terça-feira, 7 de janeiro de 2014

ESCOLA DE RACISMO

Estou atônito. Tudo está ocorrendo numa velocidade que minha percepção parece inútil. Depois do desaparecimento dos quintais fiquei órfão desse espaço geográfico pequeno e imenso que também me pariu.

Do trampolim do meu quintal
eu dava saltos no universo
em meu caderno de chão
eu rabiscava os meus versos.
No caminho de formiguinhas
que trilhavam sete anões
eu namorava a bruxa má
e aprendia muitas lições.
(Joselito Zé)

E tudo foi precipitando-se velozmente sobre mim de modo que tive de refugiar-me nas ocupações múltiplas da produção da existência a fim de proteger-me do mundo em convulsão. Depois do quintal eu não tive mais paz. Chegaram os blocos, as areias e o cimento e foram afunilando, reduzindo, enforcando os quintais que, desesperados, foram sucumbindo como espaço de socialização infantil e juvenil. A produção do espaço aniquilou o espaço da imaginação, dos ensaios criativos de vida que as crianças elaboram enquanto o mundo trabalha sua incessante máquina de construção e destruição de formas culturais singelas que existem em pequenos espaços de vida, tais como os quintais. O poder atropela. E o futuro, com suas portas que abrem sozinhas, chegou aos shoppings, e não mais espanta nenhuma criança. Tudo parece dado, claro e autoexplicável, contribuindo para a perda de força da Filosofia.

Entretanto, a capacidade de espanto deve ser exercida sempre por cada um de nós, a fim de enfrentarmos a força destruidora da naturalização. O racismo, por exemplo, exercido sem tréguas durante tantos séculos, foi sendo naturalizado a ponto de aceitarmos milhares de corpos de jovens negros como parte das estatísticas anuais e, ao mesmo tempo, nos espantarmos quando algum jovem branco é assassinado, ou é preso por envolvimento no mundo do crime. A recuperação da capacidade de filosofar nos faz perguntar: por que esse fenômeno existe? Por que o movimento negro não faz uma reflexão contínua, profunda e duradoura sobre isso? Por que a possibilidade de um homem negro em Alagoas morrer por homicídio é altíssima enquanto que, no mesmo estado, a possibilidade de um homem branco ser assassinado é baixíssima? Como o racismo é reproduzido tão eficazmente no tecido social, apesar de todas as denúncias, lutas, movimentos contrários? Como a gente aprende a ser racista? Quem é o (a) nosso (a) professor (a) e qual a sua eficiente didática no ensino discreto do racismo? Como é que começa a negação do povo negro ao acesso à educação, à saúde, à segurança, etc.? Há uma espécie de labirinto social que direciona o (a) jovem negro (a) para determinadas vias e não para outras? Quem são os principais responsáveis por esta construção sutil, porém eficiente? Os Governos que representam os interesses de setores organizadíssimos da sociedade? Grupos de poder político, econômico e ideológico que se organizam na Bahia tendo como critério fundamental de discriminação a cor da pele? Qual o papel das redes de tv da Bahia nesse processo? E os jornais de Salvador? Como associam a violência nas periferias, onde os negros são as principais vítimas, com a questão do racismo? O que a universidade baiana tem feito diante de estatísticas tão sombrias para os jovens negros da Bahia? O que anda fazendo a Secretaria de Educação sobre tal problema? Como a negritude é representada em suas práticas discursivas? O que a classe média negra faz? Protege seus filhos na rede de inclusão a que tiveram acesso? Fingem que agora pertencem a outro nível social e que tais questões já foram superadas por ela? Será que conseguem voltar à periferia para provocar tais discussões e criar potenciais de comportamento para o combate ao racismo? Como os (as) policiais são preparados (as) pelos seus professores? Como eles (as) apreendem a relação entre cor da pele e violência? Será que conseguem perceber a formação do marginal pela estrutura política, jurídica, econômica e cultural de nossa sociedade baiana e brasileira? Como é que funciona a fábrica de marginais e a indústria do homicídio na Bahia? Por que é tão difícil prender e manter na cadeia um sujeito de pele branca? Parecem perguntas fáceis. E são. Mas as respostas são muito mais difícieis, porque nos implica a todos (as) nesse trágico fenômeno. São essas e muitas outras questões que me vêm à tona, embora saiba que muitas outras ficam na latência gritante de minha própria contradição, mas que, se refletidas num plano mais amplo de nossa sociedade pode trazer emancipação de muitos do racismo que nos envolve.

Estamos num ano eleitoral. Devemos levantar dados, colocar policiais para defender, além do turista, o povo de nossa terra, que nunca foi uma boa terra para o seu povo. Precisamos acender nossas luzes nessa escuridão do mundo, que na propaganda se mostra sorridente, iluminado, colorido, afável e convidativo, mas que nas práticas concretas das relações sociais, tira a máscara e exerce seus podres poderes com o exercício da força impiedosa de uma arma oficial, principalmente contra quem tem a pele negra.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

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