fidelidade à causa de Deus. Poucos enxergam a parte difícil do santo ou do profeta. Queremos deles apenas o milagre fácil e rápido, como uma pizza.
A
partir desse ponto, a benção que uma pessoa supostamente recebe tem como critério
principal seus recursos materiais caídos do céu como um presente particular de
Deus. A maioria das pessoas, nesse imenso Brasil desigual, que são pobres e
andam em ônibus sucateados e lotados; que sofrem o desemprego devido à falta de
uma educação pública de qualidade mínima, que morrem em filas de hospitais e de
postos de “saúde”; além de todos os despossuídos brasileiros, seriam “desabençoados”.
Pelo mesmo raciocínio todos os ricos deste país seriam “abençoados”. Maluf, Sarney,
João Henrique, Jacques Wagner, Lula e seu filho apressadamente milionário, ACM
Neto, Pelegrino, Aécio Neves, Marcelo Guimarães Filho e seu pai, Roberto
Justus, “Sílvio Santos” e vários outros ricaços e ricaças seriam “abençoados”. Hum.
Tem muita coisa que não bate nesse raciocínio simplista. Não acredito que um
Deus que viveu de forma simples, filho de uma mulher simples e de um
carpinteiro, nascido numa condição de pobreza extrema, possa concordar com uma
ideia esdrúxula dessas.De todo modo não sou a favor da pobreza, pois identifico nela uma doença política, social e econômica que aflige bilhões de pessoas no mundo. A pobreza é uma das maiores negações da vida. Mas também não posso ser a favor de uma "riqueza" que se alimenta dessa pobreza que essa riqueza gera. O rico não é um "abençoado": é um explorador sistemático do trabalho alheio!
A
religião não deve ser um encontro de pessoas visando resolver problemas
individuais ou conseguir riquezas “milagrosas” por causa da fé. Penso que a
maior riqueza é estar satisfeito com o que temos e também com o que não temos. É
aguentar firme os momentos ruins e celebrar os momentos bons. É chorar a morte
dolorosa dos nossos e das nossas e seguir em frente na esperança de reencontrá-los,
porque morte e vida se complementam. Deus não pode ser usado como instrumento
para a satisfação das nossas necessidades básicas ou para explicação psicológica
para a falta de atendimento delas, como a unidade de medida da fé fosse o tamanho
da riqueza material que uma pessoa possui. Penso o contrário: eu é que devo ser
usado como instrumento de Deus. Assim pensavam os profetas. Pensavam-se como instrumentos
para a realização da vontade Dele.
Contudo,
vivemos num mundo hedonista, que se compraz e se avalia pelos critérios de
consumo, pela quantidade e qualidade de produtos e serviços que a pessoa aciona
ou possui. E essa concepção ideológica consumista termina, como uma virose, infeccionando
a fé, tornando-a, ela própria, um serviço, uma mercadoria vendida nas tv’s, nas
igrejas, nos panfletos distribuídos nas ruas pelos “vendilhões do templo”. A
fé, bem de consumo, tem um preço e pode ser adquirida nas “prateleiras” das
diferentes igrejas que disputam fiéis. Muitos destes querem “se salvar” e
procuram o refúgio das religiões porque têm medo e se sentem incapazes de
enfrentar os seus próprios demônios. Cambada de frouxos! Sei. É difícil ter
coragem para encarar a nós mesmos e identificar nossas limitações, defeitos e
demônios que residem em nosso ser. É um mergulho que deve ser dado com muito
cuidado, pois, inclusive, mentimos para nós mesmos a fim de fugir da verdade
que nos assombra. Mas, como disse o próprio Deus: “A verdade vos libertará”. É
preciso passar pelo nosso inferninho pessoal, desmitificando todas as aparências a
fim de chegar ao Reino de Deus. E isto não acontece no dia em que você “aceita
Jesus”. É preciso primeiro aceitar a si mesmo. Você não pode “aceitar Jesus”
fugindo de si mesmo (a), senão é capaz de você nunca encontrar nem a Deus, nem
a si mesmo (a), continuando no reino das aparências eternamente, como num jogo
virtual ou numa novelinha qualquer.
A
igreja, a religião, funciona num lugar, um espaço onde diferentes pessoas, através
de concentração e disciplina, alcançam a fé e o próprio Deus, através dos seus
milagres. Deus estaria lá, naquele lugar privilegiado, onde Ele “baixa” para
atender cada fiel. Os outros lugares são desprezados, por não serem “sagrados”. Penso, claro, que quando uma comunidade de fé se reúne em nome de Deus, Ele ali estará, sacralizando aquele espaço e tempo privilegiado de oração compartilhada. Entretanto, se Deus criou tudo e está em todos os lugares, todo lugar não seria
sagrado? Por que então jogamos lixo nuns lugares, esgotos em outros, desmatamos
imensas áreas e extinguimos milhares de espécies, profanando o templo Dele? O Espírito de Deus não
estaria também nesses lugares? A terra e o universo inteiro não seria um
presente de Deus para nós? Hum.
Eu
procuro rezar em todo lugar, dentro dos ônibus da São Luiz nas viagens de
Jacobina a Salvador e de Salvador a Jacobina, inclusive nas igrejas, nos
terreiros e nas montanhas. E todo lugar onde rezo é sagrado. Rezo grato por
tudo o que penso ter e por tudo que deixo de ter. Rezo para enfraquecer e
expulsar os demônios que residem em mim e que me fazem ganancioso, cínico,
hedonista, agressivo, mentiroso, canalha, safado, idiota, egoísta, invejoso e desrespeitoso
com colegas, amigos, familiares e todos (as) aqueles (as) que cruzam o meu
caminho. Rezo para ser melhor, para ser solidário, decente e humilde. Rezo para
não perder a minha ligação com o sagrado que é “o caminho, a verdade e a vida”.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel com a ajuda de
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
Parabéns Jozelito de "TODOS", o seu texto no mínimo nos faz pensar sobre o ser do Criador e das mais variadas religiões que agem em seu NOME.É fato, precisamos mesmo é aguçar os nossos sentidos e pedir muita inspiração divina para não sermos presas fáceis para os demônios presente em toda parte, sobretudo nas igrejas.
ResponderExcluirMais uma vez, parabéns.
Concordo Cosme,
ExcluirOs demônios que estão em nós e dentro das igrejas. Antes acreditava-se que uma igreja era um lugar sagrado, onde os demônios não teriam vez. Mas, observando atentamente o mundo de hoje, percebemos as vaidades falarem mais alto que as humildades; a idolatria falar mais alto que a adoração; a hipocrisia imperar sobre o reconhecimento sincero de nossas limitações e contradições.
Um abraço e continue tecendo fios com o Jô, mesmo que venha a discordar em determinado momento.